Tim Maia: o sonho todo azul que se tornou realidade

É tempo de reviver o ‘síndico’, os primeiros LPs retornaram às vendas

“Este país não pode dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita.”, um dos grandes axiomas de Maia
“Este país não pode dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita.”, um dos grandes axiomas de Maia

Heloísa Manduca

Preto, gordo e cafajeste. É assim que o pai da Soul Music brasileira, Tim Maia, se reconhecia. Autor de declarações críticas que incomodavam a sociedade, Tim era notado por sua sinceridade exagerada sobre tudo e todos, além da exigência com a inseparável banda ‘Vitória Régia’. Para ele, música era coisa séria. O som devia estar sempre perfeito, do contrário, o responsável era advertido assim mesmo, no meio no show.

A infância e juventude do Tim coincidiram com o surgimento da Bossa Nova, um derivado do samba e com influências do jazz. João Gilberto, Vinícius de Moraes e Tom Jobim ditavam o novo estilo musical bem abrasileirado, típico da classe média branca. Sebastião ficara encantado pela revolução musical destes que faziam sucesso em barzinhos na zona Sul do Rio de Janeiro, mas foi na zona Norte que ele buscou aquela outra “bomba” libertária americana dos anos 50. O Rock ‘n Roll.

Frenético, excitante, alucinante, o Rock embalava os jovens, principalmente do subúrbio, fazendo uma contraposição à família. Erasmo Carlos se embalou no ritmo e lançou o grupo ‘The Snakes’. Sem saber tocar instrumentos musicais, Tim foi quem o ensinou 3 acordes de violão. Segundo ele, era o essencial, pois o restante da música era só “ritmo e malandragem”.

Tim e Erasmo até tentaram alguma carreira cantando o novo ritmo brasileiro, mas o protótipo ideal do branco de classe média foi inflexível com eles. Logo, abandonaram a ideia.

Assim, a primeira banda de Tim que teve um pouco mais visibilidade foi “The Sputniks”, formada em 1957 por Roberto Carlos, Arlênio Lívio e Wellington Oliveira. O grupo chegou a se apresentar na TV Tupi Clube do Rock, mas Tião queria algo maior e mais desafiador. Assim, foi para os Estados Unidos sem um tostão no bolso e com o sonho próspero americano. Passou cerca de quatro anos da sua vida lá tendo contato com a Black Soul Music.

 

the-sputniks
Nas extremidades Tim e Roberto, os “reis” ainda jovens

Esse intercâmbio cultural foi importante para que ele desenvolvesse seu estilo musical e agregasse ideias. O movimento antissegregacionista de Martin Luther King, o polêmico cantor de rock Little Richard, além do R&B dos anos 60 e o funk de James Brown foram algumas das suas referências e inspirações.

Durante essa década, o Soul era muito disseminado entre os negros e outros admiradores nos Estados Unidos e na Europa. Ray Charles e, mais à frente, Marvin Gaye foram destaques. O estilo tem suas raízes no Blues e na música Gospel. Já o termo apareceu juntamente com um contexto social de busca crítica contra o racismo.

Tim se sentiu atraído por esse clima americano. Diferente do que aconteceu no Brasil, ele encontrou enriquecimento cultural interagindo com os músicos de lá, chegando a montar o grupo “The Ideals”. Em contrapartida, ele conheceu profundamente o lado difícil dos EUA. Morou nas ruas e em guetos, lidando com uma vida sem limites. Se envolveu com drogas e crimes pesados, foi preso e deportado para o Brasil.

Apesar dos maus momentos e de continuar falido, esse intercâmbio cultural foi importante para que ele desenvolvesse seu estilo musical e agregasse ideias. O movimento antissegregacionista de Martin Luther King, o polêmico cantor de rock Little Richard, além do R&B dos anos 60 e o funk de James Brown foram algumas das suas referências e inspirações.

Em 1969, já de volta ao Brasil, Tim finalmente teve reconhecimento e começou sua marcante história na música brasileira. O momento ‘boom’ foi quando Elis Regina gravou em dueto a canção ‘These are the songs’ no disco ‘Em Pleno Verão’. A música foi escrita por ele quando ainda estava nos EUA e, agora, fez com que o cantor se consolidasse como um dos melhores do país.

No ano seguinte, 1970, Tim Maia explodia e lançou seu primeiro disco de vinil. Adorado pela crítica e pelo público, o LP homônimo foi indicado pelo conjunto ‘Os Mutantes’, alcançou durante 24 semanas o topo das paradas no Rio de Janeiro e trazia as seguintes canções:

Dentre as músicas de maior destaque do álbum está ‘Azul da Cor do Mar’ que quando foi composta, não tinha nada de azul na vida. Hospedado no apartamento do amigo Juancinto, Tim ainda dividia a moradia com o empresário Glauco Timóteo. Na parede de um dos quartos estava o quadro de uma morena formosa com as curvas à mostra e de frente para o mar de Taiti. Desiludido com o entra e sai de mulheres alheias, a falta de dinheiro, de gravações e de fama, Tim transformou a situação em inspiração para escrever a canção.

A perfeição do trabalho de Sebastião não parou por aí. Aquele jovem que fazia construções de melodias simples e com poucos acordes, logo lançou outros discos. Dentre eles, outro homônimo em 1971, eleito em uma lista pela versão brasileira da revista Rolling Stone como o 75º melhor disco brasileiro de todos os tempos. E o de 1973, álbum que reúne o groove com molejo e traços abrasileirados que só Tim sabia fazer.

Este ano, todo o clima intenso desses 3 principais álbuns do cantor pôde ser revivido. Os álbuns produzidos pela Polysom estão de volta ao mercado em formato de vinil e podem ser comprados pela internet. Iguais aos originais, os bolachões são divididos em lado A e B, com 6 faixas musicais em cada um.

E assim, o negro mais importante da história da Soul Music brasileira continua a ser celebrado. Com letras simples, cotidianas e atuais, canções com romantismo e gingado, Tim Maia nunca ‘sai de moda’.

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