Leticia Stradiotto
Cidade de Albuquerque, Novo México. To’hajiilee, uma reserva indigena em Navajo. Um trailer parado no meio do deserto. Um homem de meia idade vestindo apenas uma cueca branca, uma camisa verde e uma máscara de gás. Assim, há 15 anos, Breaking Bad nos apresentou ao primeiro laboratório de metanfetamina de Walter White, o falido professor de química do Ensino Médio, que acabou de ser diagnosticado com câncer terminal.
A droga que marca a produção era utilizada desde a Segunda Guerra Mundial. Ela era dada aos soldados para melhorar o desempenho e performance em campo. Sob efeito da substância, eles tinham o raciocínio acelerado e experimentavam uma intensa sensação de poder e de confiança. Por mais que Walt cozinhasse a metanfetamina com 92% de pureza, o protagonista interpretado por Bryan Cranston, jamais provou do seu produto – seu poder e confiança eram alimentados pela natureza da ambição em si mesmo.
No sul dos Estados Unidos existe uma expressão que significa o desvio dEl camino certo para o mau: Breaking Bad. Algo que pode ser apenas por um dia, ou pela vida inteira. Quando a mesmice dos dias cansa e jogar tudo pro alto lhe convém muito mais do que seguir a rotina. A transformação de um típico e comum cidadão americano no maior, mais assassino e ganancioso dono de um império no tráfico de cristal.
15 anos atrás, Breaking Bad estreou na TV sob direção de Vince Gilligan como um drama cômico, e respondeu a pergunta que homens de meia idade com certeza fizeram durante sua vida: o que aconteceria se eu largasse meu emprego chato e começasse uma carreira de lucro ilegal? A solução envolvia drogas, explosões, gangues do tráfico, mortes impactantes e um pouco de frango frito.
A série foi um grande marco na história das produções televisivas, sendo responsável pela criação e mudança de um conceito cinematográfico. Seu papel foi tão grandioso que, durante suas cinco temporadas, colheu 230 indicações e um total de 118 prêmios em diferentes categorias. Em 2014, no Emmys Awards, a produção varreu as estatuetas, ganhando praticamente todas as indicações nomeadas- entre elas a de Melhor Série Dramática e também os prêmios individuais para o trio Aaron Paul, Anna Gunn e Cranston.
O impacto no modo de produção envolveu diversas características, desde a abordagem do roteiro até as técnicas de fotografia e ambientação do espaço. O cenário principal da história contempla paisagens áridas e desoladas do deserto de Albuquerque no Novo México, com tomadas amplas e panorâmicas que transmitem a vastidão e a impotência dos indivíduos em relação ao ambiente, contrastando diretamente com a vida suburbana de classe média do protagonista. A cidade se torna um personagem, com sentimentos de isolamento e opressão que atingem os conflitos internos dos próprios sujeitos envolvidos.
A equipe de direção de fotografia utiliza uma paleta de cores distinta para cada temporada, com um arco visual que acompanha a evolução do enredo. As cores saturadas e quentes dos primeiros episódios evocam a normalidade antes de tudo mudar para White, enquanto a paleta fria das últimas temporadas reflete uma crescente escuridão do declínio de Heisenberg.
Tecnicamente, a química é o estudo da matéria. Mas, prefiro encarar como o estudo da transformação. Pensem uma coisa. Elétrons, eles mudam seus níveis de energia. Moléculas, alteram suas ligações. Elementos, eles se combinam e se transformam em compostos. Isso faz parte da vida, certo? É uma constante, é um ciclo, é solução, dissolução, infinitamente. É crescimento, declínio e transformação.
Walter White
Além do mais, a escrita impressiona pela capacidade de transformação dos personagens durante a trama e o maior exemplo disso é Jesse Pinkman (Aaron Paul). O jovem era o contraponto de Walter White e sua trajetória dentro de Breaking Bad foi uma das mais emocionantes. No início, ele é visto como um usuário de drogas em busca de dinheiro fácil, porém, com o desenvolvimento da série, a personalidade de Pinkman se expande e revela uma vulnerabilidade extremamente emotiva. Jesse – independente de todos os erros e atrocidades cometidas – segue em busca de sua essência, que foi corrompida milhares de vezes.
Enquanto o garoto se martirizava por ser um vilão, o maior traficante Heisenberg não olhava para si como um mau caráter. A ausência de reconhecimento e empatia corroeu cada vez mais a sua persona, e ao mesmo tempo, aumentou o tempo de seu legado como Rei das Drogas.
Mr. White não media esforços para acabar com qualquer um que ameaçasse sua carreira no tráfico, independente se isso significasse enfrentar os mais psicóticos traficantes ou o seu próprio cunhado agente do DEA (Drug Enforcement Administration). Todos que ameaçam seu desenvolvimento são inimigos em potencial, e todos acabam com o mesmo fim – tiroteios, explosões, tentativas de envenenamento e overdoses.
Tuco Salamanca (Raymond Cruz): líder de uma gangue criminosa do sudoeste americano e um dos primeiros chefões do tráfico na série. Esse inimigo é caracterizado por sua personalidade imprevisível, explosiva e violenta. Uma das cenas mais famosas do personagem é quando ele tem uma reação extremamente intensa ao experimentar a metanfetamina azul de Walter. A reação de excitação frenética ganhou adaptações na internet. Com certeza ele é um, dos tantos, inimigos icônicos de Breaking Bad.
Gus Fring (Giancarlo Esposito) foi de longe o antagonista com mais destaque da trama. Ele é dono de uma rede de fast food de frango frito, chamada Los Pollos Hermanos, que na realidade é local do seu império no tráfico de drogas. O personagem é calmo e controlado e, ao contrário de Tuco, é extremamente cuidadoso com a sua aparência pública de empresário bem sucedido.
Em suas cenas finais, Gus é atraído para um encontro com seu antigo rival, Hector Salamanca (Mark Margolis), velho tio de Tuco. A morte de Fring foi uma das mais memoráveis: com ajuda dos maquiadores e especialistas em efeitos especiais de The Walking Dead, a produção investiu forte nos destroços do personagem, e sem dúvidas fez com que os espectadores ficassem boquiabertos.
Não só de mortes se constrói a série, pelo menos não por enquanto. Outra emblemática – e talvez uma das favoritas relações entre os personagens – é o romance conturbado de Jesse Pinkman e Jane Margolis (Krysten Ritter). Os jovens se conhecem quando a garota se torna sua vizinha e locatária, tendo o namoro marcado por altos e baixos, com momentos de pura paixão e profundo desespero.
Jane é uma artista viciada em drogas, que está tentando se manter limpa. Ambos compartilham uma conexão quase imediata, uma vez que possuem histórias de vida difíceis e buscam sair dessa para encontrar um caminho melhor. Apesar do vício, ela é uma influência positiva em Jesse e o encoraja a lutar contra seus demônios.
O curto relacionamento é um momento de alívio e felicidade para os dois, pois encontram conforto um no outro para lidar com a caótica realidade. A chegada da personagem na série foi importante para o desenvolvimento de temas complexos, como a dependência química. A história do casal tange momentos marcantes e contribui completamente para o rumo da trajetória de Jesse Pinkman.
Outros casais importantes são compostos por Walter White e Skyler (Anna Gunn), que juntos têm uma família com dois filhos, Walter Jr., um jovem com paralisia cerebral, e Holly, a filha mais nova e recém nascida. À medida que Walter mergulha no mundo das drogas e da violência, sua família se torna cada vez mais distante e ameaçada, mesmo que essa seja sua principal razão para lucrar com a produção de cristal. Skyler, inicialmente, é uma personagem secundária na trama e muitas vezes odiada pelos fãs, mas ela começa a ganhar um espaço significativo quando descobre sobre as atividades ilegais do marido.
A série construiu personagens tão intrínsecos e envolventes, como substâncias constituintes de uma reação, que apenas as cinco temporadas por si só não bastaram. Ganhando duas continuações no audiovisual, o filme El Camino e a série derivada Better Call Saul. Outro ponto que estimula o sucesso da produção, é a gigantesca possibilidade do espaço para outros personagens e não apenas os protagonistas. Por exemplo, El Camino trata da vida de Jesse Pinkman após Breaking Bad, enquanto Better Caul Saul conta a história do advogado da dupla responsável pelo toque de humor e sarcasmo na série debutante, Saul Goodman.
Por mais que o fim da série tenha sido polarizador, entre os que amaram e os que odiaram, Breaking Bad tem a química. A história é um conto épico de apogeu e queda que, mesmo após seus 15 anos de lançamento, ainda instiga os telespectadores. Nos encontramos imersos nas substâncias constituintes, sendo elas simples ou compostas: a mistura ácida da obra resulta em uma explosão química inevitável. Assim como a metafísica, são realidades que transcendem a experiência sensível.
Os elementos possuem propriedades como massa atômica, densidade e ponto de ebulição, Breaking Bad apresenta personagens com características distintas – inteligência, astúcia, ganância, empatia, ambição. Esses componentes se combinam, como elementos formando compostos, de maneiras inesperadas e sob condições imprevistas.
A trama nada mais é do que uma série de reações. E cada uma dessas reações provocam a mudança. Crescimento, declínio e transformação. Breaking Bad encerra ressignificando o ciclo infinito do estudo da transformação na química. A dissolução de Walter White acontece exatamente onde ele começou: em um laboratório de metanfetamina.
A melhor série que eu já assisti em toda minha vida