Vitor Evangelista
Nascido como um exercício de autorreflexão e uma carga exorbitante de sentimentos, o filme Ahed’s Knee chama atenção por uma série de fatores. Primeiro, vem da mente de Nadav Lapid, cineasta que viu seu longa anterior, Synonymes, vencer dois importantes prêmios de Berlim. Segundo, pois o indeciso Júri de Cannes 2021 o condecorou em um empate com Memoria. Terceiro, pois sua chegada no Brasil pela 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo carimba o passaporte já lotado de festivais por onde viajou.
Na trama, o cineasta Y (papel do chatonildo Avshalom Pollak) viaja até uma cidadezinha para a exibição de seu mais recente projeto (premiado em Berlim, haha), e precisa lidar com a repressão e a censura do governo ao mesmo tempo em que batalha o luto pela morte da mãe. Chegando ao local, Y conhece Yahalom, vivida por Nur Fibak, uma representante do Ministério da Cultura profundamente interessada no trabalho e na Arte do homem.
Ahed’s Knee, na verdade, se cerca de metalinguagem ao passo que o cineasta fictício Y está escalando o elenco do seu próximo longa, O Joelho de Ahed. Ahed Tamimi é uma cidadã palestina que bateu na cara de um soldado israelense e foi presa por isso. Seu joelho, objeto de estudo dos minutos iniciais do longa, é a região onde um homem apontou em um tweet que ela deveria levar um tiro, a fim da garota não conseguir andar nunca mais.
Nadav Lapid usa desse acontecimento real de sua terra natal para construir um longa-metragem de revolta. Enlutado pela morte da própria mãe, que era montadora de todos seus projetos, o diretor canaliza todo o escárnio e a dor em seu protagonista, um homem fechado, debochado, cabeça quente e de saco cheio. Quando mija em círculo no deserto, ou mesmo quando se deita no sofá todo molhado da água da pia, Y revela que a imprudência virou traço de personalidade.
Entretanto, na progressão das quase duas horas de rodagem, o roteiro de Lapid vai gastando seus momentos elétricos em sequência mais lúdicas, renegando os extensos monólogos à exaustão da monotonia. Por que diabos estaríamos mais interessados em longos planos comuns de Y vociferando suas indignações, se no mesmo filme somos banhados em cenas inteiras onde soldados dançam se batendo e mulheres armadas posam sensualmente com armas, o símbolo mais másculo de todos? A conta não fecha.
Pedindo no cardápio muito mais do que tem capacidade de digerir, Ahed’s Knee é um potente manifesto em favor da liberdade, seja ela a de expressão ou a individual. Nadav Lapid sente dor, sente medo, sente angústia e sente raiva, e fazer um filme que equipare uma joelho estourado à ausência materna não é o suficiente. Ele quer mais, ele quer o exército em chamas, o deserto inundado e as feridas curadas. É uma pena que ele não consiga se decidir.