Vinícius Santos
“Muito bem, então, estou pronta.” – assim Adele termina a primeira música do seu novo álbum, 30. Acontece que, além dela, ninguém mais estava preparado para o que viria por aí. Lançado no dia 19 de novembro de 2021, este é o quarto CD da carreira da cantora britânica desde sua estreia em 2008 com o 19. Aclamado pelos críticos, Adele contou à Vogue, em outubro, que a obra era sua maneira de explicar seu divórcio ao filho e estava muito perto de seu coração, dizendo que ela “não estava desistindo deste”.
Mas ela não mentiu acerca do 30. Não é atoa que a complexidade de cada emoção, as nuances de sua produção e os mais diversos sentimentos transmitidos em cada letra do álbum fizeram deste seu trabalho mais ambicioso até hoje. Você pode pensar que esse é um discurso repetido e eu te digo que não está errado. Porém, é de se admirar a forma como Adele se reinventa a cada novo registro e traz, sempre, um novo pedaço de si. Quanto ainda falta para conhecermos 100% de Adkins?
Analisando todas as suas produções, até o momento, esta é a que carrega a melhor nota da carreira da Adele no Metacritic, 88. Anteriormente, a maior média tinha sido 76 com o seu segundo disco. Isso é um triunfo para alguém cujo trabalho lançado em 2011 foi um recordista de prêmios e recordes. Porém, enquanto em 21 Adele se esforçava para ensinar o mundo inteiro a chorar, em 30 ela abre sua alma e se divorcia, não só de seu ex-marido, Simon Konecki, mas também de si mesma. É isso que faz da cantora londrina uma das estrelas pop mais admiradas universalmente – ela entrega seu coração ao ritmo e impede que ele fique preso no passado, cristalizado em âmbar.
Sendo assim, é difícil imaginar algo mais pessoal do que as bombas de empatia que Adele normalmente deixa cair. Essa individualidade, por assim dizer, se dá pela enorme participação da cantora na escrita de todas as canções do disco, sem exceção. Mesmo assim, ela contou com a colaboração de alguns produtores e compositores, como Greg Kurstin, Max Martin e Shellback, que, inclusive, fizeram parte da produção do seu terceiro álbum, 25, e alguns nomes novos como o compositor e produtor de filmes Ludwig Göransson e Inflo, além de uma forte inspiração dos rappers Tyler, The Creator e Skepta.
Como declarou a própria Adele em resposta à uma fã em uma live do Instagram, esse álbum “é sobre divórcio, babe, divórcio” e só isso já ditou tudo o que poderia vir por aí. A cantora nos contou uma história mais inesperada sobre o amor, infligiu essa dor em sua família, reconstruiu-se a partir do zero e agora tenta amar novamente. A forma como a jovem de 33 anos interage com suas tradições e entra em sincronia com o pop contemporâneo, R&B e hip-hop, a ajudou a chegar quebrando recordes e se consolidando como o álbum mais vendido de 2021.
Fruto de uma colaboração com Göransson, Strangers By Nature abre as cortinas para o que vai ser o show de Adele. Inspirada pelas canções de Judy Garland, a cantora sente suas relações passadas de uma forma tão dramática e desesperada que mais parece uma mistura de Somewhere Over the Rainbow com os choros de uma divorciada consolada. “Vou levar flores para o cemitério do meu coração”, ela lamenta.
Em nome de Adele, do Senhor e de seu filho Angelo, Deus abençoe a sagrada Easy On Me, a balada de piano com uma abertura sublime e que mais uma vez prova que Adkins pode fazer mágica com uma única sílaba. Essa culpa e esperança de ser compreendida por seu filho, inclusive, rende um dos materiais mais ricos do disco. My Little Love é de longe o diamante bruto do álbum – ela inclui gravações particulares de conversas ternas na hora de dormir entre Adele e Angelo à medida em que eles se ajustam ao divórcio. “Você sente a dor do meu passado?”, ela pergunta, quebrando seu coração.
Essa é uma das cinco músicas em 30 que se espalham além da marca dos seis minutos. Ao final da faixa, temos a versão de Adele em uma nota de voz crua onde ela admite que, pela primeira vez em anos, se sente realmente e verdadeiramente solitária. É difícil ouvi-la assim, alguém que é facilmente capaz de superar um poço de emoções, admitindo de forma clara que está quebrada e aterrorizada.
“Estou tendo um dia ruim, um dia bastante ansioso
Me sinto paranóica, me sinto muito estressada
Hum, estou de ressaca, o que nunca ajuda, mas
Eu sinto que hoje é o primeiro dia desde que fui embora que me sinto solitária
E eu nunca me sinto solitária, eu adoro ficar sozinha
Eu sempre preferi ficar sozinha do que ficar com pessoas
E sinto que, talvez, eu esteja compensando
Ao sair e coisas assim, para manter minha mente longe dele
E sinto que hoje, estou em casa, e quero estar em casa
Eu só quero ver TV e me enrolar em uma bola
E ficar de pijamas e coisas assim
Eu me sinto realmente solitária
Estou com um pouco de medo de me sentir assim sempre”
Depois de todas essas reparações e desculpas, Adkins traz o que já estávamos acostumados, com duas faixas pop mais curtas sobre relacionamento, novamente. A primeira, intitulada Oh My God, mostra um refrão viciante e prova que os tiques vocais de Adele podem fazer muito para caracterizar uma canção. Certeza que você também vai se imaginar dançando em uma festa alternativa e cult ao som dessa faixa eletrizante. Se pode Ed Sheeran, por que não Adele?
Felizmente, podemos dizer o mesmo de Can I Get It, uma produção um pouco fora da realidade dos profissionais Max Martin e Shellback, e com um refrão que expressa um relacionamento mal compreendido. Isso não é surpresa, já que muitas das grandes canções desse meio tratam do mesmo assunto, ainda mais em um álbum que caminha rumo à declaração de um alguém que procura entender os fenômenos e acontecimentos de toda uma história melancólica. Esta foi uma tacada certeira dos produtores, afinal, em uma track list como a de 30, a faixa pode ser o pedido certo em algumas rádios pop e talvez até country.
Generosa, fundamentada e com uma letra abundante em clichês, I Drink Wine pode muito bem ser uma canção de bar, ou até mesmo confundida com alguma produção de Elton John. Carregada de fortes tons evangélicos e um memorando de voz introspectivo no final, Adele serve a mesma receita que parece ter dado certo para a famosa Take Me To Church, do músico e cantor irlândes Hozier. A canção abre com um verso sobre sua infância como um meio de perspectiva sobre como ela se afastou de si mesma.
All Night Parking aparenta ser, para 30, o mesmo que Sweetest Devotion foi para o 25. É uma canção legal e que carrega bastante significado, mas parece que será esquecida no churrasco. Com humildade, Adele aterrissa firme e deliciosamente em uma melodia que acalma a alma – “Eu sei que é difícil, mas não é”. Já em Woman Like Me, ela veste um tom mais sério e amoroso em um neo-soul lentamente desabrochante, e acaba revelando mais sobre suas próprias prioridades. “A complacência é o pior traço a ter, você está louco?”, canta em uma voz baixa e segura, com uma pitada de decepção.
Sobre Hold On não se tem muito o que falar. A faixa é mais uma das que se estende por mais de 6 minutos e é incrivelmente perfeita. Ao ouvir o álbum, você pode acreditar que a canção tem como objetivo o clímax emocional do 30, porém essa honra pertence à aclamada To Be Loved. Mais do que só uma música, a oração carrega uma performance vocal avassaladora, bem como All I Ask, do antigo 25. Aliás, ela declarou que não a performará ao vivo e que só a cantou algumas vezes, incluindo uma gravação de vídeo onde o poder de sua voz distorce o áudio.
Co-escrita com Tobias Jesso Jr., To Be Loved é cantada para um Angelo adulto como uma explicação do porquê do casamento dos pais não ter funcionado. Adkins é no início digna, depois desesperada para transmitir os altos riscos do amor, e a performance é uma maravilha de controle e fraseado que faz comparações com as grandes como Whitney e Aretha. Isto é o que Adele faz de melhor: cria um mundo de sentimento a partir de pouco mais do que sua voz e depois o leva à beira do abismo. Ela é sábia o suficiente para oferecer um travesseiro suave com a faixa de fechamento Love Is A Game. Mas agora o dano já está feito!