Caio Machado
Na infância, parece que nunca vamos envelhecer. Para nosso cérebro, novo e inocente, “ficar velho” é algo que afeta só os outros e não a nós mesmos. Quando você cresce e olha para o espelho com mais atenção, reparando nas marcas do rosto, a verdade universal vem à tona: a idade chega para todos. O novo filme de M. Night Shyamalan, Tempo, expõe com sinceridade quão perturbador o envelhecimento pode ser para um ser humano.
Na trama, uma família decide passar as férias em um hotel luxuoso, rodeado pela natureza. À convite do gerente da hospedaria, vão visitar uma praia em uma área isolada na região. De início, parece o local perfeito para terem um pouco de tranquilidade, mas tudo começa a dar errado quando percebem que, nela, o tempo funciona de maneira diferente, fazendo com que envelheçam anos em questão de minutos.
Em comparação com outros filmes de Shyamalan, Tempo segue um rumo diferente, mais pessimista e resignado na forma como trata seus temas e personagens. O perdão e a reconciliação, temas abordados de uma maneira quase religiosa pelo cineasta em obras anteriores, se mantêm presentes. Porém, parecem mais apagados diante do horror que ronda o filme todo.
Nos seus momentos mais explícitos, Old se apropria do horror corporal, reduzindo o corpo humano a um grande pedaço de carne com ossos que podem se quebrar com certa facilidade. Por serem cenas pontuais, conseguem impactar muito graças ao seu aspecto grotesco, tanto pela maquiagem quanto por efeitos especiais, e às atuações angustiantes.
Fora desses pontos-chave, Shyamalan faz um trabalho sensacional de sugestão, educando o público para que imagine o que aconteceu nas cenas. Um exemplo disso é quando mostra um personagem olhando, horrorizado, para alguma coisa. Inconscientemente, concluímos que veremos, em seguida, um plano do que (ou quem) ele está observando, mas o filme não mostra. Assim, a cena fica mais impactante por causa da incerteza e nosso cérebro preenche a lacuna da imagem com outra, mais assustadora do que qualquer coisa que poderia ter sido exibida.
Outro exemplo de quando esse processo ocorre é no corte brusco do final de uma cena trágica para outra, onde vemos as ondas, cujo som encobre o barulho alto do desastre apresentado anteriormente. Esse desvio rápido de atenção, nos últimos segundos, torna a cena ainda mais cruel na nossa cabeça porque nem tivemos a oportunidade de vê-la completa, por mais que o desfecho estivesse óbvio. Já somos obrigados a observar outra situação, ainda desnorteados por não termos tido tempo suficiente para processar a anterior.
Esse trabalho minucioso de controle de informações, através do que a câmera exibe e da montagem, é a maior qualidade de Tempo. Consegue ser uma experiência bem violenta sem precisar mostrar muito. Os movimentos de câmera, como o travelling e o giro em 360 graus, também têm outra função além de guiarem o olhar: servem como um meio fascinante para ilustrar a passagem do tempo que ocorre de maneira tão descompassada no ambiente.
De forma objetiva, a câmera desliza da direita para a esquerda ou gira no próprio eixo em questão de segundos, mas, nas mãos de Shyamalan, essas ações adquirem um significado diferente. Parecem carregar o peso doloroso dos dias, funcionando como um relógio acelerado que levará os personagens à morte. Então, percebemos, com angústia e um senso de impotência, que o tempo se tornou um inimigo invisível, impossível de ser derrotado.
Como consequência disso, o processo de envelhecimento é retratado pelo filme com melancolia. O casal formado por Guy (Gael García Bernal) e Prisca (Vicky Krieps) parece ser utilizado pelo cineasta como forma de expor seu próprio medo da velhice, sua relutância em aceitar esse processo que começa logo no dia do nascimento. É triste observá-los perderem sua energia, ficando cada vez mais debilitados. Perceber que o mesmo acontecerá conosco é mais triste ainda.
Os filhos deles, Trent e Maddox (interpretados na idade adulta por Alex Wolff e Thomasin McKenzie, respectivamente), servem como símbolos da perda da inocência que acontece quando uma pessoa se torna adulta. Ambos protagonizam uma das cenas mais lindas do longa, que emociona justamente por nos lembrar que também já fomos crianças, por mais que estejamos tão imersos na rotina da vida adulta. É de uma densidade emocional impressionante.
O final consolida essa visão resignada da vida que Tempo carrega. Apresenta uma reviravolta surpreendente, marca registrada do cineasta, mas decepciona ao oferecer explicações demais. Para uma obra que soube utilizar da imaginação do espectador tão bem, esse excesso de informação não condiz com o todo. No entanto, isso não diminui o excelente filme que Tempo é. O novo trabalho de M. Night Shyamalan é uma experiência intensa e agressiva, onde reflete, com certa melancolia, sobre o efeito psicológico que o envelhecimento tem no ser humano. É uma das únicas certezas da vida, claro, mas é uma pena que não seremos jovens para sempre.