Há 5 anos, Adoráveis Mulheres definia o que é irmandade

Cena do filme Adoráveis Mulheres. Na imagem, há quatro mulheres abraçadas. Elas estão na sala de casa, que possui decorações de natal. Da esquerda para direita, há uma mulher branca de cabelos castanhos escuros com uma blusa bege, uma mulher branca de cabelos ruivos e curtos com uma blusa azul, uma mulher branca usando uma blusa cinza com listra amarela e de cabelos ruivos com franja e uma mulher ruiva de cabelos longos utilizando uma blusa com estampa azul e laranja.
Relação entre irmãs é introdução, desenvolvimento e referência no universo repaginado por Greta Gerwig (Foto: Sony Pictures)

Guilherme Machado Leal

Em 2019, Greta Gerwig lançou a sua versão do clássico Mulherzinhas. A obra, baseada no romance escrito por Louisa May Alcott, é uma das inúmeras adaptações da história que acompanha as irmãs March durante a Guerra de Secessão nos Estados Unidos. Por ser uma trama que já foi retratada nos cinemas  e na Televisão, a diretora tinha um caminho árduo a percorrer: ampliar a discussão acerca dos temas discutidos pela autora. No mundo das Adoráveis Mulheres, a generosidade é quem dita a ação das personagens.

Jo (Saoirse Ronan), Meg (Emma Watson), Beth (Eliza Scanlen) e Amy (Florence Pugh) são as apaixonantes protagonistas de seus respectivos amadurecimentos. Com a força da mãe-natureza, mais conhecida como Marmee March (Laura Dern), a forma de ver o mundo das honestas e delicadas garotas é o guia narrativo para aqueles que se perguntam sobre a efemeridade da juventude. “Não acredito que a infância acabou é uma das frases proferidas por uma delas. O motivo do impacto da sentença? O sentimento de irmandade estabelecido pelo quarteto. 

A Arte tem o poder de transmitir em tela o que acontece na realidade. Mais do que isso, às vezes, ela mostra, seja com diálogos expositivos ou em cenas de pura contemplação, aquilo que não há como dar nome. O sentir, aqui, é universal. Por que o cotidiano de quatro jovens em meio ao caos que os norte-americanos viviam é tão relacionável? Quando mexe com amor, não tem como não se identificar. É uma sensação inexplicável, ainda mais quando há o envolvimento de um dos bens mais preciosos que um ser humano pode ter: a família. 

Cena do filme Adoráveis Mulheres. Na imagem, há quatro mulheres brancas em uma praia. Da esquerda para a direita, há uma mulher branca de cabelos castanhos escuros utilizando um vestido verde e segurando uma toalha de mesa, há uma mulher branca de cabelos loiros usando um vestido rosa e com uma cesta, há uma mulher branca de cabelos ruivos segurando uma cesta e utilizando um vestido azul com uma blusa bege por cima e uma mulher branca de cabelos ruivos com vestido rosa com uma cesta.
Longa-metragem foi indicado a seis categorias no Oscar 2020, incluindo Melhor Atriz para Saoirse Ronan e Melhor Atriz Coadjuvante para Florence Pugh (Foto: Sony Pictures)

Embora em Little Women (título original), o núcleo familiar apresentado seja tradicional, composto por um pai, uma mãe e seus filhos, tanto os mais afortunados emocionalmente quanto aqueles que encontram nos amigos o sentimento de ser amado podem achar refúgio na obra. Jo, a escritora entre as March, é quem comanda essa história. Pela ida do patriarca, interpretado por Bob Odenkirk, ao conflito que assola os Estados Unidos, ela assume a responsabilidade de cuidar daquele lar com Marmee. 

O envolvimento da jovem com a escrita é o que dá gás à trama centrada no século XIX. Através do traquejo dela com seus textos, que são realizados nos momentos de descanso, a difícil trajetória das irmãs ganha um tom dócil e mais ameno. Não é que a personagem romantize a pobreza em sua casa, ela apenas vê além disso e decide documentar, por meio de suas escrituras, a rotina vivida. No contexto em que viviam, mulheres deveriam respeitar seus maridos e só poderiam ascender socialmente se optassem pelo matrimônio. Entretanto, na sua história, as Mulherzinhas são o que elas quiserem ser.

Do mesmo modo que Alteridade significa a capacidade de se colocar no lugar do outro, embora não tenha vivência em determinada ocasião, o que torna Adoráveis Mulheres atemporal são as discussões em torno de suas ambições pessoais. Casar e ter filhos, se tornar uma artista renomada, escrever sobre os seus ou apenas cuidar de seu lar são os diferentes sonhos que cercam a vida do quarteto. Assim, a forma com que cada uma delas enxerga o mundo é o que as coloca de igual para igual. “Só porque meus sonhos são diferentes dos seus, não significa que eles não são importantes”, diz Meg em um certo ponto do longa-metragem.

Cena do filme Adoráveis Mulheres. Na imagem, há um homem branco sentado e vestindo uma camisa branca de manga longa com uma espécie de macacão cinza por cima. Ele está sentado, à espera para ser retratado em uma pintura. Ao seu lado esquerdo, há uma estátua de mármore com uma planta em cima.
Embora tenha interpretado o personagem com competência, Timothée Chalamet não foi reconhecido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas como Melhor Ator Coadjuvante na 92ª edição (Foto: Sony Pictures)

Em todas as versões do clássico, há sempre ânimo ao descobrir quem viverá o atraente e charmoso Laurie. Na adaptação de Gerwig, Timothée Chalamet dá vida ao personagem. Sobrinho de Mr. Laurence (Chris Cooper) e vizinho da família March, o jovem, assim como o público, se encanta com o lar feminino. Amigo de Jo, a quem é apelidado carinhosamente como Teddy, ele tem tudo o que elas não possuem: poder aquisitivo. No entanto, o conforto familiar trazido pelas colegas não tem preço e, por isso, estar ao lado delas auxilia em seu desenvolvimento pessoal.

Eu quero ser ótima, ou nada”, frase dita por Amy, expressa um dos maiores medos da juventude: o de ‘não dar certo na vida’. Pressão social, o imediatismo e a espetacularização dos atos que marcam a jornada não são temas abordados apenas na atualidade. Na obra, o receio de ‘não se tornar ninguém’ faz parte do dia a dia daquelas garotas; “Ninguém se esquecerá de Jo March”, diz a própria. Juntas ou não, sendo colegas de quarto ou morando em continentes diferentes, a irmandade é o caminho. 

Em Adoráveis Mulheres, a ambição e a generosidade andam lado a lado. Não tem nada errado em ser gentil e, ao mesmo tempo, desejar ter mais. Os personagens desse universo são colocados à prova a todo momento. Se irão escolher o caminho doloroso ou a trajetória maquiada, isto fica a cargo de seu próprio senso crítico. Na verdade, para as Mulherzinhas, o necessário é viver o tempo – curto –  à maneira como ele deve ser sentido: com aqueles que moldam nosso caráter. Em certo devaneio, uma jovem perguntou se ela seria alguém. Bem, por aqui, ninguém a esqueceu.

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