A desmistificação da verdade em 13 Reasons Why

Segunda temporada da série original Netflix explora ainda mais os traumas dos adolescentes protagonistas (Foto: Netflix)

Vitor Evangelista

Calcada em polêmicas e no retrato problemático de transtornos e distúrbios psicológicos: foi assim que 13 Reasons Why veio à tona. Após uma estreia provocativa e um final aparentemente fechado, o seriado retorna para um segundo ano na esperança de contar a versão de cada um dos “porquês” que levaram ao suicídio de Hannah Baker (Katherine Langford).

Mesmo com os trigger-warnings (avisos de “gatilho”, cenas que chocam) prévios aos acontecimentos mais pesados, o público reagiu mal às cenas de abuso sexual e suicídio, que desencadeou na gravação e propagação das sete fitas no primeiro ano. O seriado retorna com os momentos impactantes ainda que, desta vez, o tom aqui remeta a elementos que constroem uma narrativa coesa, e não apenas o choque pelo choque.

O abuso é o tema central da segunda temporada, provavelmente em vista do cenário político-social que permeia Hollywood — as denúncias do Time’s Up e o movimento #MeToo. O tratamento do tema era lógico neste cenário. Aqui, destaque para a cena de abertura do último episódio: uma colagem de depoimentos de todas as mulheres do show, em que elas relatam experiências de abuso. A série consegue, em uma só cena, mostrar a que veio.

A sequência inicial do episódio 13, focada em abuso, é reflexo direto dos movimentos feministas que tomaram conta dos EUA nos últimos meses (Foto: Reprodução)

É interessante o fato de que Hannah deixou de ser a protagonista para dar espaço aos demais, que ainda sentem as consequências de suas fitas, mesmo meses após seu suicídio. A personagem ainda está em cena, mas sua versão dos fatos já não é mais a única apresentada nos treze episódios.

Construída em cima dos depoimentos dos acusados no julgamento que os Baker abriram contra a escola Liberty High, a temporada mescla o presente (sombrio, pintado em tons frios, quase sempre com personagens com hematomas) com flashbacks da época em que Hannah ainda vivia. Revisitando momentos da temporada passada, agora pelo ponto de vista dos companheiros da garota, Hannah é desconstruída, desmistificada. Cada colega revela confissões e segredos de suas relações com a jovem, desmanchando a figura que o público e Clay (Dylan Minnette) conhecia até então.

O segundo ano da produção bebe de produções como Clube dos Cinco, Skins UK e As Vantagens de Ser Invisível (Foto: Netflix)

Clay continua como ponto central da trama, enquanto Hannah aparece para ele numa dinâmica semelhante a de Patrick Swayze no filme Ghost – Do Outro Lado da Vida (1990). A garota aparece para tentar sanar as dúvidas e questionamentos que ele faz a cada depoimento, dando mais e mais camadas à sua personalidade. Clay não aceita ver a idealização quase religiosa e intocável que ele criou de Hannah se desfazer no tribunal. Apesar de ele ganhar boa parcela do tempo de tela, quem realmente rouba a cena e têm jornadas magníficas de evolução são Jessica Davis (Alisha Boe) e Olivia Baker (Kate Walsh).

Ambas mulheres abaladas pela violência e pela impotência em frente a um mundo comandado por Bryce Walkers. Jessica lida com os fantasmas do estupro sofrido por Bryce (Justin Prentice) no ano um, na performance angustiante de Alisha Boe. A adolescente reluta em testemunhar contra o estuprador, com medo de tornar tudo aquilo real novamente. Enquanto isso, Olivia lida com o divórcio, a sede por justiça e a depressão de uma mãe em luto. Uma mãe que se sente culpada pelo suicídio da filha. A atuação de Kate Walsh continua sendo o ponto mais alto da produção de Selena Gomez.

Justin Foley (Brandon Flynn) tem uma trama de redenção bacana, mas aparentemente em vão; Tony (Christian Navarro) protagoniza um dos arcos mais interessantes e satisfatórios da temporada; Alex (Miles Heizer) é o personagem mais afetado e se sustenta na persona de Zach (Ross Butler), este que figura o melhor momento da temporada, ao lado de Hannah.

A trilha sonora afiadíssima figura nomes pop como Troye Sivan, a banda britânica The 1975 e Selena Gomez (Foto: Netflix)

Courtney (Michele Selene) aparece pouco e merecia mais; já Ryan (Tommy Dorfman) aparece o suficiente. E Bryce continua tão desprezível e repugnante quanto antes. É Tyler (Devin Druid) quem mais sofre com o roteiro desordenado. Embora 13RW saiba criar ótimos momentos envolvendo grupos de personagens e a catártica porradaria, é nas dinâmicas em duplas e trios que a série triunfa: Tony e o instrutor de boxe, Zach e Alex, Jessica e Nina, Olivia e Clay, Tyler e Cyrus, todas ótimas e fluídas dentro da narrativa principal.

Aliás, a dinâmica entre os dois últimos, a la massacre de Columbine entoada (mentalmente) pelo hit Pumped Up Kicks, começa muito bem mas se perde em meio a construção abrupta de um momento específico do personagem de Tyler. Germinado na finale do primeiro ano e na pressa do ‘choque pelo choque’, da gratuidade de uma cena, o episódio final da segunda temporada perde o fôlego, numa construção falha e que não se sustenta. Faltou maturidade.

O portal 13reasonswhy.info foi criado no intuito de auxiliar indivíduos em situação de abuso, em qualquer lugar do mundo (Foto: Netflix)

Impressionam a cinematografia, que aposta no contraste de calor e frio entre os tons, e a câmera ágil e bem colocada para captar ângulos incomuns (mas que enriquecem o roteiro e a edição complicada do seriado). Destaque para a câmera rodeando os protagonistas na cena do baile.

13 Reasons Why contextualiza melhor certos momentos e adiciona camadas a todos os envolvidos no drama do ano um, nunca livrando-os da culpa ou relativizando acontecimentos e ações. A série é clara e direta em sua posição de defesa, o que tem-se agora são momentos de reflexão, revelando mãos mais cuidadosas no tratamento de assuntos delicados e que realmente demandam devida atenção.

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