Carlos Staff
Ahsoka Tano é uma personagem criada por George Lucas e Dave Filoni em 2008 para ser a Padawan do cavaleiro Jedi Anakin Skywalker, no primeiro e único filme animado de Star Wars até hoje. Em seguida, ela também se tornou protagonista do ótimo Star Wars: The Clone Wars, ganhando o carinho dos fãs e se tornando uma das figuras mais populares desse universo ao longo das sete temporadas da série animada.
Ahsoka e Filoni têm muito em comum. O atual diretor-executivo criativo da Lucasfilm foi convocado diretamente por Lucas para, primeiramente, comandar o departamento de animações da empresa. Foi nesse posto e nas suas diversas conversas com o produtor que ele foi evoluindo como roteirista e diretor, se estabelecendo como a principal mente criativa da franquia atualmente. Então, quem melhor do que Dave Filoni para comandar a série live-action de Ahsoka e nos contar uma história sobre mestres e aprendizes?
A produção se passa depois dos eventos finais de Star Wars: Rebels (outra ótima animação dirigida por Filoni), na qual Ahsoka, interpretada por Rosario Dawson, está em busca de conter apoiadores remanescentes do antigo Império Galáctico e daquele que é considerado o herdeiro dele, o desaparecido Grão Almirante Thrawn (Lars Mikkelsen), para impedir o início de uma nova guerra. Para essa missão, ela conta com a ajuda da mandaloriana Sabine Wren (Natasha Liu Bordizzo) e da general da Nova República Hera Syndulla (Mary Elizabeth Winstead), que além de Thrawn, procuram também o Jedi desaparecido Ezra Bridger (Eman Esfandi).
Ahsoka, nesse momento de sua vida, mais velha e madura, é mostrada como alguém solitária e muito relutante em contar com ajuda em suas missões. É mencionado que ela tentou fazer de Sabine sua Padawan por um momento, mas acabou não funcionando muito bem por todas a guerras e traumas que ela passou, incluindo o sentimento de culpa por ter ‘abandonado’ seu mestre Anakin Skywalker, que logo depois viraria Darth Vader. Dawson traz isso muito bem na sua atuação. Ahsoka, nos primeiros episódios, continua tendo os jeitos e características que conhecemos de suas versões mais jovens nas animações, mas que, ao mesmo tempo, parece ainda impactada por tudo aquilo que vivenciou.
Desse ponto de partida, o roteiro da série desenvolve a personagem principal ao longo dos episódios, com destaque para o quinto, Guerreiro das Sombras, que pode ser considerado o ápice da série. Logo após falhar em pegar o mapa que levava até Ezra e Thrawn e ter sido derrotada por Baylan Skoll, Ahsoka cai no mar e desaparece. No entanto, vemos que ela reaparece em outro lugar completamente diferente. A protagonista estava no Mundo Entre Mundos, um lugar com forte conexão com a força, onde é possível ver todos os eventos passados, mas que não podem ser alterados. Lá, ela encontra o seu antigo mestre Anakin, interpretado novamente por Hayden Christensen, encarando o seu passado e recebendo uma última lição.
O conceito do Mundo Entre Mundos poderia ser melhor explicado e detalhado na série, mas isso não tira os méritos da sua boa execução. O encontro entre Ahsoka e Anakin não é apenas um mero ‘fan service’ para agradar e mexer com as emoções do público. Ele é importante para o desenvolvimento do seriado, sendo um momento de grande mudança para a togruta na sua jornada. E isso é um dos pontos positivos da produção, que não opta por um caminho que talvez fosse mais seguro se apenas colocasse elementos e personagens já estabelecidos em outras obras confiando na sua popularidade somente, mas faz com que eles sejam cruciais ao longo da história e evoluam os arcos contados.
Sabine Wren também é uma das grandes peças da trama. Uma das protagonistas de Rebels, ela se encarrega de procurar o seu amigo Ezra Bridger como prometido, custe o que custar. A novidade agora é que ela também começou a treinar o uso da força, além de continuar praticando para duelos de sabres. Tornar Wren uma Jedi talvez tenha sido uma das principais apostas de Dave Filoni no roteiro e que acabou dando certo, podendo ser uma história a ser melhor explorada em outros momentos. Vale lembrar que durante a saga até então só existia apenas um registro de um Jedi mandaloriano em toda a história da galáxia.
A escolha dela ser a Padawan de Ahsoka se justifica ainda mais, principalmente se lembrarmos de como foi o seu rápido treinamento com Kanan Jarrus, onde vemos o seu passado e dilemas internos sendo explorados. Ambas têm características muito parecidas – com Wren lembrando Tano nos seus primeiros anos de treinamento –, o que gera muitos embates, mas no fim elas acabam aprendendo juntas e por isso funcionam tão bem como uma dupla. A trajetória da artista é muito importante para as escolhas que ela toma ao longo dos episódios e é muito interessante ver como a construção dela caminha para o seu amadurecimento no fim da temporada. E a atuação da Natasha Liu Bordizzo é excelente: ela e Rosario Dawson possuem uma ótima química nos momentos em que contracenam juntas, tornando Sabine uma das melhores personagens da série.
No meio do confronto entre República e Império, existem dois novos personagens introduzidos e que possuem um excelente desenvolvimento ao longo dos episódios. Baylan Skoll (Ray Stevenson) é um ex-Jedi totalmente desacreditado com a Ordem e alguns de seus conceitos após o fim das Guerras Clônicas, que acaba virando um mercenário. Ao seu lado está a sua aprendiz, Shin Hati (Ivanna Sakhno). Ambos foram contratados por Morgan Elsbeth (Diana Lee Inosanto) para buscarem o mapa que os leva até o planeta onde está Thrawn e impedir qualquer ameaça aos seus planos, mas Baylan procura algo além que o está chamando.
Baylan Skoll brilha em praticamente todas as cenas em que aparece. Ele se sente alguém distante da eterna disputa entre Jedis e Siths e, como testemunha, quer acabar com esse ciclo de alternância. Mesmo quando questionado por sua aprendiz Shin sobre como era a Ordem e se ele sentia saudades ou sobre como a aliança deles com Thrawn pode ser benéfico para chegarem ao poder, Baylan sempre tenta manter uma posição sóbria em relação aos seus pensamentos, embora os sentimentos balancem por dentro.
É uma pena que ele e Shin Hati tenham perdido espaço da metade da temporada até o final com a chegada de Thrawn – que é um excelente vilão –, assumindo o papel de antagonista. A série deu pistas do que pode vir a seguir em uma continuação, mas é triste também que não veremos mais o falecido ator Ray Stevenson dando continuidade ao seu excelente trabalho. Ele conseguiu trazer uma identidade única para Skoll, sendo capaz até de segurar o papel de opositor a Tano sozinho se fosse o caso, e poderia ter sido mais aproveitado pelo roteiro.
Se Andor foca na política da galáxia e The Mandalorian se sustenta na aventura, Ahsoka encontra sua assinatura ao explorar o lado fantástico e mitológico desse universo. Desde os tradicionais duelos de sabres de luz muito bem enquadrados e coreografados, passando pelo uso da força para se comunicar com baleias espaciais até as Grandes Mães usando de seu poder para controlar Stormtroopers zumbis, é possível ter uma noção do quão acertada é a identidade proposta para a série. Os diretores conseguiram executar essa temática de maneira certeira dentro das ideias previstas no roteiro de Dave Filoni, que tem em si uma grande essência daquilo que Star Wars tem de melhor.
Mas é bem verdade também que algumas dessas ideias poderiam ter sido diferentes, como a reta final da temporada, que tenta amarrar a história de uma maneira muito acelerada e com um ritmo diferente do que vinha sendo até então. É entendível também que essa é uma jogada para que assuntos ainda não resolvidos possam ser explorados ainda mais no futuro, o que gera grandes expectativas a partir de agora. Ahsoka pode não ser excelente como Andor, mas certamente é a melhor série desse universo depois da anterior e se posiciona entre as grandes histórias contadas na saga.