Guilherme Dias Siqueira
A julgar pelo desempenho de seus contemporâneos, a chegada de Andor (2023) era esperada com um certo receio, já que Star Wars não estava em seu melhor momento em termos de crítica. Desde os malabarismos de roteiro de A Ascensão Skywalker, não havia grande expectativa com a franquia. A série Obi-Wan Kenobi (2022), sua precedente imediata, também não sustentou boas opiniões. Porém, não se pode negar a existência de verdadeiras joias no Disney+, como O Mandaloriano e Star Wars: Visions, produtos que parecem ter experimentado mais carinho de seus diretores e roteiristas do que apenas um apetite comercial.
Em Andor, a história aborda as origens de Cassian Andor (Diego Luna), deuteragonista do filme Rogue One: Uma História Star Wars (2016), quando o conhecemos como um agente secreto da aliança rebelde. No longa, ele tem o objetivo de desvendar os segredos da terrível arma de destruição em massa do Império Galático, a Estrela da Morte. Cassian é uma pessoa marginalizada pela galáxia muito antes de se envolver em qualquer batalha: como um refugiado do planeta Kenari, ele leva uma vida problemática em Ferrix, um planeta industrial completamente dominado por uma gigantesca corporação, ao lado de sua tutora e mentora Maarva (Fiona Shaw).
Desde sempre, Star Wars pretendeu ser uma obra divertida e de certa forma não ambiciosa demais. George Lucas, criador da saga, já declarou que esse universo nunca abandonaria o público infantojuvenil. No entanto, também é verdade que a política foi fundamental para o desenvolvimento da franquia: em meados dos anos 1970, a Guerra Fria pairava sob Hollywood e, por mais que se tentasse escapar por meio de ficções científicas e filmes de fantasia e aventura, o campo gravitacional das tensões geopolíticas atraia para si qualquer produção. Cabia aos autores apenas a decisão de propagandear em prol da hegemonia americana ou expressar um ponto de vista crítico ao intervencionismo.
Logo em Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança (1977), o filme inicial da saga, Lucas já deixava claro que a ideia de um pequeno grupo de rebeldes derrotando um império de força militar descomunal ressoava os resultados da guerra do Vietnã. A franquia ainda foi mais longe durante as prequels dos anos 1990 que, por muitas vezes, serviram de alegoria para a derrota da democracia em países como a Alemanha dos anos 1930.
Andor é extremamente madura. Sua relação com conceitos políticos extravasa a mera metáfora e a transforma em reflexão filosófica. Nisso, a frase de Karis Nemik (Alex Lawther) – “O ritmo da repressão supera nossa capacidade de entendê-la” – faz jus ao modo de representar a opressão do regime imperial, como um sistema vivo que busca destruir a oposição para sobreviver e, ao mesmo tempo, se reproduzir em corações e mentes – “sistemas mudam ou morrem”. Além disso, os antagonistas da série não são um simples exército genérico. O ISB é a organização de inteligência e espionagem do Império, representada pela astuta Dedra Meero (Denise Gough), que não utiliza só força bruta como também estratégias traiçoeiras em um jogo de ‘gato e rato’ com os rebeldes.
A rebelião, por sua vez, é profundamente analisada pelos motivos que levaram os personagens a abandonar suas vidas comuns, que variam da filosofia política, ou os que lutam por um familiar ou um amigo. A humanização de todos os personagens é um ponto-chave na minissérie, com suas relações familiares e comunidades servindo de ponte para o desenvolvimento da trama.
As atuações de Andor são extremamente precisas, com Andy Serkis e Genevieve O’ Reilly se destacando em seus papéis. Ele é o prisioneiro relutante Kino Loy, um homem que a pressão e o trauma fizeram se tornar em um quase colaborador do Império. Já ela é Mon Mothma, a principal financiadora e líder da aliança rebelde, que precisa sacrificar muito de sua vida política e pessoal. A personagem é apresentada como uma senadora desde à República e que, agora, nos tempos sombrios, já cansada de ser ignorada ao protestar pelos meios oficiais, está disposta a muita coisa para se livrar da opressão.
Outras atuações fundamentais são as de Stellan Skarsgård, que interpreta Luthen Rael, um rebelde que leva uma vida dupla como um vendedor de antiguidades. O ator entrega para o público discursos fortes e grande ambiguidade moral à medida que muitas de suas ações abrem mão de valores éticos pelo bem da causa maior.
A direção de Andor busca um realismo extraordinário e, para isso, o foco da produção desvia dos grandes set pieces e foca em detalhes que não são muito explorados no Cinema. O que as pessoas desta galáxia comem? Como se relacionam com seu emprego? Sua família? Essas são perguntas que se respondem não só com o roteiro de Tony Gilroy e Stephen Schiff, mas também com a direção de nomes como Benjamin Caron, Toby Haynes e Susanna White, que preenche essas lacunas, usando o próprio cenário em que circulam os personagens. Frequentemente os vemos comendo, bebendo e trabalhando, pormenores que ajudam na imersão em um universo cheio de seres e conceitos alheios à nossa realidade.
Ainda neste aspecto, a equipe de direção de arte e a cinematografia de Damián García também se aproveitam muito da perspectiva, uma vez que até as menores naves espaciais são grandes ameaças quando se está ‘à pé’. Na série, os planetas e a própria galáxia se mostram incomensuráveis perto das pessoas que os habitam, algo demonstrado em um roteiro que – fora alguns mundos muito importantes para o contexto político como Coruscant – cria novos lugares, se distanciando dos fanservices de outras séries recentes.
Não por menos, a primeira temporada de Andor foi indicada ao prêmio de Melhor Série de Drama no Emmy 2023. A força dos concorrentes é enorme: entre eles estão a multi-indicada Succession, além das também gigantes da HBO, The Last of Us, A Casa do Dragão e The White Lotus assim como Better Call Saul, The Crown e Yellowjackets. Apesar do seriado não ser o favorito e talvez nem estar entre as mais plausíveis campeãs, ela conquistou esse lugar com um bom nível de qualidade e esmero que torna sua indicação muito mais que merecida.
A série garantiu ainda outras sete indicações, como as técnicas Música de Abertura, para o compositor Nicholas Britell, Melhor Edição de Som para o episódio O olho, e Efeitos Visuais em Temporada ou Filme. Benjamin Caron concorre na categoria Melhor Direção em Série de Drama pelo 12º e último episódio da temporada, Rix Road, que também levou Damián García a disputar Melhor Cinematografia e Nicholas Britell a ser indicado por Melhor Composição Musical. O roteiro do capítulo Só uma saída, de responsabilidade de Beau Willimon, concorre como Melhor Roteiro em Série de Drama.
As indicações de Andor, quando combinadas à Obi-Wan Kenobi e O Mandaloriano, somam mais de 20 menções para o universo Star Wars só este ano. Isto mostra que a franquia, mesmo veterana tanto no Cinema, quanto na TV e agora no streaming, ainda é capaz de produzir histórias interessantes que podem ir da clássica aventura ao drama. Não importa por quantos gêneros passe, dos mais diversos possíveis, a saga continua sem perder sua essência e seu espírito de desbravamento do novo.