O longa-metragem com direção de Halina Reijn (Morte Morte Morte) acompanha uma CEO de uma empresa, Romy, interpretada por Nicole Kidman, casada com o personagem de Antonio Banderas, Jacob. Os dois têm duas filhas e vivem o que parece ser uma família ideal, com boas condições financeiras sustentadas pelo cargo de grande importância que a protagonista carrega. Porém, sua vida vira de cabeça para baixo quando Samuel, interpretado por Harris Dickinson, aparece como estagiário em sua empresa.
O filme tem fortes inspirações em thriller eróticos dos da década de 1990, como Instinto Selvagem (1992) e Proposta Indecente (1993), ambos marcados por suas tramas de sedução, desejo e manipulação. Assim como essas obras, Babygirl explora a tensão psicológica entre os personagens, utilizando o jogo de poder e a dinâmica entre os gêneros como motor central da história, onde os personagens enfrentam as consequências de suas escolhas impulsivas e os limites da exploração de poder no contexto de suas relações íntimas e profissionais. Babygirl, assim, revisita esses elementos de forma moderna, mantendo a tensão e a exploração do desejo como temas centrais
A personagem principal parece ter tudo, uma carreira de sucesso, uma sólida reputação e uma família estável e amorosa. Mas por trás das aparências, Romy sofre com seus próprios desejos reprimidos, que parecem estar desafiando seus sentimentos em relação a seu marido. Para reparar isso, entra em cena Samuel, um estagiário com o perfil desafiador e subversivo. O primeiro contato dos dois se dá na rua, onde Romy se depara com um cachorro aparentemente agressivo, que corre em direção a ela, mas é contido por um assovio do jovem, que demonstra ter autoridade em adestramento – fato que revela um pouco do que veremos nas próximas horas.

As primeiras interações entre a CEO e o estagiário já evidenciam uma dinâmica notável, marcada pela audácia do jovem: ele se manifesta sem ser solicitado, oferece opiniões sem que sejam requisitadas e, de forma quase impositiva, força Romy a assumir o papel de sua mentora. Apesar de demonstrar, inicialmente, indignação diante de sua insolência, há algo em sua postura que sugere fascínio ou, no mínimo, uma curiosidade latente em relação a ele.
Durante todo o thriller erótico, percebemos que ambos demonstram uma falta. Assim, toda a narrativa gira em torno de desejo, poder e submissão, enquanto o erotismo é construído a partir dos impactos psicológicos e traumas do passado de cada um. A trama mergulha nas nuances dessas dinâmicas, abordando também as complexidades das relações marcadas por diferenças de idade no ambiente corporativo.
A contradição na dinâmica dos personagens é evidente e provoca uma tensão que permeia toda a narrativa. Romy, uma figura de poder e autoridade como CEO de uma empresa de renome, assume uma postura de controle e racionalidade em sua vida pública. Por outro lado, o jovem estagiário ocupa uma posição subalterna no ambiente corporativo, claramente em desvantagem hierárquica. Contudo, essa disparidade é radicalmente invertida no âmbito íntimo. Na cama, ele assume o controle, invertendo os papéis tradicionais e desafiando as expectativas. Essa troca revela um lado mais vulnerável de Romy e um comportamento surpreendentemente confiante do estagiário. A tensão entre suas identidades públicas e privadas reforça a ideia de que os papéis sociais e emocionais nem sempre se alinham, adicionando camadas de profundidade à trama.

Assim, o filme dá grande ênfase para a atriz Nicole Kidman, que assume uma personagem que não apenas sustenta a narrativa, mas que tem que manter uma imagem pública e ser completamente oposta no privado, e conciliar as duas, coisa que Kidman faz muito bem, não à toa que sua atuação ganha grande destaque em premiações, ganhando como Melhor Atriz no Festival de Cinema de Veneza, recebendo indicações ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz em Filme de Drama, entre outros.
A diretora não quer fazer um filme sobre punição, julgamento, ética e nem mesmo moralidade. Embora esses temas passem pela cabeça do espectador, a trama é apenas sobre poder e desejo, que nos envolve de maneira cativante e fazem o público assistir na borda da poltrona. A química entre os dois funciona muito bem e o personagem de Harris Dickinson, por ser um jovem complexo e diferente, resulta em uma atuação bem autêntica e sedutora que convence, te colocando na posição da personagem principal, sentindo até mesmo uma culpa sobre esse fascínio que criamos por Samuel.
Porém, a obra se leva muito mais a sério do que realmente é, pois não traz tanto o sentimento de perigo e provocação que se é esperado. Percebemos um desenvolvimento emocional dos personagens, com grande possessividade dentro da relação, contudo, isso não é bem desenvolvido na trama. As cenas são gráficas, o que não é um problema, mas por conta da dinâmica do casal, que se mostra em algumas vezes desumanizante – ele a trata como um animal a ser domesticado –, causa certo desconforto e constrangimento.

Ademais, Babygirl funciona no que se propõe. A produção da A24 apresenta uma dinâmica interessante – mas não tão original – de duas pessoas que encontram um no outro algo perturbador, que se compõe e expõe uma verdade no espectador, despertando sentimentos contraditórios e levando a reflexões sobre poder, desejo e os limites das relações humanas. A trama nos confronta com perguntas incômodas sobre até onde somos capazes de ir para preencher nossas lacunas emocionais e como as dinâmicas de controle e submissão podem refletir nossas próprias inseguranças e traumas. Apesar de suas falhas, o filme oferece uma experiência provocativa, que permanece com o público muito depois dos créditos finais.