Melhores discos de Novembro e Dezembro/2019

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Qual o seu filme de natal preferido? (Warner Bros/Divulgação)

Gabriel Leite Ferreira e Leonardo Santana

O fim do ano se aproxima e, consequentemente, vão rareando os grandes lançamentos musicais. Talvez porque o foco da indústria nessa época seja outro, mas sempre tem boa música sendo lançada na pista. É o que revela a curadoria do último bimestre de 2019. Composta exclusivamente por artistas jovens, alguns em início de carreira, as escolhas demonstradas abaixo sinalizam para o que podemos esperar da música nos próximos anos. Boa leitura!

Amiri – O.N.F.K.

rap

O.N.F.K. é o primeiro disco cheio do paulistano Amiri, mas o rapper está longe de ser um novato. Na estrada desde 2012, ele destila toda sua experiência neste álbum que honra a tradição boom bap noventista com beats inventivos e (o mais importante) flows venenosos.

Desde a abertura “Não Mete o Louco (O Rei)” (“O plano era acabar só com alguns deles, mas eu sou ruim de conta”), Amiri apresenta suas armas com um flow ríspido – dá quase para sentir a cusparada. Preparado o terreno, vem as duas melhores faixas do álbum: a ambiciosa “Um Dia de Injúria / Pantera Preta”, uma peça de quase 10 minutos que metaforiza a luta diária contra o racismo através de um jovem chamado Rakim (referência ao rapper seminal dos Estados Unidos), toda a dor, a vontade de vingança e a posterior redenção; e “Se Eu Morresse Hoje” (“Eu não acho que eu vá morrer de velhice”), uma discussão acerca da saúde mental.

Dessas faixas em diante, Amiri suaviza sensivelmente o discurso sem prejudicar a qualidade do material. Mais destaques com a divertida “Eu Deixo um Salve” e a linda balada “Um Amor (Odara)”, que ecoa o Tyler, The Creator de Flower Boy. Olhos e ouvidos abertos; Amiri não irá embora tão cedo. (GF)


FKA twigs – MAGDALENE

pop, experimental

A música eletrônica pode ser, muitas vezes, tida como recurso que isenta as produções de alma e pessoalidade. Mas a cultura pop já é capaz de atestar que sintetizadores têm tanto poder de emular emoção e sensibilidade quanto violinos e violas, por exemplo. Kate Bush e Björk que o digam. FKA twigs junta-se ao time, usando de paisagens eletrônicas caóticas para dar vazão a suas confissões. Questões raciais se entrelaçam com tragédias pessoais, em um registro que é tão cru quanto analógico e nada menos que brilhante!

MAGDALENE é um registro concebido em camadas, que não exatamente se sobrepõem, mas se abraçam. Só assim pode-se entender o peso de passar pelo término de um relacionamento importante, sob os olhares atentos de uma imprensa racista e tendenciosa. twigs envolve, ainda, a narrativa de Maria de Madalena — dissociando-a de Jesus — para ilustrar suas angústias. É um disco bruto o bastante para soar único e complexo, mas seus temas são, em dada medida, universais e passíveis de identificação.

O destaque de qualquer uma das faixas seriam injusto, dado que a tracklist é impecável como um todo. Mas “holy terrain e “mirrored heart são produções que representam de maneira categórica as intenções de FKA aqui. Um clássico instantâneo. (LT)


Earl Sweatshirt – Feet of Clay

rap

Depois de lançar o melhor disco de 2018, Earl Sweatshirt se manteve relativamente quieto. Seu silêncio foi quebrado apenas no começo de novembro com Feet of Clay. Como apontou a resenha da Pitchfork, após Some Rap Songs Earl finalizou seu contrato com a Columbia e estava ansioso por fazer coisas mais arriscadas. O EP de 7 músicas e apenas 15 minutos cumpre essa ânsia, mantendo a fórmula sem refrões do disco anterior e aprofundando as letras metafóricas e beats letárgicos. Destaque para a tão irritante quanto grudenta “East” e para a gloriosa “El Toro Combo Meal”, com participação de MAVI. (GF)


Glória Groove – ALEGORIA EP

rap, funk

Não é de hoje que as drag queens ditam tendência no pop brasileiro. O fenômeno é único no mundo e chega a soar irônico, já que ocorre em um dos países mais LGBTQfóbicos do globo. Glória Groove prova, com seu novíssimo EP, que o sucesso vai além do apelo político. Alegoria une qualidade e talento, em um poderoso registro que sinaliza a constante evolução de um dos nomes mais populares da música tupiniquim.

O trabalho é inaugurado pela energética “MIL GRAU. As 150 batidas por minuto da faixa têm tudo para explodirem no próximo Carnaval, além de brincarem em um terreno já familiar na discografia da ex-Balão Mágico. A novidade surge nas produções seguintes: impossível não achar que Groove nasceu para o trap após a audição de “MAGENTA CA$H, uma afiada crítica à prática do pink money. Por sua vez, o raggae de “SEDANAPO” é melódico e agridoce, traço ainda pouco explorado pela drag. (LT)


Hannah Diamond – Reflections

pop

A aguardada estreia do protótipo de popstar da PC music Hannah Diamond chegou a nós em novembro. Após lançar uma série de singles elogiados entre 2013 e 2018, era de se esperar que o resultado de um full-length fosse satisfatório – e é o que Reflections entrega.

À exceção de “Concrete Angel”, praticamente não há bangers (e mesmo o cover de Gareth Emery não se encaixa propriamente na descrição). Em vez disso, faixas que se desenvolvem progressivamente, com calma. A sensação é a de entrar em uma pista de dança sob efeito de qualquer substância que desacelere o ambiente. Para comparar com outro disco da mesma seara, Reflections é sensivelmente menos eclético e explosivo que Charli, de Charli XCX. Bom para dançar lento ou curtir a bad debaixo dos cobertores enquanto rola feeds de redes sociais. (GF)


Harry Styles – Fine Line

rock, pop

Membro mais consistente da finada criação de Simon Cowell, Harry Styles vem aos poucos evoluindo sua estética nos últimos anos. Diálogos com o soft rock dos anos 70 e o visual à Bowie denunciam o caráter nostálgico de sua arte, que triunfa ao se inspirar em grandes nomes do passado para dizer a que veio. O discurso ainda não é definitivo — dada a pouca idade do cantor, talvez — mas com certeza rende bons frutos.

Reinam aqui as faixas que o público já conhecia, em especial a ensolarada “Adore You, que chegou acompanhada de um dos melhores vídeos do ano. Por sua vez, “She” lembra os momentos mais soturnos da carreira de Beck, ainda que sinalize um pé no pop radiofônico com o seu solo grandioso de guitarra. Continuamos à espera da identidade de Styles, mas as amostras que até agora recebemos indicam um futuro promissor. (LT)


KAYTRANADA – BUBBA

r&b, dance

Aos 45 do segundo tempo, KAYTRANADA provou que ainda dava tempo de se destacar em 2019 com um bom disco de R&B dançante. Mais sóbrio que em seu trabalho anterior, o aclamado 99,9% (2016) o DJ haitiano-canadense demonstra seu amadurecimento através de produções que conquistam pela sutileza e elegância. O alarde fica para as parcerias, que são muitas e bem-vindas. Por exemplo, a faixa “10%, que empresta os vocais sensuais de Kali Uchis, merece todo o hype recebido. (LT)


Tinashe – Songs For You

r&b, hip-hop

Já eram públicas as desavenças artísticas entre Tinashe e a RCA Records, selo que vinha distribuindo seu trabalho. Songs for You nasce após essa série de turbulências, que levaram ao fim do contrato com a gravadora. Dos males o menor: a independência cai muito bem à cantora americana. Natural que o ouvinte procure, nas letras, referências a esse período conturbado, mas o trabalho vai além. É amor, e soa como que à primeira vista.

São duas as matrizes que regem o álbum: o trap e o R&B. Entre gêneros já tão sedimentados na cena, pequenas experimentações vão encontrando espaço. “Stormy Weather” é hedonista na letra e surpreende na melodia. Enquanto isso, o single “Die A Little Bit” é pura perfeição afrobeat; e “Know Better, uma balada de quase 7 minutos sobre um amor fracassado mas que permanece ativo, é o centro emocional do disco: permite a associação com a desilusão de Tinashe com a gravadora, mas também funciona enquanto relato de um término. O quarto registro da americana faz sua mágica, para alegria de quem sabia que ela era capaz. (LT)

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