Ana Laura Ferreira
Ser uma amante de musicais é um caminho perigoso que proporciona altos estratosféricos e quedas dolorosas. Não é todo dia que temos a oportunidade de aproveitar um Mamma Mia (2008) e por vezes nos deparamos com alguns Cats (2019) pela frente. E por mais que A Festa de Formatura (The Prom) tivesse absolutamente tudo para entregar uma história recheada de carisma, atos de dança deslumbrantes e atuações dignas de Oscar, o filme se torna apenas mais um entre as inúmeras produções de Ryan Murphy. Nem a pior, nem a melhor, apenas a mais esquecível.
O longa foi inspirado em uma peça de teatro musical de mesmo nome que conta a história de Emma, uma estudante do Ensino Médio que deseja ir ao baile de formatura com sua namorada, mas é impedida pelo conselho escolar. Indignados com a proibição e buscando por uma manchete que possa trazer seus nomes de volta ao estrelato, quatro atores da Broadway rumam em direção a Indiana para ajudar a mudar os pensamentos conservadores. E é através dessa narrativa que todo o glitter e purpurina teatral é acrescentado ao longa.
Esse parece um pontapé inicial digno de uma obra a ser aclamada pela crítica e conquistar a unanimidade do público, mas The Prom não chega nem próximo a isso. Seguindo por caminhos tortuosos e por vezes megalomaníacos demais, nem mesmo seu cast repleto de estrelas consegue resgatar esse navio que naufraga aos poucos. Meryl Streep, Nicole Kidman e Kerry Washington são apenas alguns dos grandes nomes que vemos correr pela tela, mas ainda com todo seu talento e buscando fazer magia com nada, o roteiro e a direção diluem seus dons e não usufrui o quanto poderia de suas oportunidades.
Esse chamariz de nomes conhecidos funciona como uma forma de encobrir o limite da linha tênue entre a sátira e o mal gosto pela qual Ryan Murphy, que assina a direção e produção de A Festa de Formatura, caminha. O criador de Glee e Hollywood tem uma marca e isso é inegável. A facilidade que temos em enxergar toda sua personalidade logo nos primeiros minutos de filme é impressionante, mas o problema aqui é que The Prom se resume a ser Murphy demais. Chamativo, forçado, bagunçado, com muitas histórias, personagens, desperdícios e tentativas demais de nos empurrar um carisma exagerado e difícil de comprar, haja visto algumas atuações.
É claro que em sua maioria os atores entregam performances impecáveis dentro do possível do roteiro, como é o caso de Meryl e Nicole, mas por outro lado James Corden nos faz pensar o porquê dele ter sido escalado. O comediante e apresentador do The Late Late Show é engraçado e carismático, e isso é inegável, mas como ator o buraco é mais embaixo. Mesmo apresentando uma performance mil vezes melhor do que seu personagem em Cats, Corden se prende em maneirismos que funcionam bem na programação da TV, mas que no cinema o tornam caricato e sem expressão própria.
Ainda assim, o filme traz um produção técnica primorosa, com jogos de luz inspirados nos grandes palcos da Broadway e que trazem um ar teatral ao longa. Assim como os figurinos, fotografia e cenografia, pensados com um cuidado tão grande que vemos todo o esforço que foi dedicado aos detalhes, buscando torná-los parte integral da narrativa e nos fazer crer que apesar dos spots de luz colorida que surgem do nada, A Festa de Formatura poderia unir o crível ao fantasioso. Essa estratégia parte até para o roteiro que por vezes deixa de lado o fictício para abordar assuntos sérios e que merecem discussão, o que dói são esses momentos serem ofuscados por todo o exagero da narrativa.
O que mais pesa em The Prom é ele ser o tipo de filme que nós gostaríamos de amar e panfletar para o mundo, mostrando como musicais podem ser divertidos, deslumbrantes e ainda trazerem uma história completa. Infelizmente, aqui a trama é só mais uma desculpa para produzir grandes números musicais em sequência. E isso porque Murphy não soube aproveitar as pedras preciosas que tinha em mãos. Talvez o maior exemplo de desperdício que podemos encontrar é a personagem de Nicole Kidman, que é descartável e não interfere na trama, usando o nome da atriz apenas como uma forma de chamar atenção do público.
Entretanto, nos poucos momentos que são dados, Nicole brilha tão intensamente que sentimos vontade de ver uma produção totalmente dedicada a ela. E enquanto alguns são desperdiçados, outros são usados de forma desgastante, como é o caso das personagens Emma e Alyssa. As supostas protagonistas do longa se perdem em meio ao seu romance água com açúcar que não tem sequer uma pitada de química, tornando o plot das atrizes irrelevante e sem emoção.
A estrutura episódica de A Festa de Formatura também não contribui para a narrativa que se torna quebrada e segmentada. Essa fórmula funciona perfeitamente em séries de TV e no teatro, com atos bem demarcados que nos dão uma amostra a cada nova parte. Mas quando pensamos em cinema é essencial ter uma história bem amarrada e que se construa de forma sólida, sem deixar pontas soltas, porque não precisamos de uma nova narrativa a cada cinco minutos se já tivermos comprado a principal.
É tudo exagerado, Ryan Murphy e cintilante demais, na conotação ruim das palavras. A Festa de Formatura é uma diamante que não soube ser lapidado e se perdeu em meio às tentativas megalomaníacas de seu diretor. Talvez em outras mãos, como a de Adam Shankman de HairSpray (2007) e Rock of Ages (2012), pudéssemos ter uma versão de The Prom tão magnífica quanto a sua peça de inspiração, mas por enquanto nos contentamos em fingir que suas longas dua horas de duração não serão rapidamente esquecidas.