Lucas Lima
Dona de um sorriso encantador e com um olhar lindo e marcante, Bárbara Paz sabe, como ninguém, como a vida pode ser amarga e doce ao mesmo tempo. Tendo perdido o pai com 6 anos de idade, a mãe com 17 e, meses depois, sofrido um acidente de carro que a deixou com uma cicatriz no rosto, a artista conseguiu atingir os seus objetivos e chegar ao sucesso. Estudou, trabalhou e, após muitos ‘nãos’, foi, de pouco em pouco, em um trabalho árduo, conseguindo seu espaço e destaque no meio artístico.
Modelo na adolescência, Bárbara ingressou na Televisão no programa Ô Coitado, no ano 2000. No ano seguinte, estrelou em As Filhas da Mãe, e participou do reality Casa dos Artistas, também em 2001, em que foi a grande vencedora. Ela já atuava no Teatro desde a década de 90, em que posteriormente entrou para grandes companhias como Tapa e Parlapatões, realizou vários espetáculos e foi contemplada com diversos prêmios. Ingressou no Cinema também na década de 2000, tendo destaques em curtas, como Manual Para Atropelar Cachorro (2006), e longas-metragens, como Seja O Que Deus Quiser! (2001).
A atriz, produtora e diretora completa seus 47 anos em 17 de outubro, mas quem ganha mesmo são os brasileiros por tê-la no audiovisual do país. Possui no mesmo olhar verde e tradicionalmente marcado por um lápis de olho, uma delicadeza para produções artísticas dignas de Oscar, tendo chegado quase lá. Seu modo especial de olhar o mundo lhe garante ótimos frutos em seu trabalho como diretora cinematográfica, como o resultado final de cenas que prendem o espectador em um mix de imagem, sonoridade e reflexão através dos diálogos das obras, devido a sua condução com maestria do roteiro, da fotografia e todas as áreas que se propõe a fazer.
Sua primeira atuação como diretora foi no curta-metragem Minha Obra, em 2006, onde contou sobre a vida de seu amigo e maquiador Walmir Sparapane. Ali, já demonstrava seu senso crítico e humanitário, por tratar de um tema delicado como algo simples e puro: um menino que pinta bonecas e toda a sua postura genuína diante daquele ato que o levaria a se tornar um maquiador de sucesso. Pauta que gira em torno do eixo da sexualidade, sendo muito delicada para Bárbara que, em 2021, se descobriu como pessoa não-binária. A forma como conduziu a narrativa junto com os jogos de cenas e fotografia, desde a evolução de Walmir criança até adulto, já mostrava o talento que Bárbara possui. Talento completo: desde atuação até a direção. É para poucos.
Bárbara Paz, então, se dedicou à atuação e, conforme os anos foram passando, participou de novelas, filmes, curtas, peças teatrais, foi indicada a prêmios e ganhou alguns. Em 2010, dirigida por Héctor Babenco, – seu ex-marido, falecido em 2016 – na peça Hell, obteve um êxito tão grande fazendo sua personagem, que leva o mesmo nome do espetáculo, imersa em sentimentos fúteis, consumistas, niilistas e de desprezo mas que se depara com o amor, que a rendeu o prêmio QUEM de Melhor Atriz, em 2011. Mas foi só em 2018 que voltou às direções, com o curta Conversa Com Ele, que contou com o doutor Drauzio Varella e Babenco.
Em 2019, chegou o seu grande êxito, Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou, documentário que narra os últimos dias do cineasta que lutava contra um câncer. A obra mostra todo o amor do diretor pela profissão, quando dizia, por exemplo, que “estar filmando era estar vivo’’, junto com todo seu conhecimento, maestria e expertise após anos de atuação na profissão. A relação dos dois vinha desde 2007, quando foram apresentados um para o outro, sem Bárbara saber da enfermidade de Héctor. Foram unidos pela paixão e pela Arte, e assim seguiram juntos.
O documentário é todo em preto e branco e mescla cenas de filmes do Babenco, como O Beijo da Mulher Aranha e Carandiru, retratando a trajetória de Héctor, a intimidade dele com Bárbara, sua luta para sobreviver, seu amor à profissão e sua grande bagagem de conhecimento na área. Tudo foi dirigido por Bárbara Paz, que se mostrou uma aluna exemplar de Babenco. Em algumas cenas, foram mostrados cortes do cineasta ensinando técnicas de filmagem à ela, retratando que, de fato, aprendeu com o mestre. O olhar de Bárbara, mais uma vez, se fez presente, ao realizar essa despedida a seu amado de maneira tão primorosa, demonstrando todo o seu talento no audiovisual. Foi um adeus de Bárbara para Babenco, transformando o luto em Arte.
O documentário Babenco, então, conquistou o Prêmio da Crítica Independente e o Troféu de Melhor Documentário da mostra Venice Classics no 76º Festival de Veneza. No tapete vermelho, Bárbara Paz mostrou seu senso de humanidade: vestindo um smoking e carregando consigo uma placa escrita “I am Amazônia” que, traduzindo, significa “Eu sou Amazônia’’, em protesto contra as queimadas e o desmatamento da floresta. Além disso, aproveitou para exaltar o audiovisual brasileiro e se posicionar contra a censura: “Este prêmio é muito importante para o meu país. Precisamos dizer não à censura: vida longa à liberdade de expressão!’’, disse Bárbara em seu discurso.
Mas essa não foi a única vez que ela realizou um protesto como esse, pois, em setembro de 2021, as redes sociais foram tomadas por fotos da cineasta usando um terno e uma máscara acoplada a uma caixa de plantas, em que demonstrou novamente sua humanidade ao exaltar a importância da Amazônia e a incompreensão da destruição das terras indígenas. Na ocasião, ela participou do Festival de Cinema de Veneza 2021, por seu curta Ato, em que atuou como produtora, ter sido selecionado para a 78ª edição do evento.
Em função do Festival de Veneza ser um dos principais do mundo e o mais antigo, Bárbara Paz soube aproveitar a visibilidade e obtê-la para o Brasil. Uma pequena atitude que, devido ao local estar com os olhos de todos os países voltados para ele, ganhou impacto e foi compartilhada ao redor do mundo. Em tempos em que o governo age com desdém para o país e seu povo, a cultura demonstra mais uma vez o seu papel na sociedade.
Artistas como Bárbara Paz carregam consigo o árduo trabalho de levar a imagem do Brasil para o mundo por meio do audiovisual mesmo com tanta dificuldade, seja nos cortes de verbas para com a cultura ou na própria imagem do país que se vê decaindo por má administração. Já nos seus 47 anos, o presente quem ganha é o público, pois ela afirmou, em entrevista ao C7NEMA, que seus próximos trabalhos serão de cunho social: “Um artista já é um ser político. Qualquer obra que vais fazer já é um ato político. Este ato que fiz é político. Por isso, tudo o que farei no futuro vai envolver isso e vai ser sempre uma resposta ao que está a acontecer na humanidade’’.
Bárbara não está sozinha e nem é a única a expressar seu senso de humanidade nos festivais, por diversas vezes artistas brasileiros fizeram protestos como, por exemplo, quando a equipe do filme franco-brasileiro Aquarius protestou contra o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, na 69ª edição do Festival de Cannes, abrindo um grande debate na mídia. Mais uma vez, demonstrando a força da cultura e seu papel extremamente importante na sociedade. Vida longa à Bárbara! Vida longa aos artistas!