Arthur Caires
Ao contrário do que a era reputation (2017) proclamava, a “antiga Taylor” não estava morta, e ela ressurgiria mais forte do que nunca em Lover, de 2019. Deixando para trás a escuridão, as cobras e os dramas públicos, o sétimo álbum de estúdio de Taylor Swift abraça a luz do dia, borboletas coloridas e o amor em suas várias formas. É um retorno à forma da artista, que focou em lembrar ao público geral que a cantora de All Too Well ainda tinha as características que todos amavam: compositora, sonhadora e verdadeira consigo mesma.
Além de ser uma volta à sonoridade que já estávamos acostumados, o disco surge quando a voz de Shake It Off se sente à vontade para estar presente na mídia novamente, dando entrevistas, fazendo apresentações em programas de TV e divulgando seu trabalho ao mesmo tempo em que compartilhava sua vida pessoal. Após o período conturbado de reputation e as polêmicas envolvendo Kanye West e Kim Kardashian, foi revigorante vê-la poder esquecer que tudo aquilo aconteceu, como a mesma diz na primeira faixa do álbum: I Forgot That You Existed.
Quando Taylor Swift resolve lançar seu primeiro single, os deuses jogam uma moeda no ar e o mundo segura a respiração para ver de que lado cairá, indicando um hit que representa a extensão do disco ou uma faixa que nos faz questionar seu discernimento. No caso de Lover, o resultado foi a segunda opção. ME!, a escolhida para dar início à nova era, conta com a participação de Brendon Urie da banda Panic! At The Disco e é uma celebração brega da individualidade de cada pessoa e de como isso nos torna especiais.
A mensagem da música conversa de certa forma com o álbum, mas a produção inspirada em bandas marciais e a letra digna de um seriado da Disney definitivamente não foram uma boa introdução para um dos projetos mais maduros da cantora até então. ME! transmitiu ao público a ideia de que Lover seria superficial e genérico, ofuscando algumas das melhores composições do disco, como a nostálgica Cornelia Street. Apesar de tudo, cinco anos depois, é divertido entrar na onda do meme e poder cantar “You can’t spell awesome without me” (trocadilho que funciona apenas em inglês) consciente de sua futilidade, rendendo-se a melodia chiclete do refrão e admitindo que, sim, é divertido soletrar.
O que torna a escolha mais duvidosa ainda é o fato de que Cruel Summer estava ali o tempo todo e só a ‘loirinha’ não viu. A composição, que conta com créditos de St. Vincent, é o grande destaque do álbum e possui tudo que mais amamos em uma música de Taylor Swift: letras dramáticas, produção estrondosa e uma ponte para gritar a plenos pulmões. A faixa se tornou rapidamente uma das favoritas entre os fãs, que aguardam até hoje um videoclipe para a canção. Em 2023, como prêmio de consolação e justiça para os swifties – os fãs da cantora –, a gravadora Republic Records lançou o hit como o quinto single de Lover, após viralizar nas paradas musicais devido ao enorme sucesso impulsionado pela The Eras Tour.
Como a romântica faixa-título sugere, Lover é uma reflexão sobre a carreira e vida de Swift até aquele momento, vista através das lentes da paixão. Após tanto tempo procurando, a artista finalmente havia encontrado seu Romeu; ao menos, era o que ela achava). A ponte da canção, estruturada em forma de votos nupciais e produzida como uma deliciosa valsa, reconhece todos os passos que a compositora teve que dar para chegar ali. “Senhoras e senhores, vocês poderiam se levantar?/Com todas as cicatrizes de cordas de violão na minha mão/Eu aceito a força magnética desse homem para ser meu amor”, diz a letra.
No disco, a artista confronta a escuridão do seu passado e despeja suas maiores ansiedades em uma produção morna, mas que representa muito bem um ataque de pânico. Amizades instáveis, relacionamentos passados e a sensação de solidão definem o sentimento da quinta faixa, The Archer, que costuma ser a mais emocional dos discos da ‘loirinha’. No entanto, no encerramento do álbum, a compositora decide não se deixar definir pelas coisas negativas, e sim pelas coisas que ama. Ela percebe que quanto menos energia gastamos com as coisas que não gostamos, mais a nossa vida se torna leve e radiante.
Curiosamente, mesmo sendo um álbum romântico, em sua maioria, a ‘loirinha’ decidiu incluir no projeto algumas de suas composições mais políticas até então. Como é o caso do segundo single, You Need To Calm Down, a música sobre gays mais hétero já criada. Lançada em Julho de 2019, a faixa debocha de homofóbicos, celebra a diversidade e faz um node com a rivalidade feminina criada pela mídia. No videoclipe, a artista convida várias estrelas LGBTQIAPN+, como Hayley Kiyoko, o elenco de Queer Eye e drag queens vestidas das maiores divas pop. Ainda, temos Katy Perry em uma fantasia de hambúrguer e a petição Equality Act, que conta com mais de 800 mil assinaturas e tem o objetivo de proteger as minorias queer dos EUA.
Como figura pública, Taylor Swift nunca havia se envolvido ativamente em discussões políticas ou sociais. Em seu documentário Miss Americana, de 2020, a artista ilustra o medo que tinha de se expor dessa forma após ver o boicote sofrido por Dixie Chicks, quando elas expressaram seu descontentamento com a invasão americana no Iraque, em 2003. Infelizmente, o posicionamento da cantora se deu tarde, principalmente por ter se mantido em silêncio durante a eleição estadunidense de 2016. Por isso, mesmo que não tenha envelhecido tão bem liricamente, foi simbólico ouvir pela primeira vez The Man, especialmente levando em consideração o contexto da época.
Em 30 de Junho de 2019, Scooter Braun adquiriu a antiga gravadora de Taylor Swift, Big Machine Records, por 300 milhões de dólares, incluindo as masters dos seis primeiros discos da cantora. A tentativa de uma negociação para a compra de seus álbuns foi feita com Scott Borchetta, fundador do grupo, mas a oportunidade lhe foi negada. O acontecimento fez com que Lover se tornasse o primeiro projeto inteiramente pertencente à artista, após sua mudança para Republic Records. Como alternativa, ela embarcou em uma jornada de regravações, já tendo lançado quatro atualmente, faltando apenas o auto-intitulado e reputation para ter total controle sobre sua Arte.
Além do aspecto político, a razão de Lover ser o álbum mais maduro de Swift em comparação ao seus anteriores é a maior presença de nuances. Mesmo com a paixão como sentimento central, faixas como a chiquérrima False God mostram que nem tudo é perfeito e que para nutrir o amor é necessário lutar por ele. A compositora também explora visões diferentes ao escrever sob a perspectiva de uma personagem do filme Alguém Especial (2019), da Netflix, em Death By A Thousand Cuts. Ela também revisita o tópico da solidão na devastadora Soon You’ll Get Better, que aborda a luta de sua mãe, Andrea Swift, contra o câncer de mama.
O objetivo da produção foi claro: reconquistar o público após o EDM e R&B experimental de reputation, trazendo elementos de seus trabalhos anteriores. Ao lado de Jack Antonoff e Joel Little, que trabalhou com Lorde em Pure Heroine (2013), Taylor Swift se deu liberdade para ser brega – mais que o normal – e fazer um pop de qualidade. Alguns álbuns da cantora demandam uma energia do ouvinte, como o caso recente de The Tortured Poets Department (2024) ou os lançamentos da pandemia, folklore (2020) e evermore (2020), mas, assim como em 1989 (2014), apenas aperte o play e se divirta com Lover.