Capitão América: Admirável Mundo Novo continua a envelhecida e cínica saga da Marvel

Cena do filme Capitão América: Admirável Mundo NovoNa imagem, o personagem Sam Wilson está entrando em uma sala escura. Ele olha com desconfiança ao seu redor. Sam Wilson segura na mão esquerda, o escudo de seu alter ego, Capitão América, nas cores da bandeira dos Estados Unidos: branco, prata e azul, divididos por faixas circulares. No centro há uma estrela. Sam Wilson é um homem negro, na faixa dos 40 anos, de cabelo raspado e bigode com cavanhaque. Ele veste uma jaqueta preta.
Pela primeira vez nos cinemas, Sam Wilson assume o manto estrelado (Foto: Marvel Studios)

Davi Marcelgo 

Quatro anos depois de Falcão e o Soldado Invernal, a Marvel continua a história de Sam Wilson (Anthony Mackie), mas esquece peças fundamentais da mitologia de heróis em Capitão América: Admirável Mundo Novo, um filme estéril. Na trama, o presidente dos Estados Unidos, Thaddeus Ross (Harrison Ford), sofre um atentado e Isaiah (Carl Lumbly) é preso. Para provar a inocência do amigo, Wilson começa uma investigação que o leva a descobrir segredos sobre o passado da liderança norte-americana.

De Steve Rogers (Chris Evans) para Sam Wilson, nada muda. A trama não possui frescor algum e há elementos bem semelhantes com o segundo filme da trilogia. A equipe é formada por um capitão, um falcão e uma viúva negra, com direito a história de espionagem com um vilão do passado por trás – até a revelação do inimigo é parecida. O sentimento é de assistir uma reprise carente de invenção. Há participações de personagens do MCU e, assim como todas as outras cenas de cameo, ela começa com a voz em off do personagem até a câmera revelar quem está dizendo, fórmula já ‘manjada’ por qualquer espectador de pouca data. Pasmem: o público já nem se importa.

Volta e meia, algum personagem é interrompido por uma piada autoconsciente e cínica quando faz um discurso ou diz algo bonito: a Marvel quer se afastar por completo do cafona e brega dos quadrinhos, substituindo tudo por um realismo, da estética ao roteiro. A personalidade de Wilson é mais de um soldado do que humano. Sua irmã e sobrinhos, apresentados e com certo nível de importância na série, aqui são ceifados – sem nem serem citados.

Cena do filme Capitão América: Admirável Mundo NovoNa imagem, o escudo do Capitão América está enfiado no chão, com apenas metade dele visível. O escudo possui arranhões e marcas de combate.Ele é estampado nas cores da bandeira dos Estados Unidos: branco, prata e azul, divididos por faixas circulares. No centro há uma estrela. Atrás do escudo, está o Hulk Vermelho, que apenas aparecem as panturrilhas fortes. Ele veste uma calça preta rasgada na altura do joelho e sua pele é vermelha. Ao fundo, há árvores cerejeiras com a folhagem rosa.
Nos quadrinhos, Sam Wilson também assumiu o controle do escudo norte-americano (Foto: Marvel Studios)

Em Homem-Aranha (2002), Sam Raimi enquadra o desenho do uniforme do aracnídeo com o auxílio da trilha sonora de Danny Elfman e a voz em off do Tio Ben (Cliff Robertson) dizendo “Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades. Lembre-se disso” para cultuar a figura do herói. E não somente guarda o balançar triunfanta pela cidade só para o final da história, como dramatiza qualquer vislumbre da fantasia. Enquanto isso, o Capitão América possui duas roupas, mas nenhuma delas é tratada com tato épico ou grandiosidade: a segunda é só mais uma no armário. 

A simbologia de ser uma pessoa negra vestindo o manto, a preservação da memória sobre a participação da negritude no passado dos Estados Unidos, pilares preciosos na construção da identidade e jornada de Wilson na série de 2021, são abafados por uma produção que não empodera os ícones que representam esta narrativa. Se a história estivesse questionando o título de Capitão América, seria cabível tratar a roupa como um trapo, mas o enredo não se opõe ao sentinela.

E não é como se, ao abandonar essa narrativa, ela fosse substituída por outra: Sam Wilson é um rosto sem face. Ao final do filme, não dá para identificar um arco de personagem, desenvolvimento ou pior: o que o protagonista queria neste filme? Quais foram os sacrifícios deste herói? Dilemas, vida pessoal… nada é apresentado. A patologia da Marvel está clara, a relevância está somente na pós-crédito e no futuro (bagunçado e incerto) da empresa.

Cena do filme Capitão América: Admirável Mundo NovoNa imagem, à direita, está o personagem Presidente Ross. Ele é um homem branco, de cabelos brancos, na faixa dos 80 anos de idade. Vestindo terno e gravata azul marinho. Atrás dele, há um quadro pendurado na parede. É o retrato de um dos presidentes dos Estados Unidos. Ross está conversando com Sam Wilson, que está de costas. Wilson veste um terno cinza.Ele  é um homem negro, na faixa dos 40 anos e de cabelo raspado, O ambiente é uma sala com paredes escuras e cortina branca.
Com a morte de William Hurt em 2022, Harrison Ford dá vida ao presidente Ross (Foto: Marvel Studios)

Seja história ou forma, não há dramatização dos eventos em Admirável Mundo Novo, duas cenas de ação se iniciam sem uma progressão de eventos e tensão, elementos necessários para fazer o público sentir, afinal, é a primeira vez que o Hulk Vermelho (Harrison Ford) está em tela. Então, o que deveria ser uma agradável surpresa – o personagem só aparece no clímax –, se revela como uma limitação de orçamento, embora o filme tenha custado ao menos US$ 180 milhões, os efeitos, como de praxe na Marvel, continuam feios e falsos, o que soa irônico vindo de uma empresa que presa tanto pelo cinzento e o real. 

Falar sobre Capitão América: Admirável Mundo Novo é como chutar cachorro morto, são os mesmos problemas que os filmes anteriores do MCU e o horizonte não parece ter mudanças. É triste ver que, após Capitão América: Guerra Civil (2016), o público não se importa com o novo filme do sentinela. Claro que há motivos criminosos para isso, como o racismo e a fictícia agenda woke, que pessoas de direita tanto temem. Porém, também há a Caixa de Pandora que a própria Casa das Ideias abriu: sem cameos de heróis dos anos 2000 ou versões do multiverso, ninguém vai ter interesse.

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