Guilherme Veiga
Quando o mais novo álbum do alt-J, The Dream, estava prestes a ser lançado, muito se esperava que a banda britânica voltasse às suas raízes, mais especificamente as de uma década atrás. A razão disso é que seu registro de 2012, An Awesome Wave, vencedor do Mercury Prize, prêmio de Melhor Álbum Britânico daquele ano, é irretocável e até hoje é o cartão de visitas do grupo, que naquela época se tornou um expoente do indie britânico.
Sendo intitulada como o “novo Radiohead” no início, a banda, desde sua formação em 2008, pouco ligava para tais rótulos da indústria. O resultado foi um álbum de estreia que a princípio é dissonante entre si, mas que conversa de forma uníssona com a proposta de alt-J: fazer Música. Essa falta de uniformidade fez com que o disco levasse o ouvinte para navegar pelos diferentes tipos de mar e pela profundidade de seus intérpretes, que ora é mais calma, ora mais revolta.
O grupo se conheceu na Universidade de Leeds, e como moravam em lugares diferentes, um espaço para ensaios sempre foi um problema inicial, fazendo com que daí surgisse uma das principais assinaturas da banda, o minimalismo sonoro. E nesse registro de estreia isso é muito claro: uma bateria mais simplista, riffs de guitarra isolados e contínuos que dão espaço para o teclado e os sintetizadores fazerem as pontes entre os versos e até o uso de instrumentos mais lúdicos como o xilofone. Tudo isso, adicionado à voz pouco convencional de Joe Newman, que às vezes se arrisca nas capelas e nos arpejos, se prova uma ótima mistura, que fez com que a banda, que a princípio nem queria fazer tanto barulho, ecoasse no início da década passada.
E por mais simples que pareça, é a partir disso que o grupo mostra sua versatilidade ao passear por vertentes do indie como o electro indie, o pop folk e a psicodelia baseados nessa configuração nada ortodoxa, e ainda sim, imprimir seu DNA na obra. Momentos mais carregados e enérgicos, como Fitzpleasure e sua linha de baixo estridente de Gwil Sainsbury — que deixou a banda dois anos depois —, conseguem viver em consonância com passagens mais doces, como em Ms, ou melodias mais alegres, caso de Dissolve Me. E todas elas cabem muito bem no conjunto da obra, podendo até mesclar suas características vez ou outra.
As letras também são outro ponto alto do disco. Por mais que as composições superficialmente apresentem temáticas até simples, que não fogem muitos dos términos de relacionamentos e que vez ou outra abrem brechas para assuntos mais sérios, como suicídio, a escrita desenvolve camadas. E a forma como essas esferas são tratadas demonstram um certo surrealismo, que fonética e melodicamente funciona muito bem. Outro ponto das letras desembocam para o lado mais nerd da banda. Além de todo o simbolismo, o álbum é recheado de referências, começando com próprio nome do disco, que remete a uma passagem de Psicopata Americano. Já Breezeblocks faz homenagem a literatura de Onde Vivem os Monstros, enquanto Matilda é baseada na personagem do filme de Luc Besson, O Profissional (1994).
Aliás, essas duas músicas são a prova de como o som do grupo em seu debut envelheceu como vinho. A súplica enérgica de Breezeblocks faz dobradinha com Fitzpleasure e as duas volta e meia retornam como trilha sonora de alguma trend no TikTok. Já a poesia travestida de referência de uma obra noventista deu o ar da graça recentemente — também fazendo dobradinha com a envolvente e um pouco menos conhecida Bloodflood — na trilha internacional de Amor de Mãe. Mas até as que não figuraram no radar do mainstream, caso da triangular Tessellate e da singela e tocante faixa sobre a fotógrafa de guerra Gerda Taro, obtiveram sucesso no cruel teste do tempo e não se dataram.
Isso se dá por já naquela época a banda ser desprendida de qualquer tipo de rótulo imposto, o que fez o álbum se destacar na imensidão quase que homogênea do indie britânico dos anos 2010. Som mais limpo, sonoridade mais intimista, uma identidade que mora em um limbo entre o rock de garagem e o indie pop, músicas carregadas de significado. Tudo isso está presente no alt-J e ditou certo movimento nessa vertente, que foi seguido por nomes que vão de Bombay Bicycle Club à The xx, por exemplo.
An Awesome Wave é uma entropia de estilos, que incrivelmente se organizam em uma obra coesa em sua própria bagunça, sem precisar gastar tanta energia para isso. Aqui, a banda cria seu próprio oceano e navegar por ele, é uma experiência única a cada play. Como o próprio ex-baixista define, é “definitivamente um álbum e não uma coleção de músicas“, e por mais diferentes que as faixas possam soar entre si, esse exercício por parte da banda de transformar tudo em uma só obra pode ser notado. Definitivamente é o ápice do grupo.
Sendo o ponto alto de suas carreiras, é lógico e natural definir os trabalhos posteriores como o começo de uma queda, e isso é real. A forte pressão da indústria e o sucesso de An Awesome Wave trouxe para o grupo fez com que as obras seguintes fossem reféns da expectativa alcançada, e consequentemente não desempenhassem tão bem em público e crítica. Por isso, o aguardo para o último álbum voltar às origens, na esperança de um alt-J que não ficasse mais preso dentro de suas próprias formas geométricas; cujo seu único objetivo, assim como no primeiro registro, seja apenas fazer Música e não ser parte dela.