Leticia Stradiotto
O Começo do Fim do Mundo, em 1982, foi o principal marco do punk rock brasileiro. O festival em São Paulo contou com a participação das primeiras bandas nacionais com foco na contracultura e foi dividido em dois dias, onde grupos como Ratos De Porão e Cólera eram atrações. Porém, logo no segundo dia, a Polícia Militar invadiu o local para queimar documentos relacionados à ditadura. Dessa forma, no fim dos anos 90, com a continuação da tendência punk em 2001 – quase 20 anos depois do evento – o grupo Charlie Brown Jr. lança o seu quarto disco e demonstra que agora, no som nacional, a única coisa a ser queimada é a censura.
O álbum 100% Charlie Brown Jr – Abalando A Sua Fábrica teve importância não só na evolução do conjunto musical, mas também na releitura do punk rock ao modo brasileiro de ser. Com a saída do guitarrista Thiago Castanho, é o primeiro projeto sem a formação original da banda e gravado com todos os instrumentos ao mesmo tempo, no estilo garage rock. Se você acha que o termo “100% Charlie Brown Jr” é uma ironia à separação e possivelmente uma saída do convencional em grupo, você está certo. Afinal, é fato que o vocalista Chorão (Alexandre Magno) era dono de um caráter forte – um tanto quanto rebelde – e queria marcar presença de uma forma específica: Abalando A Sua Fábrica, independente de qual fosse.
Completando 20 anos do lançamento, a personalidade de Charlie Brown Jr. começa a ganhar forma. Com muito hardcore, guitarras e baterias pesadas, o álbum é responsável por construir uma das mais destacadas sonoridades da banda. Com o baixo magnífico de Champignon, Eu Protesto é a contextualização política, e ainda atual, retratando a corrupção e a despreocupação do governo com o povo. CBJr é muito mais que um trabalho musical, também é entretenimento. A obra Hoje Eu Acordei Feliz demonstra isso.
Com o clipe referenciando o filme Snatch: Porcos e Diamantes, a galera pirava nas reproduções pelo canal da MTV na época. São talentos que marcam pela originalidade e, consequentemente, registram a nostalgia para diversas gerações, inclusive aquelas que acordam com a sutil vontade de matar o presidente. Em sequência, Sino Dourado foi inspirada no sucesso Ring My Bell de Anita Ward, assim fica fácil entender do que a letra da música se trata. Longe de uma pegada melancólica, a faixa traz elementos do rock em sua forma mais popular: sexo, drogas e rock’n’roll.
Liberdade, oposição ao consumismo, antiautoritarismo, muita rebeldia e, claro, uma guitarra espetacular. Isso é punk, ou melhor, isso é Quebra-Mar. A batida dessa faixa lembra a melodia-tema de Tubarão em uma pegada mais pesada sob o comando do guitarrista Marcão e é seguida pela harmônica Lugar ao Sol, dedicada ao pai de Chorão, falecido há pouco tempo. Diferentemente das demais músicas apresentadas, esse som retrata a espiritualidade e transforma-se em um acalento ao coração acerca dos encontros e desencontros da vida.
As músicas Descubra O Que Há De Errado Com Você e Só Lazer retornam com o barulho do hardcore rápido e agressivo no álbum. Você Vai De Limusine, Eu Vou De Trem tem o jeito Chorão de ser, com a vibe do moleque pé-rapado que vive um amor com a patricinha do bairro. E logo em seguida, O Lado Certo da Vida Errada, que, como um bom som do Charlie Brown Jr., mistura a melodia do rock com letras sobre a paixão pura e incessante. No caso do vocalista Alê, retratava sempre em suas músicas a paixão inesgotável pela sua namorada e futura esposa, Grazon.
Com um vocal e instrumental extremamente sujos, T.F.D.P. lembra a essência punk presente, muitas vezes, no grunge e não deixa de fora a utilização de palavrões como forma de revolta e protesto à questão social. A obra chega ao fim com duas faixas fenomenais que, com certeza, são marcos da banda e ultrapassam gerações. Tudo Pro Alto motiva e alcança a possibilidade de segundas chances, com todos os problemas envolvendo drogas, paixões e brigas internas no grupo. Chorão reconforta e nos proporciona o entendimento de que as coisas são Como Tudo Deve Ser.
Duas décadas depois, o disco 100% Charlie Brown Jr – Abalando A Sua Fábrica faz jus ao nome e traz a individualidade presente na banda para o público externo. Ao mesmo tempo, retoma movimentos musicais impedidos no passado brasileiro e constrói um legado cheio de influências à liberdade para as próximas gerações. Não é à toa que a espiritualidade da banda – mesmo após seu término – continua sendo destaque nos sons nacionais. Pois afinal, o vocalista falava sobre a necessidade de viver nossos sonhos, temos tão pouco tempo, enquanto na verdade, o seu trabalho feito com tanta garra e paixão, fez com que o tempo fosse quase irrelevante ao sucesso – e sonhos – da querida origem do grupo Charlie Brown Jr..