Jho Brunhara
Dizem as línguas que o entretenimento é uma subcategoria da cultura. Que reality show é a maior porcaria que a TV pode transmitir. Será mesmo? Em anos como 2020 e 2021, que fomos forçados a ficar trancados em casa, assistir um bando de subcelebridades, famosos e desconhecidos conviverem com todas as glórias e percalços da índole humana preencheu nosso tempo ocioso e nos devolveu um pouco do sentido de viver.
E é disso que se alimentam os realities: ninguém assiste mais pelos corpos sarados e os casais claramente calculados, muito menos esperando mentes brilhantes e evolução espiritual. Guillermo del Toro já disse sobre os monstros, eles são fascinantes e identificáveis pois não tem a obrigação de serem perfeitos. E é por esse mesmo motivo que assistimos os BBBs e Fazendas da vida, porque podemos transformar humanos reais em nossas próprias personagens.
Aqui, ninguém é realmente bom ou ruim. Não existe um roteiro que atribui as qualidades de forma indireta e o espectador só as consome. Claro que a edição pode ser tendenciosa, mas na era do pay-per-view e da internet, se tornou muito mais difícil manipular o público. Nesse ambiente as atitudes são sempre relativas, os vilões dependentes do ponto de vista de quem assiste e a justiça nunca realmente é justa para todos.
Por exemplo, a eliminação de Felipe Prior, que na época ainda era apenas um participante de reality e o país não tinha conhecimento das denúncias de abuso, é a maior prova disso. Enquanto metade do território brasileiro literalmente gritava para fora das janelas como se fosse a Copa do Mundo ou o resultado de uma eleição para presidente, a outra enxergava Manu Gavassi como um alguém que não merecia ter permanecido na casa mais vigiada do Brasil. Quem estava certo? A resposta não existe. Prior é sim alguém condenável aqui fora, mas naquela bolha do BBB estar do lado dele era puramente um movimento de torcida.
E se tem algo que decide o jogo, são elas: o que faz alguém ganhar o Big Brother brasileiro não é a narrativa, nem as provas, nem os VTs, nem a quantidade de paredões, fama ou boa convivência. Quem faz um participante vencer são as torcidas. Se pessoas suficientes escolhem te apoiar e votar para te proteger, não importa qual personagem você seja, mocinho, vilão, injustiçado ou perseguido, apenas isso trará sua vitória.
E isso não é um problema, muito pelo contrário, é a alma de um reality show movido a votos populares. Os jogadores são escolhidos a dedo pela produção para serem identificáveis pelo público, de forma que a conexão seja rápida e genuína, e você escolha, por livre e espontânea vontade (ou marketing, para ser sincero), defender aquele indivíduo até o fim. Os melhores vencedores foram premiados assim, pois representavam algo muito maior para sua torcida, que estava determinada em levá-los ao pódio.
Chegamos ao Big Brother Brasil 21. A vigésima primeira edição, apesar do ódio em efeito cascata, também foi marcada por torcidas monstruosas. A diferença para outros anos é, que, por razões muito específicas, os brasileiros decidiram se unir pela primeira vez em muito tempo por um propósito em comum: defender e vingar os oprimidos. Nem cálculos quânticos poderiam prever que quando Kerline, a primeira eliminada, disse para Lucas Penteado a fatídica frase “e se eu quiser ficar com o cupido?” na Festa Réveillon, ela estaria gerando uma das mais densas narrativas da história do programa.
O conflito gerado pela frase ambígua de Kerline fez com que Lucas brigasse com quase todos os participantes e se queimasse com os espectadores. Penteado chegou até mesmo a comparar a cearense com Stalin e Hitler, em uma conversa bizarríssima. Novos conflitos aconteceram na festa seguinte, Herança Africana, e a casa toda passou a destratar Penteado, de forma que rapidamente o público passou a querer protegê-lo. Afinal, a narrativa de perseguido ou excluído é uma das mais eficazes para conquistar quem está assistindo ao programa. Curiosamente, foi mais ou menos por aí que Juliette também passou a ser humilhada pelos outros participantes, como Karol Conká, por ter defendido que deveriam tentar entender Lucas.
Gilberto e Sarah também foram excluídos pela casa, e os quatro, Lucas, Ju, Gil e Sarah, se juntaram no icônico G4. Infelizmente, o grupo logo se tornou G3, após a triste e arrasadora desistência de Lucas. Em uma das madrugadas mais movimentadas que o BBB já teve, Penteado e Gilberto protagonizaram o primeiro beijo entre dois homens no programa, mas a desconfiança e bifobia dos outros participantes, como Lumena, esgotaram as forças de um Lucas já fragilizado. Naquele momento, Gilberto, Juliette e Sarah se tornaram os integrantes da resistência, e o Brasil jurou se vingar pelo que os outros da casa tinham causado à Penteado.
Então, começaram os paredões históricos. Nego Di, um dos redutos de podridão do BBB21, foi o primeiro dos grandes nomes. O humorista, carinhosamente apelidado de Inimigo do Riso, já colecionava polêmicas desde antes da casa mais vigiada do Brasil. Lá dentro, insinuou que se masturbaria perto de Carla Diaz, se referiu aos estudantes secundaristas do movimento que ocupou escolas em 2015 como vagabundos, e perseguiu e humilhou Lucas, que, nem tão coincidentemente assim, foi um dos líderes do movimento de ocupações. O porto-alegrense também reproduziu comentários racistas, ao dizer que Gilberto não era negro, e sim “sujinho”. Ele foi eliminado com a segunda maior rejeição da história do programa, 98,76%.
Karol Conká, que nesse momento já passava 24 horas por dia com as orelhas ardendo de tanto que estava sendo odiada de forma unânime pelos brasileiros, finalmente chegou ao paredão na quarta semana. Depois de escapar de uma prova Bate e Volta que colocou seu ficante, Arcrebiano, na berlinda, vencer a Prova do Líder da Coca-Cola e enfurecer o Brasil com sua sorte (sorte no jogo interno, apenas), a Mamacita não conseguiu escapar da eliminação. Nessa altura, Conká já estava perdendo o apoio interno, e assistia de forma agonizante seu jogo com prazo de validade de um leite deixado fora da geladeira, estragar.
O ódio que a rapper curitibana recebeu naquele momento não era gratuito: Conká teve falas transfóbicas, racistas (ela estava junto à Nego Di e Lumena no episódio do colorismo), xenofóbicas, bifóbicas e, até mesmo, machistas. Fora esse festival de preconceitos, proferidos de forma consciente ou não, Karol foi duramente criticada pelo seu relacionamento de ciúme abusivo com Arcrebiano e por seus ataques à Lucas e Carla. O resultado não podia ser outro, e a vilã da vida real foi eliminada com 99,17% dos votos, uma rejeição quase impossível de ser superada em qualquer futuro.
A situação de Conká é um pouco mais complexa. É inegável as dores que a participante causou em Lucas, Juliette e tantas outras pessoas país afora. Porém, em meio aos que buscavam justiça pelos atos da cantora, muitos se aproveitaram da oportunidade para transparecer o racismo. Na sua noite de eliminação, era possível ouvir pessoas gritando “macaca” de suas janelas. Nas redes, até mesmo o filho de Karol foi perseguido, e as proporções do ódio nacional pareceram triplicar por sua cor de pele. As violências sofridas por Conká não invalidam seus atos problemáticos, mas nos fazem questionar: se fosse branca, será que as reações teriam sido as mesmas?
O cancelamento também levanta discussões sobre o que fazer no depois do depois. Auxiliada pela Rede Globo no seu processo de limpeza de imagem (nada mais justo, afinal, parte dos mais de 500 milhões de reais em lucro da emissora durante o BBB aconteceram graças à ela), Mamacita teve a oportunidade de passar a limpo os acontecimentos na série documental A Vida Depois do Tombo.
Feito às pressas, para aproveitar o hype e quase como uma justificativa para incluir Conká na final do programa e no episódio 101, a produção só convence quem já estava perdoando a artista. Karol um dia será capaz de limpar completamente sua imagem? Provavelmente não. Mas o que devemos fazer? Marginalizar para sempre uma cantora negra enquanto Rodolffo, que ainda tenta justificar seu racismo, alcança o topo das paradas musicais? Essa também não parece ser a resposta, e a solução mais humana, e realmente justa, ainda é permitir que Conká possa se reconstruir, respeitando o próprio tempo.
Lumena Aleluia não durou muito depois que sua parceira de polêmicas foi embora. Tão odiada pelo Brasil quanto Conká, nem sua proximidade com Gil foi suficiente para amenizar os efeitos da raiva coletiva. A bahiana lésbica protagonizou um dos momentos mais importantes da edição, logo na primeira semana, ao explicar a problemática dos homens da casa estarem ‘imitando’ os trejeitos de homossexuais afeminados e pessoas trans. Infelizmente, seu conhecimento sobre o movimento LGBTQ+ não foi suficiente para desconstruir sua bifobia com Lucas.
Com uma porcentagem mais baixa que seus companheiros do Gabinete do Ódio, Lumena foi eliminada com 61,31%, apenas por ter dividido paredão com Projota. O muleque de vila começou como um dos favoritos e elogiado por seu jogo, mas ao perseguir e humilhar Lucas, que era seu fã, sua rejeição disparou. A dimensão do ódio era tão extensa, que todo programa que o rapper tinha algum destaque na edição, o termo “probosta” aparecia nos trending topics do Twitter, e até sua mulher foi ameaçada nas redes sociais. Projócolis foi o último eliminado do ‘G4 do mal’, com 91,89%.
Antes de encerrarmos a ‘primeira temporada’ do BBB21, faltam duas pendências: Arcrebiano e Carla Diaz. Bil foi eliminado cedo demais, na segunda semana, em um paredão dolorido contra Juliette e Gilberto. O capixaba de nome difícil foi acolhido pelo Brasil por ter sofrido nas garras de Karol Conká, além da manipulação psicológica que fez com que ele acreditasse estar cancelado aqui fora por suas atitudes no ‘relacionamento’ com Mamacita. Merecidamente, o modelo garantiu uma vaga no retorno do programa No Limite, e já estamos ansiosos para revê-lo.
Eu não sou Chiquititas! Ah, Carla Diaz… Uma das maiores promessas da edição, considerada lock no top 5 por muitos, a cantora de Coração com Buraquinhos sabonetou tudo que pôde com sua política de boa vizinhança, ótima para a vida real, péssima para o BBB. Talvez por ter iniciado sua carreira de atriz extremamente cedo, aos 2 anos de idade, Carla virou uma personagem de si mesma e foi vista pelo público como forçada. Seu posicionamento frouxo na política do jogo e seu romance embananado com Arthur foram catastróficos, e nem o Paredão Falso salvou a loirinha.
Aliás, que retorno anticlimático, hein? Sua ideia de incorporar um dummy nervoso foi genial, mas só durou poucos minutos após retirar a máscara. No momento em que ajoelhou para pedir Arthur em namoro no jogo, e recebeu como resposta um ‘partiu’, Diaz se atirou de um precipício sem volta. Em duas semanas (depois da saída de Projota, que encerrou a ‘segunda temporada’), ela estaria eliminada, dessa vez em um paredão verdadeiro apertadíssimo (e injusto) contra Rodolffo.
Com o fim da temporada um, demos início a mais uma reviravolta. Sarah, antes a espiã favorita e integrante do G3, se uniu a Bancada Ruralista (Caio e Rodolffo), declarou que ainda gostava de Bolsonaro, zombou da gravidade da pandemia e se transformou na Miss Cloroquina. Na formação de paredão, o centrão do agronegócio do BBB imitou a vida real e apunhalou Sarah pelas costas, na icônica votação aberta em que os Bastiões votaram na marketeira do Trump. Não deu outra: a loira foi chutada da casa direto para o amaldiçoado quintal da GKAY para gravar TikToks de dancinhas. Perdeu tudo!
Na semana seguinte, foi a vez de Rodolffo finalmente ir embora do BBB21. Depois de declarações homofóbicas sobre o vestido de Fiuk, e comentários extremamente racistas sobre o cabelo de João Luiz (os quais ele tentou, de forma absurda, justificar), o cantor de sertanejo pegou sua ignorância seletiva e voltou para sua casa de barro no interior de Goiás, ouvir o programa através de um rádio velho. Infelizmente, na verdade ele assistiu sua música Batom de Cereja alcançar o topo do Spotify, em sua mansão, provando que o cancelamento escolhe a dedo quem deve sofrer as consequências.
A essa altura, já era claro quais torcidas mandavam no jogo: os cactos, de Juliette e os vigorentos, de Gilberto, os últimos sobreviventes do finado G4 original. A saída de Sarah renovou a imagem de Gil no game, que até tirou a barba, e sua popularidade decolou novamente. Thaís, sem dúvidas a maior planta dessa edição, decidiu se tornar carnívora no pior momento possível, e comprou uma briga com a dona da maior torcida do BBB21. Os cactos não deixaram barato, e vingaram Juliette, eliminando a cirurgiã-dentista com mais de 80%.
Caio, que todos acreditavam que ia agonizar sem Rodolffo, até que aguentou bem, mas seu passado no jogo de sabonetagem e falsidade o eliminaram no 12º paredão. O projeto de Cezar Lima não aguentou o confinamento e em várias oportunidades tentou desistir do jogo, na maior parte das vezes, por saudades da família e medo do cancelamento externo. O parceiro de Rodolffo pelo menos rendeu momentos divertidos, como quando os brothers assistiram o documentário Framing Britney Spears e Caio se tornou um britfã honorário. #FreeBritney
A eliminação de João Luiz foi difícil de engolir. O professor de geografia, que protagonizou um momento histórico ao explanar para todo o Brasil uma fala racista de Rodolffo, saiu sob os critérios de ter sido planta, e claro, por backlash de um país de muitos Rodolffos, que não aceitam que possam estar errados. João foi gigante, e é sempre necessário lembrar que a reação de uma pessoa que sofreu uma violência nunca deve ser diminuída. Não é obrigação do oprimido explicar para o opressor o motivo dele estar errado de uma forma ‘carinhosa’, que coloque quem cometeu a violência como vítima.
Assim como Camilla falou no dia em que Tiago Leifert discursou sobre a importância do cabelo para pessoas negras, “se vocês estão cansados de ouvir falar disso, eu estou cansada de viver [isso]”. Rodolffo foi covarde ao tentar justificar seu comentário racista com base na sua suposta desinformação. O cantor está há muitos anos no meio artístico, mora em área urbana, e tem acesso integral à internet, onde se pode aprender sobre qualquer coisa. E mesmo assim, se ele não soubesse nada sobre o tema, por ser branco, era sua obrigação ouvir João Luiz e imediatamente reconhecer seu erro e pedir desculpas, não tentar se explicar.
Viih Tube conseguiu se rastejar para fora da indicação de Gilberto como líder ao trocar olhares com ele na prova, como se estivesse entregando a vitória, mas não conseguiu escapar na semana seguinte, finalmente sendo colocada em um paredão. Sendo falsa e manipuladora, Vitória Tubos construiu um jogo interno imediatista, que a protegia das decisões semanais, mas que afastou ela de alianças verdadeiras, e conforme o game se afunilava, a youtuber se viu num mato sem cachorro. Aqui fora, uma parcela menor do público defendia Viih como ‘a melhor jogadora’, e achava injusto o tratamento que ela estava recebendo dos espectadores.
A realidade é: o Big Brother brasileiro NÃO funciona como os outros realities de mesmo nome mundo afora. Aqui, para se vencer o programa, não basta apenas estabelecer um jogo interno, com as ferramentas que bem entender. É necessário caminhar as decisões de lá de dentro lado a lado com a estratégia aqui de fora, do jogo externo. Viih Tube não foi uma boa jogadora, pois se torna um exímio participante do BBB quem consegue controlar ao máximo a casa e o público, com ênfase nas torcidas aqui de fora, pois em último recurso, são elas que irão te salvar dos paredões. Viih se livrou sim de votos e paredões e entrou na mente dos outros participantes com sua Grande Família, mas sua estratégia tinha validade de um presunto deixado ao sol. Com 96,69%, demos adeus ao seu jogo tão limpo quanto seus hábitos de banho.
No top 6 nos despedimos dele, o Príncipe de Conduru. Arthur Picoli foi uma das maiores surpresas desta edição, com uma das melhores narrativas e um dos arcos mais legais de se assistir. No começo, sócio do Gabinete do Ódio, o crossfiteiro se aproximou de Projota, sua dupla até a sétima semana do programa, e passou a ser um dos mais odiados da edição. Seu romance tenebroso com Carla só piorava a imagem de ambos, dentro e fora da casa, e o capixaba estava na beira do precipício. Tudo começou a mudar quando a chiquitita deu adeus ao Zé Banana, e conseguimos enxergar o melhor lado de Arthur pela primeira vez.
Tiago Leifert sempre diz que, quando há tempo, quase todo participante consegue reverter parte da visão do público, e Picoli soube se reconstruir. Aqui fora, também conseguimos entender melhor suas atitudes a partir de seu passado: aos 14 anos, ele saiu de casa no Espírito Santo pela forma com que seu pai o tratava, e foi tentar a vida como jogador de futebol em Goiânia. Lá, chegou a passar fome por anos com o pouco dinheiro que recebia e até a morar na rua, onde teve que aprender a se defender de agressões e outros problemas, consequentemente contribuindo para a personalidade violenta, porém machucada, que ele deixou transparecer na edição.
O passado de Arthur não anula suas atitudes problemáticas no Big Brother, afinal, mesmo nossos piores traumas não podem ser utilizados como desculpa para que machuquemos outras pessoas. Porém, toda essa situação nos mostra como o reality é feito de pessoas reais, que não são inteiramente boas ou ruins, e sim complexas, com o direito de errar e acertar. Ao fim de seu confinamento, Picoli finalmente se acertou com Fiuk, se aproximou de Gil e fortificou sua aliança com POCAH, mas já era tarde, e o Brasil escolheu eliminá-lo.
É difícil entender como POCAH durou tanto tempo no BBB. Aqui fora, não tenho nada contra a cantora. Ouço suas músicas, acho ela belíssima, e não duvido de suas boas intenções. Dentro do jogo, Viviane foi uma das piores personagens de se assistir. Nas primeiras semanas, ela literalmente só dormiu, e quando acordava era para concordar com as estratégias do Gabinete do Ódio. Com a dissolução do grupão, a carioca passou semanas perdida, com alianças frouxas e só protagonizando momentos relevantes por associação a outros participantes (como a briga do basculho e a questão dos pentelhos).
Plantas, às vezes, duram mesmo, ainda mais sendo uma celebridade querida aqui fora, e, além do mais, POCAH teve sorte de se salvar em dois Bate e Volta. Só é difícil engolir que o Brasil escolheu eliminar João Luiz ao em vez dela, no 13º paredão. E foi assim que a cantora chegou ao top 5, arrastada, sem força, mas, pelo menos, menos odiada do que no começo da edição. Enquanto antagonizava com Juliette lá dentro por questões de jogo, a filha da cantora sofreu com o racismo de alguns indivíduos da torcida de Juliette aqui fora, escancarando que o assunto, infelizmente, ainda é uma discussão necessária e latente em nosso país.
Fiuk foi outro sócio do ‘G4 do mal’ que deu sorte. Começou o programa como um dos favoritos do público, mas logo sua máscara caiu, e o cover morto-vivo de Daniel Lenhardt virou alvo dos espectadores. Filipe nunca teve narrativa própria, sempre se escorando em quem o acolhia, desde Lumena e Karol Conká, até Sarah, Gilberto e Juliette. Os memes sobre seus batimentos zerados e sua condição de zumbi renderam muito nas redes, mas na edição, o filho de Roberto Carlos e Glória Pires pipocou nos Jogos da Discórdia, irritou o público e até Tiago Leifert, e fez cosplay de pobre em rede nacional para tentar vencer o prêmio. O top 3 é uma posição muito alta para Fiuk.
Lá vem ela! Camilla de Luca saiu do BBB, tá voltando pra comunidade… Aaaaaah! Ganhou só 40 mil, Camilla de Luca! Camilla de Lucas, querida desde antes de entrar no programa, sempre esteve no top 3 do público. Tínhamos dúvidas se ela teria fôlego para vencer, mas sabíamos que sua passagem pelo BBB não seria breve. Infelizmente, por uma indisposição com o jogo, a influencer não cresceu tanto como participante quanto esperávamos. Chamada de Camomilla em muitos momentos do game, a carioca de Nova Iguaçu deixou passar deixas, e acreditava que ouvir todos os lados não era ficar em cima do muro, e sim uma estratégia válida.
Sim, é importante analisar o panorama dos acontecimentos como um todo, mas há um perigo de pensar muito em um jogo em que se posicionar, de forma certa ou errada, é essencial. Camilla protagonizou seus momentos, como a briga com Karol Conká e a maravilhosa amizade com João. Infelizmente, de resto, a filha de Beyoncé acabou escorregando para o plano de fundo, tendo pouco destaque em comparação a outros personagens da edição. Mesmo assim, seu carisma e coerência, e auxílio da torcida de Juliette, a levaram ao segundo lugar.
Finalmente chegamos a eles. Os donos do Big Brother Brasil 21, presentes em quase todas as narrativas. Gilberto fez história: o pernambucano ex-mórmon e homossexual preencheu a vigésima primeira edição com seus bordões, sua alegria contagiante, sua sede de jogo e sua humanidade. Gil do Vigor encantou o Brasil, se libertou das amarras do preconceito, e pôde renascer, da forma que sempre mereceu, como a pessoa que sempre foi. Sua participação emblemática impediu que o BBB21 amargurasse na chatice e que o clima pesado dominasse a noite dos brasileiros.
O tchaki tchaki de Gil é muito mais que uma frase de efeito, é parte de sua liberdade de se expressar. Na internet, infelizmente fomos forçados a ler o desserviço de algumas pessoas, afirmando que o fato do pernambucano ter um jeito afeminado e expansivo, reforçava estereótipos atrelados aos gays. Aqui, é urgente deixar claro que Gil não reproduz um estereótipo, pelo contrário, o estereótipo nasceu de bichas e viados como ele. E a sociedade preconceituosa se apropriou desses trejeitos, da forma de falar e andar, e diminuiu essas pessoas, através de ofensas, de um humor problemático, e da imposição da heteronormatividade.
Gilberto é revolucionário. É um gay afeminado nordestino e negro que conquistou o Brasil, nunca deixando de lado suas pautas políticas, como quando indicou Rodolffo ao paredão pelo comentário homofóbico sobre o vestido de Fiuk. Gil falou sobre os problemas da igreja, sobre perseguição e preconceito, fez parte do primeiro beijo entre homens da história do programa, emocionou Pabllo Vittar, e inspirou e deu forças à milhões de pessoas LGBTQ+ para continuar lutando, por todos os Gilbertos mundo afora. Sua entrega ao jogo e suas controvérsias com Juliette infelizmente custaram sua vaga no top 3, mas talvez tenha sido melhor sair com destaque antes do que ser eclipsado na final.
Juliette, advogada, maquiadora, paraibana e mulher guerreira. Com mais de 28 milhões de seguidores conquistados no Instagram em menos de 4 meses de programa, muitos se perguntam: como foi que a participante encantou tanta gente? Em meio a muitas polêmicas, Ju foi de odiada repentinamente no breve início da edição por sua chatice, para amada incondicionalmente por metade do público do BBB. Ao ser perseguida e excluída pela casa, da mesma forma que Lucas, July se tornou alvo de proteção do Brasil, sendo um dos pilares do G4.
Assim como Gilberto, conforme o jogo se desenrolou, a opinião do público se dividiu. E igualmente, Juliette também teve suas falhas por ser humana ao reproduzir comentários preconceituosos. Só posso falar pela causa que tenho local de fala, mas sabemos que a paraibana defende pautas sociais e se corrigiu diversas vezes ao longo do jogo. Não podemos estabelecer uma falsa simetria ou um cancelamento cego, mas devemos sim discutir falas problemáticas e buscar a intenção de mudança.
O BBB21 ensinou uma lição sobre os efeitos da exclusão, de não se ouvir o outro, e de como o ódio pode consumir uma casa, uma pessoa ou um país. Juliette pode não ter sido a favorita de todos, mas ela estabeleceu um jogo coerente, conquistou uma torcida fiel, e caminhou com passos de campeã. Se alguém poderia roubar sua coroa, era apenas Gil, mas sua derrota no último paredão mostra que nem a força do Vigor seria suficiente. A vitória da advogada e maquiadora foi catártica, como experiência humana e de entretenimento, fechando um arco narrativo de uma casa de participantes que pouco acreditavam em sua possibilidade de levar a melhor.
A vigésima primeira edição foi o Big dos Bigs? Não. Talvez tenha sido o Médio dos Bigs. As primeiras semanas de mal-estar condenaram todo o resto, e mesmo quando os agentes do ódio já estavam fora da casa, suas sementes já tinham germinado em cada canto do reality de Boninho, e o público, envenenado, não era capaz de se conectar de verdade com os participantes que sobraram, exceto o G2. Para o caixa da Globo, os 550 milhões de reais em lucro e os recordes de audiência com certeza foram muito satisfatórios. Muitas das provas patrocinadas foram diabólicas, e os Bate e Voltas de três fases ainda assombram nossos sonhos.
Os efeitos do BBB21 serão completamente opostos ao da edição 20. Enquanto o grupo Camarote do ano passado se deu muito bem impulsionando a carreira, o que gerou nomes maiores ainda toparem fazer parte do vigésimo primeiro Big, a herança do cancelamento de Karol Conká e Projota é um possível retorno a participantes famosos nem tão famosos assim, que tenham menos a perder. Já Gilberto deixa um legado: não se pode jogar o BBB com medo, mas com amor pela competição e com o coração aberto para perdoar a si e aos outros, assumir erros ainda dentro da casa, e, se possível, ser perdoado.