Nathalia Tetzner
Segundo a ciência, o arco-íris é explicado pela refração, dispersão e reflexão da luz solar por gotículas de água presentes na atmosfera. Já para os supersticiosos, o arco luminoso pode significar prosperidade e abundância, tal qual a história clássica do duende e o pote de ouro. Porém, nos versos de Katy Perry, a magia está no Double Rainbow, algo que você somente seria capaz de testemunhar uma vez na vida.
Mas, afinal, se a misticidade determina que a duplicidade do fenômeno físico pode ocorrer uma única vez ao longo da trajetória de uma pessoa, quantas vezes é possível se alcançar o topo do mundo? Contrariando as estatísticas de discos que são amaldiçoados pelo sucesso estrondoso do anterior, PRISM (2013) refratou todas as cores de Perry ao colocá-la no caminho certo para encontrar a recompensa dourada novamente em sua carreira.
O conceito e a estética do prisma dispersivo da óptica não é novidade na Música. Em 1973, Pink Floyd simbolizou a transformação da sua sonoridade com a capa icônica de The Dark Side of the Moon. 40 anos depois, a garota californiana chegou para demonstrar como se cria luz em meio a escuridão. Inspirada pelo namorado da época, o também cantor John Mayer, ela traz à tona uma versão mais madura e pessoal, no entanto, não menos colorida.
Depois de se deliciar com as nuvens de algodão-doce em Teenage Dream (2010), Katy Perry une o pop perfection característico com a melancolia das suas primeiras composições para construir o cenário multifacetado de PRISM. Inicialmente tida como uma era dark, repleta de teasers em que enterra o figurino estilizado com doces e queima a peruca “Baby Blue”, Perry surge com o hino motivacional Roar dentro de uma floresta cartunesca.
Virada de costas para a câmera, mostrando a figura do tigre estampado na jaqueta azul, a cantora deu os primeiros passos da nova fase com a determinação de quem já sabia que quebraria ainda mais recordes. Além do trabalho de divulgação extraordinário da Capitol Records, Katheryn Elizabeth Hudson soube mesclar o inédito e a nostalgia, com o rugido sendo o sucessor natural de Firework, atingindo tanta glória quanto em seus tempos de chantilly.
Entretanto, na contramão dos lançamentos anteriores, o contexto do terceiro álbum de estúdio é de amplo conhecimento do público. Agora, a artista tinha uma base de fãs e um frenesi da mídia em torno de sua vida particular forte como nunca. Por isso, era de se esperar que o divórcio traumatizante com o humorista menos engraçado do Reino Unido, Russell Brand, fosse respingar nas produções mais cruas do projeto.
Com o vocal ríspido como quando assinava sob o nome de Katy Hudson, By The Grace Of God traz uma redenção gospel sobre um assunto delicado, principalmente pela perspectiva das instituições religiosas, o suicídio. A faixa é uma das canções mais vulneráveis de toda a discografia de Katy Perry, transportando o ouvinte para os momentos mais críticos da intérprete: deitada no chão do banheiro, descobrindo ser o suficiente pela primeira vez, “não ia deixar o amor me levar desse jeito”.
Diante da proposta do PRISM de retratar essa metamorfose de sentimentos, o disco deixa o tom obscuro para trás em grande parte dos seus minutos através de um dance-pop à la Madonna. Transcendente e eufórica, Walking On Air sofreu a mesma injustiça que a apoteótica Legendary Lovers – ambas as canções foram deixadas no limbo sem se tornarem singles, mesmo com o potencial e a devoção dos ‘katycats’, uma verdadeira lástima.
Se o que nos resta é imaginar como as ‘esquecidas no churrasco’ se sairiam nos charts, o smash hit Dark Horse largou na frente antes mesmo de ser enviado às rádios. A parceria com o rapper Juicy J tem tudo do melhor e do pior, desde um flow invejável, passando por uma menção insensível ao serial killer Jeffrey Dahmer até a apropriação cultural do videoclipe. O trabalho também foi alvo de um processo de plágio vergonhoso, criticado por especialistas devido a fragilidade da acusação.
Passados dez anos desde o lançamento, a segunda parte do disco permanece sendo um tesouro a ser encontrado, mas que, no fundo, quem ama talvez prefira que continue assim, quase um laço único com a artista. Composta por faixas bônus da versão deluxe e as demais não trabalhadas como singles, essa dualidade da era é representada pela vulnerável It Takes Two, que se deixa levar pelas reflexões taoístas que contornam o conceito yin-yang e o próprio PRISM.
Assinando a produção, os colaboradores de longa data Max Martin, Dr. Luke, Stargate, Benny Blanco, Cirkut e Greg Wells retornam como o verdadeiro ‘dream team do pop’. Entre ritmos potentes e baladinhas românticas, a equipe realizou uma força tarefa com o intuito de unir a visão de Perry para o álbum com o refinamento dos compositores SIA, Bonnie McKee, Henry Walter e John Mayer, objeto das dedicatórias sobre aprender a se amar para ser amada.
Extremamente sentimental, Unconditionally é a irmã mais nova de Thinking Of You e The One That Got Away, responsável por herdar as lágrimas de felicidade ou tristeza que caem quando os vocais atingem notas esplêndidas. Entregando as chaves do coração através da aceitação, a canção se tornou um clássico tanto para cerimônias de casamento quanto para quem está sozinho no quarto, se perdendo em devaneios com os fones de ouvido.
Atingindo os fãs como uma experiência de encontro com o sobrenatural, em que a mente parece se desprender do corpo, Ghost e Spiritual fazem jus aos títulos, se dedicando a ecoar os ressentimentos de um término nada amigável e gritar para o mundo sobre o achado de um amor. O importante é que, frente a todas essas questões duplas que atravessam a situação da cantora durante esse tempo, ela aprende, ao final, como escolher as batalhas para vencer essa guerra interna.
Embora vivendo nas trincheiras, se tem algo que o tempo prova é que Katy Perry não se leva a sério. É impossível pensar em um projeto da diva pop sem o teor ‘brincalhão’ que sempre dá as caras. No caso do PRISM, a trinca Birthday, This Is How We Do e International Smile proporcionam calafrios no lugar da alegria intensa que os versos tentam passar. Perdidas na tracklist, dessa vez, não há visuais impressionantes que reprisem os melhores momentos de Perry na ‘Candyfornia’.
Na missão de espalhar a palavra do disco para o maior número de pessoas possível, a artista embarcou em uma sequência de performances que incluiu lutar em um ringue debaixo da ponte do Brooklyn no VMA’s, abalar a estrutura do Saturday Night Live e atear fogo vestida de bruxa no palco do Grammy. Em turnê, levou a Prismatic World Tour para 38 países, incluindo o Brasil, com direito a encerrar a sexta edição do Rock in Rio.
O sucesso do seu terceiro álbum de estúdio também rendeu o convite para estrelar o show do intervalo do Super Bowl em 2015. Com uma carreira recheada de hits, Katy Perry fez história com o recorde de audiência televisiva do halftime, 118,5 milhões de visualizações. Dividindo o palco com Lenny Kravitz e Missy Elliott, os 15 minutos de apresentação renderam memes já eternizados e, provavelmente, o momento mais importante da trajetória artística de Perry.
Celebrando uma década de refração das cores de Katheryn Elizabeth Hudson como um duplo arco-íris, PRISM nasceu com a ambição de encontrar o pote de ouro no final mais uma vez e, contra todas as superstições, conseguiu se tornar um marco na história da Música pop. Se nem mesmo a ciência poderia explicar o tamanho do fenômeno que foi essa era, pelo menos Katy Perry um dia soube a fórmula secreta para “brilhar mais que a aurora boreal”.