Laura Hirata-Vale
A vida é feita de detalhes, de instantes. Eles podem ser repletos de felicidade ou de tristeza. Trazem consigo o luto e a dor, mas também são acompanhados do amor e da alegria. O nascimento de um bebê, a morte de um parente ou o fim de um casamento são tipos de momentos-chave na história de alguém. Os erros e acertos acompanham o ser humano durante seu tempo na Terra, desde o seu início até o seu fim. Em As Pequenas Coisas da Vida (2023), vemos como Clare Pierce (Kathryn Hahn) se comporta perante suas ações passadas e presentes, e como as pequenas coisas podem virar grandes conflitos, que mudam o rumo do futuro.
Lançada originalmente no Hulu, Tiny Beautiful Things chegou ao Brasil pelo Star+ em Abril. A série foi produzida pela Hello Sunshine – fundada pela atriz Reese Whiterspoon –, e baseada no livro Pequenas delicadezas: Conselhos sobre o amor e a vida, escrito por Cheryl Strayed, em que a autora faz uma coletânea de conselhos escritos em sua coluna online, chamada Dear Sugar. Na produção audiovisual, Clare assume a função de Sugar, misturando a ficção com os acontecimentos da vida de Strayed. Na linha tênue do que é real ou não, a série constrói seu teor dramático, mostrando de pouco a pouco o porquê da personagem principal ser do jeito que é.
Durante a narrativa, conhecemos o passado e o presente de Clare. Ao tentar montar o quebra-cabeça da história da protagonista, somos recebidos por flashbacks, que mostram brevemente os acontecimentos de sua juventude e como eles são refletidos na atualidade. Em diversas cenas, enquanto assistimos o monólogo interior-que-vira-conselhos da personagem, vemos uma troca de atrizes: Kathryn Hahn é substituída por Sarah Pidgeon, o que deixa claro que as ações presentes seriam facilmente feitas em tempos anteriores. Nesse vaivém, descobrimos os traumas e dores em relação à família de Pierce, e também os conflitos internos e externos, nos núcleos familiar e profissional.
As brigas principais são, com certeza, entre Clare e Danny (Quentin Plair) – seu esposo –, e entre ela e Rae (Tanzyn Crawford) – sua filha. Logo no episódio piloto, entendemos que o casal está separado e que a razão da separação foi algo que a protagonista fez. De cena em cena, assistimos uma sessão de terapia de casal; uma suspeita de traição; discussões e gritos entre a família; as pazes e as razões. Cheio de momentos dolorosos e de partir o coração, a relação intrafamiliar é bem explorada, e Tiny Beautiful Things consegue apresentar – de forma nua e crua – as interações entre mãe, pai e filha.
As Pequenas Coisas da Vida mostra, geniosamente, como é o impacto de traumas geracionais em uma família. Durante os oito episódios, Clare batalha com seus demônios internos, enquanto tenta alertar e proteger a filha dos perigos do mundo. Durante a construção da narrativa, descobrimos o que assombra cada personagem – como chances perdidas, uso de drogas e escolhas do caminho da vida. Entre informações passadas sem querer por mensagens de texto, ligações não atendidas e pacotes enviados pelo correio, cada detalhe ilumina o obscuro caminho da história e mostra como as decisões da protagonista a levaram para o instante presente.
Um dos pontos altos de As Pequenas Coisas da Vida é, sem dúvida, as atuações – sendo que duas delas foram indicadas nos Emmys 2023. Merritt Wever, que faz o papel da mãe da protagonista – Frankie Pierce –, concorre ao prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante em Minissérie ou Telefilme. O trabalho de Wever durante a série é intrínseco: durante as cenas, podemos ver as mudanças de emoção somente pelo olhar da atriz, com os olhos que transbordam sentimentos e inundam o coração com mais do que mil palavras podem descrever.
Kathryn Hahn, por sua vez, foi merecidamente indicada à categoria de Melhor Atriz Principal em Minissérie ou Telefilme. Ao longo da produção, vemos e sentimos toda a dor e a confusão nas feições, falas e ações de Clare, que atinge seu auge episódio atrás de episódio. Depois de WandaVision e Glass Onion: Um Mistério Knives Out, ver Hahn sair de papéis repletos de risadas e comédia, e ir para um tão dramático e doloroso chega a ser refrescante, além de mostrar como a atriz possui a capacidade de encarar diferentes gêneros.
Ao final, Clare Pierce faz as pazes consigo mesma e percebe que, mesmo quando tudo está dando errado, é preciso admitir erros e tentar continuar. Mesmo ao se sentir como a pior pessoa do mundo, a protagonista insiste em equívocos, mas tenta mudá-los. A escritora e sua carreira que não decolou leva outro rumo quando assume o cargo de Sugar: agora ela é reconhecida por leitores, mesmo que anonimamente. Cheia de fortes emoções, gritos e amor, As Pequenas Coisas da Vida é um retrato de conflitos, brigas e reconciliações familiares. A produção da Hello Sunshine é essencial para a história – é por causa dela que a história de Pierce consegue se firmar, afinal, a produtora de Witherspoon é referência em contar narrativas lideradas por mulheres.