O retrato da saúde mental toma forma em I Am Not Okay With This

I Am Not Okay With This é a segunda adaptação das HQs de Charles Forsman na plataforma (Foto: Reprodução)

Bruno Azevedo

Ano após ano a criação de conteúdo original na Netflix só aumenta. Apenas em 2019, foram lançadas 371 produções. Nessa enxurrada de filmes e séries, I Am Not Okay With This chama a atenção não só por ser dos mesmos produtores de Stranger Things, mas também por compartilhar da estética e da direção de The End of the F***ing World. O atrativo maior, no entanto, é a premissa da série, que prende pela mistura de drama e comédia irônica desde o primeiro episódio.

O roteiro acompanha Sydney Novak, uma menina aparentemente ordinária do Ensino Médio, que está passando por mudanças, transições e descobertas internas. Apenas mais uma série de vida adolescente, salvo pelo fato de que uma onda de poderes incontroláveis que a jovem manifesta ocasionalmente. O que torna tudo mais interessante, beirando a angústia, é o fato de que os poderes estão diretamente conectados à saúde mental de Syd.

Interpretada por Sophia Lillis (It: A Coisa), a personagem ganha a simpatia do público ao se mostrar simpática e afetuosa, apesar de introvertida (Foto: Reprodução)

A narrativa é construída de forma que a série seja como um diário da estudante. Sendo assim, as cenas são em grande parte narradas pela própria protagonista, além de construídas para que transmitam sentimentos genuínos a quem assiste. Ao fim de um diálogo com um novo personagem, por exemplo, IANOWT se dá a liberdade de deixar alguns segundos a mais de tela, para que o desconforto do silêncio seja passado para quem assiste.

Mas esses sentimentos podem ser transmitidos de uma forma muito mais direta nos momentos em que a personagem perde o controle. Os pensamentos transbordam a mente, em segundos o espectador é exposto a flashes de várias cenas passadas que percorrem a mente de Syd, até que ela chegue ao seu limite. O chão treme, paredes racham, coisas flutuam ou são jogadas para longe, as causalidades dos poderes da garota não são muito consistentes, mas são sempre instáveis e perigosas, assim como suas crises de pânico.

A diferença de Sydney para Eleven, de Stranger Things, é que os poderes aqui saem como num espirro, sem qualquer aviso ou premonição (Foto:Reprodução)

A relação entre os poderes e o desgoverno emocional da personagem é muito clara. Quando o sentimento é direcionado a alguém, essa pessoa se torna um alvo, se é algo puro ou voltado para si mesma, as consequências se manifestam no ambiente à sua volta e podem ser, literalmente, explosivas. Essas “habilidades”, no entanto, podem trabalhar contra a própria Syd, como quando suas paranoias tomam a forma de uma sombra que a persegue constantemente.

Se não com seus efeitos especiais, a série passa mensagens por meio das relações da colegial com aqueles no seu convívio. Desenhando diversas experiências de autodescobertas, a relação com a sua melhor amiga Dina (Sofia Bryant), por exemplo, é motor para a construção de autoconfiança e para a descoberta da sua sexualidade. Por outro lado, as cenas com sua mãe refletem muito do impacto que tem o luto como membro da família.

Com o suicídio do pai, prévio aos eventos da série, a casa se torna um espaço caótico, onde toda conversa vira discussão. A Mãe, sem saber como endereçar o assunto, simplesmente o ignora. A filha, deixada no escuro, não sabe lidar com a situação e coloca a culpa em tudo e em todos, incluindo ela, pelo acontecimento. O filho menor, pego no fogo cruzado, simplesmente tenta manter a paz entre as duas partes, sem muito sucesso. Toda essa situação é uma das formas que a série encontrou de mostrar o impacto que doenças como ansiedade e depressão, e suas consequências, têm nas relações com as pessoas mais próximas.

A exploração do ambiente da casa só melhora depois que a morte do pai é devidamente discutida e o assunto deixa de ser um tabu entre Syd e sua mãe (Foto: Reprodução)

Até a progressão da série segue a lógica de uma doença psiquiátrica. O pontapé cheio de conflitos, que se resolvem conforme se aproxima o fim da temporada mas, como qualquer doença, ela pode repentinamente piorar e a finale é exatamente essa recaída. Numa cena que presta homenagem ao filme Carrie: A Estranha (2013), a jovem tem sua sanidade levada ao limite e explode, sendo obrigada a fugir da escola coberta de sangue. É um novo fundo do poço, do qual vai partir um eventual segundo ano.

A série é tão bem construída que o fim da sua primeira temporada, além de ser um ótimo gancho para uma sequência, consegue impactar, mesmo que não seja exatamente surpreendente. As últimas cenas levantam diversas dúvidas, mas dão espaço para especulações e teorias bem fundamentadas. Isso pelo vício de IANOWT gostar de dar dicas do que está por vir no enredo através dos diálogos entre as personagens. 

Numa sequência de cenas angustiantes, o desfecho causa arrepios em quem assiste (Foto: Reprodução)

Fato é que com apenas sete episódios, totalizando pouco menos que duas horas e meia de duração, a série deixa quem assiste com vontade de ver mais sete, e mais sete e mais sete. A série não foi o estouro de popularidade de Stranger Things (provavelmente devido à ênfase no lado humano da personagem, no lugar de seu lado sobrenatural), mas apesar disso conseguiu cativar um público que anseia por uma continuação.

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