E finalmente 2017 acabou. Para jogar a pá de cal em cima de um dos anos mais bizarros e tensos da década, os registros que marcaram presença em nossas playlists de natal e virada do ano:
Charli XCX – Pop 2
bubblegum pop, pc music
A segunda mixtape da britânica em 2017 pode não soar tão consistente quanto o subestimado Number 1 Angel, mas seu lançamento surpresa no último mês ao menos parece ter chacoalhado a mídia especializada – que, ao incluir este disco nas famigeradas listas de melhores, parece ter assumido o erro de não reconhecer a cantora pop mainstream mais inquieta no ano (desculpe, Lorde).
A produção novamente ficou a cargo da PC Music, com sintetizadores açucarados e experimentos vocais (e tome alteração de pitch) dividindo espaço com batidas soturnas de trap. Entre as participações, a recém-queridinha indie Carly Rae Jepsen e Pabllo Vittar, maior destaque pop no mainstream nacional contemporâneo (desculpe, Anitta) acompanham XCX em mais um pacote de bangers pra embalar qualquer festa. (NV)
Croww – Prosthetics
pós-industrial
Difícil encontrar um registro mais patrício em 2017. A estreia do produtor de Manchester no selo The Death of Rave é um EP de menos de 15 minutos (faixa única no vinil, quatro partes separadas no arquivo digital), mas já basta para figurar entre os mais estranhos do ano.
Utilizando de um sample pack composto apenas pelos ruídos inseridos por Craig Jones (#5, 133, cabeça de espeto) no disco de estreia do Slipknot, Prosthetics cria uma narrativa insólita e, por incrível que pareça, extremamente viciante. Ao mesmo tempo, esclarece de forma bem prática a função do sampler no noneto de Iowa (um questionamento constante, tanto de detratores como fãs) e, ainda que em traços inusitados, joga novos holofotes sobre o legado polêmico do grupo. (NV)
Equiknoxx – Colón Man
dancehall
Ao final do segundo tempo de um ano caprichado para a música eletrônica, eis que surge Colón Man, o segundo disco do coletivo jamaicano Equiknoxx. Baseados em batidas orgânicas (que foi amplamente coberto pelo Persona, como DJ Sports e Talaboman), Colón Man ultrapassa esse modelo e traz o que é difícil para a vertente: um disco revigorante, dançante e extremamente criativo.
Com seu tempo controlado por sons da natureza ou tecnológicos, como “Kareece Put Some Thread In A Zip Lock” e “Enter A Raffle Win A Falafel”, Colón Man nos transporta para uma selva high tech imersa em rituais e lendas jamaicanas. Suas batidas hipnóticas carimbam um dos discos mais criativos do ano e com um grande senso de humor que, em tempo, faltou às produções desse ano (AA).
Gucci Mane – El Gato: Human Glacier
Somente pela capa a mixtape mais recente de Gucci Mane já merecia estar em qualquer lista. Sério. Geleiras com o rosto do rapper são a melhor forma já inventada de difundir a conscientização sobre o aquecimento global. Mas Human Glacier tem mais a oferecer. Se não rolam os feats gigantescos de Mr. Davis (não rola nenhum feat na real) a produção de Southside remetem às mixtapes antigas de Gucci, o nome mais longevo do trap. (MF)
Jon Brion – Lady Bird
trilha sonora, pop barroco, etc
Assim como o longa de Greta Gerwig, o fundo musical do experiente Jon Brion (com Magnólia e Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças no currículo) é marcado pela duração breve: fora das telonas, a trilha original tem apenas 27 minutos.
Também não prima pela inovação, e aposta em explorar os detalhes certos de uma receita conhecida por cinéfilos e audiófilos. As pontuações orquestrais de Brion são sucintas, e seu impressionismo emocional faz com que as composições funcionem sozinhas. Se você é fã dos arranjos barrocos de nomes como Sufjan Stevens e Beach Boys, corra ouvir e aumente suas expectativas para o filme que quebrou recordes no Rotten Tomatoes. (NV)
Morbid Angel – Kingdoms Disdained
death metal
Seis anos após o polêmico Illud Divinum Insanus (2011), trucidado por fãs e renegado pelos envolvidos no disco, o quarteto seminal do death metal da Flórida surge renovado – curiosamente, com o “frontman b” Steve Tucker de volta (embora consistente, sua fase com a banda não é unanimidade entre os fanáticos pelo Morbid Angel).
Os riffs do fundador Trey Azagthoth estão mais atonais que nunca, e o jovem baterista Scott Fuller injeta novo vigor ao grupo. Se Kingdoms Disdained não é um novo Altars of Madness (1989), ao menos cumpre a função de mostrar que o Morbid Angel ainda tem o que oferecer. (NV)
Prurient – Rainbow Mirror
noise, música ambiente
O incansável Dominick Fernow não poderia encerrar o ano sem lançar algo (na ativa com o Prurient há 20 anos, sua discografia conta com mais de 70 álbuns de estúdio). Aos 45 do segundo tempo, ele então nos entrega Rainbow Mirror, registro dividido em 4 discos e com mais de 3 horas de duração.
Embora impenetrável no papel, o trabalho é surpreendentemente marcante para sua natureza tão dantesca. As tradicionais rajadas de barulho ficam mais contidas, e o que predomina são longas ambientações, perfeitas para aqueles dias em que você se sente deslocado de tudo. Pra quem pretende trocar a praia por um quarto fechado nas férias, não há trilha melhor. (NV)
Travis Scott & Quavo – Huncho Jack, Jack Huncho
hip-hop
Em 2017, poucos nomes apareceram tanto no mainstream do pop quanto Travis Scott e Quavo. O primeiro em colaborações com SZA e 2 Chainz, o segundo com Gucci Mane, DJ Khaled e Katy Perry. Juntos, os dois foram responsáveis por hits onipresentes, como “Portland”, do Drake, e “Know No Better”, do Major Lazer, com a ex-Fifth Harmony Camila Cabello.
Huncho Jack finaliza o ano unindo os dois rappers em um disco que, se não atinge o mesmo nível de outras collabs como Without Warning, tem bangers incontestáveis como “Modern Slavery” e “Saint”. Em 2018, com a chegada prometida de Culture 2 e Astroworld, os dois rappers vão continuar dominando cada vez mais o jogo. (MF)
V/A – Diggin’ In The Carts, A Collection Of Pioneering Japanese Video Game Music
video game music
O documentário revolucionário sobre o impacto das trilhas dos games na música eletrônica foi transformado em uma compilação pela gravadora Hyperdub. As 34 faixas da era dos chips selecionadas por Kode9 e Nick Dwyer fogem dos jogos óbvios, oferecendo um amplo panorama sobre a história dos dois meios, além de uma ótima fonte pra continuar o legado dos samples de games. (MF)
Yasuaki Shimizu – Kakashi
art pop
Clássico cult redescoberto pelas recomendações algorítmicas do Youtube e por sua capa curiosa, o disco de 1982 do saxofonista japonês Yasuaki Shimizu recebe uma merecida reissue pela gravadora Palto Flats, que já havia relançado o disco “Utakata no Hibi”, de sua banda Mariah, além de “Through the Looking Glass”, de Midori Takada, outro disco importante japonês do mesmo período.
Para além da tendência de vasculhar o passado em busca de gemas perdidas, Kakashi é um disco único, combinando o new wave, o jazz e o pop japonês, que merece ser ouvido. (MF)