The Good Place ensina sobre a vida e ainda te faz dar risadas

Ao receber os mortos, O Arquiteto os apresenta o bairro (Foto: Reprodução)

Ana Beatriz Diogo Rodrigues

A vida após a morte é uma incógnita. Tudo sobre esse assunto é incerto e não há clareza sobre qual é a verdade. O destino, as pessoas que encontraremos e o modo como nos comportaremos depois de morrermos são questões irrespondíveis. Mas a série The Good Place (2016-2020), com comédia e filosofia, tende a construir um caminho para essa jornada inexplorável. Abordando diversos assuntos filosóficos, a produção discute o sentido da vida ao decorrer das suas quatro temporadas.

A série é focada na personagem Eleanor Shellstrop (Kristen Bell) que está morta. Mas calma, Everything is Fine (Tudo está Bem). É com essa frase que a protagonista é recebida na sua pós-morte, mais especificamente no Bom Lugar. Parecido com o nosso ideal de paraíso, o novo lar de Eleanor é um lugar de felicidade absoluta onde as pessoas boas podem aproveitar a eternidade ao lado de sua alma gêmea. 

Na trama principal de The Good Place, as pessoas são divididas em bairros, programados e comandados pelo Arquiteto Michael (Ted Danson) com o auxílio de Janet (D’Arcy Carden), uma inteligência artificial em forma de mulher que tem todo o conhecimento do Universo. O Arquiteto fica responsável também por apresentar as almas gêmeas dos moradores do bairro, sendo o da protagonista, Chidi Anagonye (William Jackson Harper), um professor de filosofia moral.

Além da história principal, há um romance de fundo com Eleanor e Chidi (Foto: Reprodução)

A parte engraçada de toda essa história é que a personagem principal não é exatamente um exemplo do que é uma “boa pessoa”. Sempre egoísta e até ignorante com os outros, Eleanor foi parar nesse lugar por engano graças a uma confusão de nomes. Algo semelhante acontece com outro personagem da sitcom, o DJ em ascensão da Flórida Jason Mendoza (Manny Jacinto), que foi confundido com um monge que fez voto de silêncio em sua vida na Terra. O seu personagem no Bom Lugar é bem diferente da sua forma original, ingênua e divertida.

A alma gêmea de Jason é Tahani Al-Jamil (Jameela Jamil) uma mulher elegante, inteligente e bondosa. Essas características deixam Eleanor com inveja, sentimento que não condiz com o Bom Lugar, e que por isso, traz confusão para “as verdadeiras pessoas boas”Ao observar a bagunça que causou, Shellstrop, o estopim do caos no Bom Lugar, entende que seu comportamento é algo que precisa ser mudado, e finalmente deseja se tornar uma boa pessoa.

Assim, ao lado de Jason e Tahani, a personagem principal procura interromper a loucura que provocou e “melhorar” enquanto pessoa com aulas de filosofia dadas pela sua alma gêmea. A primeira temporada da série acaba com um plot-twist que deixa todos com a cabeça explodindo. Nos últimos minutos do episódio, Eleanor descobre a verdade e Michael revela aos quatro principais que eles estão em um local antagônico do que eles pensavam. Na verdade, este é o Lugar Ruim.

A personalidade de Eleanor faz ela descobrir a verdade (Gif: Reprodução)

Sabemos que há um sistema que define e divide as pessoas depois de sua morte e calcula pontos por consequência de suas ações na Terra. Dependendo da sua quantidade final, o seu futuro é definido. Com a vida que eles levaram, o destino de sua existência é o Lugar Ruim (Bad Place). Mas diferente da nossa ideia de Inferno e de como as pessoas são torturadas lá, a aflição dos principais é ligado a assuntos emocionais.

 É surpreendente quando você conhece verdadeiramente os personagens e os seus respectivos defeitos. Até os mais “bonzinhos” não são perfeitos. Na verdade, ninguém é perfeito nessa história. Chegar ao Bom Lugar e atingir seus padrões de qualidade podem ser objetivos extremamente difíceis e desgastantes. Inter-relacionar essa narrativa como uma alegoria com as nossas vidas e nossas buscas atrás do nosso próprio Santo Graal é inevitável.  

De uma maneira fluida, The Good Place tece essa busca em suas próximas temporadas por um quebra cabeça das confusões de mentes humanas. E isso acontece quando Michael reinicia a mente deles e começa as suas vidas pós-mortes de maneiras diferentes.

O dilema do bonde é um experimento de ética de Philippa Foot (Gif: Reprodução)

A segunda temporada se assemelha com a primeira em alguns pontos, mas o enredo aqui é diferente. Michael, cansado depois de inúmeras tentativas falhas, desiste de praticar as torturas que arquiteta e decide se juntar aos humanos para descobrir sobre ética e para aprender como ser alguém bom. São nesses episódios que vemos o famoso Dilema do Bonde, onde o Arquiteto do bairro coloca alguns dos protagonistas na situação real que traz tanto sobre o que refletir. 

Naquele momento, até Michael, um ser sobrenatural, tem dificuldades para entender a grandeza das decisões da vida humana. As escolhas das nossas vidas colocam muitas coisas em jogo e podem, muitas vezes, nos assustar, dando assim lugar à indecisão. É isso o que acontece com o Arquiteto nesse momento, com Chidi durante boa parte da série, e também conosco, na nossa jornada até o nosso fim. 

Os protagonistas criam um laço de amizade muito forte (Foto: NBC/Universal)

Com mais uma reviravolta surpreendente, a terceira temporada começa com os protagonistas voltando para as suas vidas humanas. Sim, eles voltam a viver. Entretanto, eles não se lembram de como são as coisas depois da vida terrena. A missão aqui é mostrar à Juíza Gen (Maya Rudolph) – essa que é o Ser Superior de todo o Universo -, que é os seres humanos podem sim mudar e melhorar. 

Ao decorrer desta temporada, eles encaram o verdadeiro problema: o sistema de pontos está sendo falho, fazendo com que o verdadeiro Lugar Bom não receba pessoas há 500 anos. Com isso, Eleanor, Chidi, Tahani e Jason com a ajuda de Michael e a super Janet tentam solucionar esse problema e criam um bairro para mudar alguns personagens, assim como aconteceu com eles.

Michael Schur, criador de The Good Place, também está por trás de The Office, Parks and Recreation e Brooklyn Nine-Nine (Foto: Reprodução)

Mesmo que tenha sido uma temporada turbulenta, o ano 3 conseguiu trazer em discussão sobre como o nosso próprio sistema de (auto) crítica é falho. Isso se encaixa com a discussão sobre a nossa busca pela perfeição e por sermos bons como o mundo quer. Toda essa disputa pode ser vista de modo claro com os protagonistas da série. 

The Good Place também trata sobre a possível mudança das pessoas e como isso só acontece pela força de vontade de cada um. A evolução de cada personagem revela a grandiosidade da existência dos humanos e como ajudar os outros também pode ser bom para quem ajuda.

Com uma ajuda de Michael, os protagonistas se encontram na Terra (Foto: Reprodução)

The Good Place chega ao fim com sua quarta temporada e com poucas indicações ao Emmy 2020. A série concorre a Melhor Série de Comédia, concorrendo com as favoritas Schitt’s Creek e The Marvelous Mrs. Maisel. Disputando o troféu na mesma categoria que ganhou em 1993, Ted Danson está indicado pelo terceiro ano seguido como Melhor Ator de Comédia, onde submeteu o último episódio para representá-lo, Whenever You’re Ready

Outro personagem que vem sendo destaque durante a série foi a Juíza. Maya Rudolph concorreu nos últimos três anos como Melhor Atriz Convidada em Série de Comédia. Neste ano, Maya ainda concorre com si mesma, por sua participação em Saturday Night Live.

Contudo, há uma injustiça que a Academia pode ter praticado com The Good Place: Kristen Bell nunca foi indicada para Melhor Atriz, por mais que tenha entregado uma Eleanor perfeita nos últimos quatro anos. Em compensação, o par romântico da protagonista, Chidi (William Jackson Harper) está concorrendo em Ator Coadjuvante de Comédia. Michael Schur, o criador da série, está indicado para Melhor Roteiro de Série de Comédia pela series finale

The Good Place tem um final emocionante (GIF:  Reprodução)

A  última temporada é coerente com toda a história da série, trazendo uma perspectiva surreal sobre o modo como vivemos e decidimos nossa vida. Os produtores afirmaram que desde sempre quatro temporadas era o suficiente para a finalização da série. Acredito que foi o bastante, e não houve o erro de estragar o programa, estendendo-o para ganhar mais dinheiro como aconteceu em 13 Reasons Why, também finalizada em 2020. Fechando com chave de ouro, The Good Place finalizou as histórias de seus personagens sem deixar pulgas atrás das nossas orelhas e presenteando quem assiste com a verdadeira felicidade absoluta. 

O Bom Lugar pode ser difícil de ser alcançado. Mas ainda assim, o caminho até ele foi prazeroso nessa produção, com consistência nas atuações e na história. Os últimos episódios são emocionantes demais para serem descritos, a trama precisa ser sentida. Chidi encerra sua trajetória contando sobre um ensinamento budista, sobre fazermos parte de algo muito maior e suponho que é sobre isso que The Good Place acaba sendo. Mesmo que não ganhe o Emmy, a série conseguiu alcançar um lugar especial em vários corações.

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