Andreza Santos
Mais uma grande série da Netflix chega ao fim, e dessa vez a comédia Atypical se despede das telinhas com muita emoção e ternura. Desde 2017, acompanhamos a história de Sam Gardner (Keir Gilchrist, de United States of Tara), um garoto autista com uma família muito amável que cuida dele e o apoia a todo custo. Nas três primeiras temporadas, vimos a forma como Sam vê a vida, o seu amor por pinguins e a evolução de seu espectro através das sessões de terapia com a Dra. Julia (Amy Okuda, de How To Get Away With Murder), sua ouvinte fiel por quem ele sente um amor platônico no início da série.
Casey (Brigitte Lundy-Paine, de Margot vs. Lily), é a irmã caçula amorosa e pentelha, que divide o protagonismo naturalmente com Sam – crescente durante as quatro temporadas. Nas duas primeiras, vemos o desenvolvimento do relacionamento amigável, amoroso e sensível de Casey com Evan (Graham Rogers, de Quantico) após ela defender a irmã dele de uma valentona da escola. O senso de justiça dela é bem explorado durante todos os anos de Atypical, especialmente no início, quando ela descobre que sua mãe tem traído seu pai com outro homem.
A matriarca da família, Elsa, interpretada pela ótima Jennifer Jason Leigh (Twin Peaks), é a mãe super cuidadosa e afetuosa desses adolescentes, se entregando de corpo e alma a todo o núcleo familiar. Após ser afastada por Sam e ignorada pela filha Casey e o marido Doug (Michael Rapaport de Prison Break), Elsa fica sufocada e perdida em meio a tanta rejeição e acaba em um bar, onde engata um relacionamento extraconjugal com um bartender, mais tarde descoberto por Casey e por todos.
Durante os três anos seguintes, observamos o desenrolar da traição cair sobre a família Gardner como uma bomba. Elsa está sendo rejeitada por todos e passa a morar com a amiga Luisa (Nina Amei), mas nunca fica longe da família, mesmo com a recusa deles. Após alguns problemas de saúde de Doug, ele a deixa voltar a morar na casa. Ainda com o divórcio em pauta, Elsa se esforça para retomar o casamento, sem sucesso.
Em Atypical, quanto mais adentramos na vida de Sam, mais conhecemos Zahid (Nik Dodani) seu melhor amigo. Espontâneo, engraçado e com pensamento sempre voltado às mulheres, o alívio cômico do personagem muda bruscamente quando ele descobre um problema de saúde. Apesar do choque, ele tenta levar a situação da melhor maneira possível, trazendo nuances de seu lado mais emocional.
Voltando a falar sobre Sam, depois de tantas evoluções em seu espectro e com a chegada da faculdade de ilustração – onde seu maior talento é desenhar pinguins – ele tenta encontrar um propósito maior para si e é quando decide ir para a Antártida. Em Atypical, a representatividade do autismo está sempre em pauta, sendo muito bem abordada quando o protagonista se encontra em um grupo de faculdade pessoas iguais a ele, e a credibilidade se forma quando o elenco deste grupo de amigos também é formado de atores e atrizes autistas.
Sam namora com Paige – interpretada pela talentosíssima Jenna Boyd – desde o fim da primeira temporada, em um relacionamento que funciona bem, apesar das personalidades distintas. Entretanto, quando Sam decide ir para a Antártida, ela não o apoia completamente – diferente da família Gardner que concorda com a aventura –, deixando sua insegurança e egoísmo falarem mais alto, somente em uma tentativa de conseguir mais atenção de Sam, que mais tarde na temporada se declara em uma cena bem emblemática.
A personagem Abby – interpretada pela atriz autista Kimia Behpoornia – ganha espaço ao lado de Casey. Depois que ela vê as ilustrações de Abby por toda a cidade, elas se aproximam através de um desabafo de Casey sobre rótulos e a pressão de definir sua sexualidade. Esse desabafo acontece porque Casey se envolve com Izzie (Fivel Stewart, de T@gged), sua amiga de atletismo no fim da terceira temporada, sendo a primeira personagem LGBTQIA+ a aparecer na série.
Após Casey se assumir para a mãe – que a acolhe – ela se vê em um mundo novo onde ela explora mais seu lado queer junto de sua namorada, que não recebe o mesmo apoio em casa. A personagem de Lundy-Paine se envolve emocionalmente nos problemas de Izzie enquanto treina exaustivamente para conseguir uma bolsa em uma faculdade, e então, ela não aguenta a pressão e tem uma crise de ansiedade, que muda toda a sua motivação, levando-a a uma pausa reflexiva sobre o que ela realmente quer da vida.
Robia Rashid – criadora e roteirista de Atypical – traz grande sensibilidade em seu texto, com histórias emocionantes e criativas envolta do já ótimo enredo. E nesta leva final, não foi diferente, mas aqui a série demora para chegar aonde deseja, e traz uma abordagem rasa em alguns assuntos que se fossem pautados antes, poderiam ser mais bem explorados, como o Alzheimer de Lilian (Jenny O’Hara, de Transparent), a mãe de Elsa, com quem ela tem um relacionamento conturbado.
Atypical conta com grandes produtores executivos que já trabalharam em outras séries com a mesma temática sobre autismo, como Seth Gordon, responsável por The Good Doctor, e Michael Patrick Jann, também diretor nesta série. E esse ar familiar extremamente agradável faz parte da ótima montagem de Ryan Chase, também editora de vários episódios de Modern Family.
Um dos poucos erros desse último ano de Atypical foi deixar alguns personagens sem final definido. Evan, que teve mais espaço nas primeiras temporadas, aqui perde e se torna apenas o estagiário de Doug – quase que um figurante – como paramédico. Depois do fim do namoro com Casey, a narrativa do personagem é diminuída se tornando quase inexistente, quando seria ótimo vermos mais sobre ele.
Em clima de despedida, o episódio final, intitulado Dessert at Olive Garden é emocionante, englobando bem toda a trajetória, sensibilidade e importância da série. Atypical termina no momento certo, fechando quase todas as pontas, deixando um gostinho de quero mais, sensibilizando a todos, e sai de cena com a mesma sutileza que chegou, aquecendo os corações com aquele jeitinho atípico de ser.