Nicole Saraiva
Uma grande aposta da Globo, As Five acaba de finalizar a sua primeira temporada no Globoplay e com certeza se consagra como uma das melhores ideias que o autor Cao Hamburguer já teve. A série chega no streaming como um spin-off de Malhação: Viva a Diferença e se passa 5 anos após o fim da novelinha.
Agora se engana quem acha que a história de Keyla, Tina, Ellen, Benê e Lica continua com aquele toque infanto-juvenil, pois a produção chegou abordando muitos assuntos que são tabu até os dias de hoje. Com um lado mais maduro, vemos as personagens se descobrindo na vida adulta e se aventurando por desilusões amorosas, mercado de trabalho, explorando a sexualidade, sofrendo com a falta de perspectiva de vida e muito mais. Afinal, elas são gente como a gente e, às vezes, nem nós sabemos muito bem o que estamos fazendo.
Se você é fã antigo de Malhação ou nunca assistiu, não importa, porque para entender As Five não é essencial ter visto a temporada. Mas a série é melhor aproveitada por quem já conhece a história das protagonistas. Destaco o talento das atrizes, que conseguiram incorporar muito bem as personagens mesmo depois de anos, e é nítido que elas mudaram apenas a idade e a maturidade (bom, essa parte só de vez em quando).
A série é muito bem produzida, com boa fotografia principalmente em cenas noturnas, sequências mais quentes muito realistas, uma trilha sonora incrível regada de muita música brasileira e ela também chama a atenção para como a emissora tem se adaptado à nova era do streaming. Portanto destaca a relevância que o formato transmídia possui para as novas produções da Globoplay. Se apresentando como algo totalmente inovador, As Five cativou demais e cumpriu o que prometeu ao deixar o público louco no Twitter e na frente da telinha até de madrugada.
E todo o alvoroço é justificado. Para quem acompanhou a novela até 2018, o spin-off não é nenhuma novidade, pois já havia sido confirmado e começou a ser produzido no mesmo ano. Mas foi em 9 de abril de 2019 que a Rede Globo confirmou a realização de As Five, devido ao sucesso de audiência da temporada, já que a novelinha de Cao Hamburguer foi uma das mais assistidas da história de Malhação e teve repercussões positivas da crítica especializada.
A audiência fiel teve grande participação nas decisões com relação ao lançamento da série, chegando a opinar até sobre a hora que os episódios iam ao ar por meio de protestos e votações no Twitter. Mas a atenção da emissora para com os fãs foi recompensada, já que o público levou o nome da série para os trending topics a cada novo lançamento de episódio, então era uma diversão acompanhar os comentários de As Five subindo na timeline nas madrugadas de quinta-feira.
As Five entra em um novo cenário, 5 anos após o fim da novela e três após as meninas pararem de se falar. Apesar da narrativa geral circular em torno da amizade de Tina, Keyla, Ellen, Benê e Lica, o formato as explora em tramas individuais, dando atenção aos problemas de cada uma. Assim é possível se aprofundar na história de cada uma e entender melhor suas motivações e atitudes, também explorando detalhes desses anos de vida que não foram ao ar.
Tina (Ana Hikari), jovem descolada e sociável, é DJ das maiores baladas de São Paulo com o namorado Anderson (Juan Paiva). Ela passa pela dura tarefa de lidar com a perda da mãe sem ter tido tempo de resolver as pendências entre as duas, que não possuíam um bom relacionamento na novela. Como primeira reação, vai se jogar na noite e em todas as suas tentações.
Ela é uma mulher de atitudes, mas suas decisões ao longo da série são bem duvidosas e até meio imaturas. Tina está na busca de encontrar a si mesma, já que ao longo dos anos se vê muito dependente e apagada por trás de seu relacionamento de longa data. Essa busca interior gera uma grande identificação por parte dos espectadores, já que no início da vida adulta passamos por essa fase de insegurança com relação às escolhas sobre o nosso futuro.
A entrega de Ana Hikari para a personagem faz com que sintamos a dor, a indecisão, o alto astral e a vibe da personagem em todos os momentos, e mesmo que a gente não concorde, não conseguimos parar de torcer por ela e por seu sucesso. Mas no fim de tudo o que mais queremos é que a Tina faça uma boa terapia e ganhe um abraço apertado com aquela mensagenzinha de que no fim vai ficar tudo bem.
A Keyla, de Gabriela Medvedovski, agora cria seu filho Tonico (Matheus Dias), sozinha e está sempre no limite com tudo que precisa dar conta. A jovem foi obrigada a adiar seus sonhos para garantir a sobrevivência da criança, pois apesar de Malhação mostrar uma disputa para saber quem é mais pai dele, ela se prova o retrato da maioria das mães adolescentes: obrigada a crescer muito rápido e educar uma criança que o pai, Deco (Pablo Morais), não quis assumir. A partir do reencontro com as amigas vai tentar refazer seus desejos e investir na carreira de atriz de musicais.
Desde Malhação, Keyla é a personagem que acompanhamos mais atentamente, dá até uma nostalgia ver o quanto o Tonico cresceu, já que em Viva a Diferença ele era um bebê, e entendemos muito todos os sacrifícios que ela precisou fazer ao longo da vida. A luta para se manter em um emprego, a esperança para não desistir de seus sonhos e suas preocupações a torna a personagem que mais cresceu durante esse meio tempo, hoje fazendo coisas que nunca disse que faria, mas que são necessárias, pensando no bem estar do seu filho.
Apesar de uns deslizes aqui e ali, principalmente com relação a sua vida amorosa, o meu pano estava prontinho para ser passado já que isso trouxe boas risadas. As únicas ressalvas são a saudade de uma participação de Lúcio Mauro Filho como Roney Romano, pai de Keyla, e o fato de que algumas vezes seu filho ficou em segundo plano em sua trama. Já que Tonico acabou sendo mais trabalhado na presença das demais protagonistas, que ficavam de babá do menino, do que com a própria mãe.
Já Benê (Daphne Bozaski) segue sendo extremamente metódica, tentando manter a calma, mas não suportando quando as coisas saem de seu controle e fogem à rotina. Ela passou os últimos anos se dedicando ao estudo de música clássica e vive com Guto (Bruno Gadiol), seu namorado desde a escola, até que uma reviravolta os separa e ela encontra Nem (Thalles Cabral).
A trama de Benê é, definitivamente, a mais interessante de toda a temporada inicial de As Five. O começo da aventura dela responde às dúvidas que já passavam pela cabeça dos espectadores desde a novela. Mas, agora adulta, isso traz um despertar de aspectos da vida da personagem que no contexto de Malhação nunca teríamos contato, como a exploração de sua sexualidade.
Ela trouxe uma incrível adição ao time: Nem chega como um personagem cativante, imprevisível e divertido, e de quebra ele ainda carrega uma temática extremamente nessessaria na era da internet: o vício em pornografia. A dinâmica e a química entre os dois atores é fantástica, cômica e refrescante. Entretanto, é a falta de abertura para falar sobre outros aspectos da vida da Benê que prejudica, mas esperamos que isso seja corrigido na segunda temporada.
Lica (Manoela Aliperti) retorna explosiva, irônica e um tanto prepotente nesse novo capítulo, seguindo cheia de ideias e vontades, o que muitas vezes a faz parecer mimada. Após 5 anos, Lica já largou três faculdades, tentou vários projetos pessoais, mas não levou nenhum até o fim. Ela também está completamente perdida na vida amorosa desde que terminou seu relacionamento com Samantha (Giovanna Grigio).
Com ela, temos uma quebra de expectativa logo de início, mas não ache que isso é negativo! É interessante que, após um fim de conto de fadas (na novela), vemos que o futuro de alguém que possuía uma condição de vida tranquila e bem afortunada não seguiu como o esperado. E nada poderia ser mais a cara dela. Adulta, e ainda bancada pela mãe no primeiro episódio da temporada, As Five, quem deu esse nome mesmo?, ao contrário de Keyla que cresce fora das telas, Lica é a que mais se desenvolve dentro da série. Às vezes só é preciso de amigas, motivação e uma mudança de perspectiva para dar uma guinada na vida.
A sexualidade de Lica, que é bissexual, foi debate durante a novelinha e aqui ela se consolida de modo mais livre, podendo ser explorada e mostrando como é a juventude em meio a seus relacionamentos rápidos. E eu nem preciso falar da volta de Giovanna Grigio como Samantha né? Fan service muito bem vindo e muito bem servido, talvez a atriz que mais tenha conversado com o público sobre a série nas redes e uma das mais queridas, Grigio já tem o espacinho dela no meu coração!
E finalmente Heslaine Vieira volta ao papel de Ellen Rodrigues que, por ser tão focada na carreira, vive um pouco desligada do mundo das relações pessoais. Ela, que era excelente aluna no colégio e sua passagem pelo MIT, Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Boston, não foi diferente. Terminou a graduação e engatou num mestrado nos Estados Unidos. Está noiva do americano Omar (Bilaal Avaz), mas sua visita ao Brasil durante a série a deixa incerta sobre os rumos que havia planejado para sua vida, e a faz cair nas graças de Lito (Matheus Campos).
Ellen tem o futuro que todos os fãs sonhavam para ela e mereceu demais todas as suas conquistas. Apesar disso, a personagem não foi bem trabalhada na temporada, pois o roteiro de Vitor Brandt tomou rumos confusos para ela durante As Five, inclusive a apagando completamente em um dos episódios, Trabalhar Cansa. Mas Ellen passa a série em uma luta entre sua carreira e a sua vida pessoal, entrando em conflito, e às vezes em surto, com a realidade.
Os momentos onde ela respira e relaxa são um alívio, e nos rendem boas cenas. Agora o mais interessante é como Heslaine consegue reproduzir tanta química com seus interesses amorosos, É impossível torcer por Omar ou por Lito, eles contracenam de uma maneira tão boa e mereciam um pouco mais de aprofundamento. Não quero revelar spoilers aqui mas espero que a segunda temporada conte com a participação de ambos.
No fim das contas, As Five mantém a sua essência e qualidade com o mesmo tom polêmico que mostra o real, e é possível se enxergar na série em muitos momentos, por ser palpável e atual. Confesso que foi um susto assistir a abertura do episódio inicial, que foi ao ar censurado na TV aberta, e mostra as personagens fazendo o consumo de entorpecentes, com cenas picantes e mais explícitas. Se a intenção era chocar e mostrar que a série é bem mais madura que a novelinha, o objetivo foi concluído com sucesso!
As Five é super rápida de assistir, com 10 episódios de, em média, 20 minutos cada, então dá para maratonar a vontade. E vai uma menção honrosa aqui para as participações de alguns atores de personagens secundários de Malhação que retomaram seus papéis, como Vinícius Webster (MB), Daniela Galli (Marta Gutierrez), Roberta Santiago (Nena), Ju Colombo (Das Dores), Bruno Gadiol (Guto) e Tati Ang (Telma Yamada), pois eles realmente enriqueceram a produção.
Não basta só a série, aqui tem conteúdo extra!
Uma novidade do Globoplay durante a produção de As Five foi a grande interação com o público e com os atores. Como já citado acima, uma das novidades do streaming foi explorar As Five como série, documentário, live de talk show e até podcast! Antes do lançamento oficial, em 10 de setembro de 2020, foi anunciado o Making Five, um making-of composto por 4 episódios que conta a trajetória das personagens e atrizes principais. Cada um trouxe depoimentos das atrizes e das pessoas envolvidas nas produções, além de bastidores. A série documental foi criada e dirigida por Fabrício Mamberti, ao lado de Marcel Souto Maior.
E a novidade mais legal de todas: além do episódio semanal, toda segunda era possível assistir ao vivo no Globoplay o Talk Five, um talk show apresentado pela rapper, historiadora e escritora Preta Rara. Ele traz as protagonistas da série As Five em um bate-papo descontraído sobre os capítulos já lançados e temas atuais relacionados à geração Z. Para quem não acompanhou os lançamentos semanalmente é possível assistir esse conteúdo na íntegra, também na plataforma pela aba “destaques” de As Five. Além disso, ele se encontra disponível em formato de podcast pelo Gshow.
Ufah! Depois de tudo isso, se eu não te convenci a dar uma chance para essa série incrível, eu não sei o que vai. Mas pra quem se interessou a experiência é uma oportunidade de muita diversão, aprendizado sobre a sociedade e uma reflexão sobre o que estamos fazendo com a nossa vida. Os episódios de As Five podem até acabar rápido, mas a gente sabe que assim como foi em 2018, a jornada das 5 protagonistas não para por aqui.
Malhação: Viva a diferença, a temporada que renovou malhação
Malhação: Viva a Diferença é a vigésima quinta temporada da série de televisão brasileira Malhação, produzida pela Rede Globo e que foi exibida originalmente entre 8 de maio de 2017 a 5 de março de 2018, com 213 capítulos. Recentemente foi reprisada como edição especial, chamando a atenção de novos espectadores. O que não é surpresa, visto que foi uma edição famosa e polêmica da produção, e ainda lhe rendeu um Prêmio Emmy Kids de Melhor Série no ano de 2018.
Nela, o autor Cao Hamburguer apostou em um roteiro totalmente diferente do que vimos em toda história de Malhação. A começar pela ambientação, já que a novela acontece em São Paulo, explorando os bairros da Vila Mariana até a Brasilândia. A fórmula de casal protagonista e vilão, típicos em Malhação, também não teve vez. Na temporada conhecemos 5 mulheres protagonistas, cada uma com suas diferenças e histórias, representando o que mais temos no Brasil, a diversidade.
O interessante era acompanhar a trajetória do quinteto tanto junto quanto separado. A temporada foi ousada em explorar temas mais maduros, como gravidez na adolescência, diversidade sexual, assédio, desigualdade social, alcoolismo, relacionamentos familiares abusivos e, o que eu julgo ser o mais legal de todos, ter como protagonista uma personagem dentro do espectro autista, com Asperger, sem trabalhar ela de forma capacitista. Com Benê, de Daphne Bozaski, muitos preconceitos foram quebrados, já que a emissora não havia sido tão assertiva em outros personagens dentro do espectro.
Pode-se dizer que os temas apresentados por Cao Hamburguer abriram muitas portas para que Malhação mudasse seu pensamento para novas temporadas, expondo um leque de possibilidades e mostrando que histórias mais reais podem ser contadas para nossos jovens todos os dias às cinco da tarde. E isso foi provado em ambas as temporadas seguintes, Vidas Brasileiras e Toda Forma de Amar.