Pequenos Incêndios metafóricos e necessários Por Toda Parte

Littles Fires Everywhere (no original) é da Hello Sunshine, produtora fundada por Reese Witherspoon, que vem adaptando diversos livros escritos por mulheres, como Big Little Lies (2017) e o filme Garota Exemplar (2014) (Foto: Reprodução)

Jaqueline Neves Bueno 

Uma das coisas que sempre deixa as pessoas com o pé atrás sobre adaptações de livros para o audiovisual é a questão da fidelidade à obra original. Pequenos Incêndios Por Toda Parte, minissérie da Hulu disponível na Amazon Prime, foi fruto do livro da escritora norte-americana Celeste Ng. Filha de imigrantes de Hong Kong, seu livro traz questões sobre a vivência asiática, além de já ter morado no bairro em que a história se desenrola. Ng também escreveu Tudo o que Nunca Contei, que ganhou alguns prêmios, como o Amazon Book of the Year

A trama se passa em Shaker Heights, um bairro planejado de Ohio que se orgulha de ser uma das primeiras comunidades a integrar pessoas negras, mas que a população é majoritariamente branca e rica. Shaker é o ambiente perfeito para se habitar uma das personagens principais, Elena Richardson, interpretada de maneira impecável por Reese Witherspoon. Idealizadora de cada detalhe da sua vida desde se formar em jornalismo, trabalhar no jornal local de Shaker, se casar até  construir uma família no bairro em que nasceu, vivendo da forma mais tradicional e perfeita possível. Isso, até que Mia e Pearl Warren chegam à cidade.

GIF: Reprodução

Mia, interpretada por  Kerry Washington, é mãe solo e artista, e vive com sua filha Pearl, interpretada por Lexi Underwood. As duas praticamente moram dentro de um carro velho, viajando por todo o país com a desculpa de ser um processo de criação para a sua arte.

No livro, as duas personagens são brancas, e o que move a trama é o estilo de vida peculiar e personalidade forte de Mia. Fatores que incomodam Elena e deixam-a cheia de suspeitas – e que levam-na a investigar a fundo a vida da artista no decorrer da trama. Porém, a série retrata Mia e Pearl como mulheres negras, uma adaptação que complementou o drama da história com diversas questões sobre racismo. 

Pequenos Incêndios Por Toda Parte também aborda o racismo contra amarelos por meio da personagem Bebe, uma imigrante chinesa que mal fala inglês, com uma história complexa que envolve as suas origens. Essa questão de raça, preconceitos e privilégios é muito bem ilustrada em diversos detalhes da série, mesmo de forma sutil: por exemplo, o paralelo entre situações parecidas que Bebe e Izzie vivem, onde a mulher chinesa não consegue comprar comida para sua filha porque faltou 70 centavos do valor total, mas quando falta a mesma quantia no dinheiro na passagem da filha de Elena, o motorista não vê problema em deixá-la entrar no ônibus.

Cena de uma discussão em que Mia fala sobre os privilégios de Elena como mulher rica, branca e com título social (GIF: Reprodução)

As famílias Warren e Richardson se conectam na história à partir do momento em que Elena encontra Mia e Pearl dormindo no carro no dia que chegam em Shaker Heights. Ela as denuncia para a polícia por considerá-las suspeitas, mas reencontra-as posteriormente quando as duas visitam o imóvel de aluguel que a pertence.

A personagem de Reese é do tipo que gosta de ajudar as pessoas o tempo todo, mas Pequenos Incêndios Por Toda Parte  acaba mostrando que isso acontece, na maioria das vezes, por motivações questionáveis. Por fim, ela acaba alugando a casa para Mia e Pearl, e por subentender que são pobres, tenta encontrar diversas formas de “ajudá-las”. Elena, por exemplo, oferece a Mia um trabalho de empregada doméstica em sua própria casa.

A partir daí, Pearl se envolve com os Ricardson ao mesmo tempo em que Izzie, a filha mais nova de Elena, considerada rebelde por não seguir os princípio da vida perfeita da mãe, se identifica  com Mia. Os filhos de Elena se aproximam de Pearl – que se encanta com um estilo de vida tão diferente do seu – e pessoas do convívio das duas também se conectam de alguma forma.

No decorrer da trama, o passado e outras questões mais profundas das personagens vão sendo desvendados. A questão da maternidade é muito presente, mas não só representada por Mia e Elena – a que tem segredos e a que cobra a perfeição dos filhos; existe a mãe que não consegue ter filhos e também a mãe que abandona. Mas a minissérie (e o livro) consegue narrar essas histórias de uma forma em que não existe o certo e errado; o espectador consegue sentir empatia por todas as personagens. 

Além de fiel à trama original, as adaptações feitas na história não alteram os acontecimentos principais, e acabaram se tornando boas surpresas. Celeste Ng participou da adaptação do seu livro para a TV, e o fato de ter sido ouvida e incluída no processo pode ter sido um grande diferencial para a série.

Cada personagem passa por mudanças pessoais bruscas e necessárias, e tanto a minissérie quanto o livro narram isso com perfeição. A mensagem de Pequenos Incêndios Por Toda Parte se resume ao próprio título da história: os incêndios metafóricos vividos por cada um dos personagens, o fogo como símbolo de destruição, para que dela possa nascer algo novo.

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