Vitória Gomez
Em um dia cinza, uma trabalhadora de um supermercado é demitida por furtar uma refeição vencida, que iria para o lixo. Pouca diferença faz, já que um serviço tão mecânico poderia ser melhor aplicado em qualquer outro lugar. Na mesma cidade, mas aparentemente sem conexão nenhuma, um homem alcoólatra é dispensado por beber no trabalho. Para ele, a mesma coisa: com exceção do salário no fim do mês, pouco importa. É nesse cenário de desilusão e desesperança total que ambos se encontram, e Folhas de Outono mostra que é possível fazer comédia romântica sem nenhuma paixão ou graça.
Presente na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e no Festival de Cannes, o longa do finlandês Aki Kaurismäki parte de um lugar comum: uma demissão – ou melhor, duas demissões. No entanto, com a constante frieza do trabalho assombrando o dia a dia, as risadas se fazem no absurdo e na solidão compartilhada entre dois protagonistas que igualmente buscam por conexão humana (ou animal) em meio a um cotidiano de sobrevivência.
O rádio toca notícias da guerra na Ucrânia, dois elementos quase contraditórios. No primeiro encontro de Ansa (Alma Pöysti) e Holappa (Jussi Vatanen), os dois assistem a Os Mortos não Morrem, de 2019, e a ex-atendente de mercado anota seu número de celular em um pedaço de papel para dar ao alcoólatra. Depois, ela procura emprego em uma lan house. Para além dessa sequência de elementos, Fallen Leaves parece existir em uma realidade semelhante à nossa, mas que não é exatamente igual. Com um design de produção que mistura o vintage a referências contemporâneas, o longa cria um tempo próprio, ao passo que se mostra universal e atemporal.
Isso porque o trabalho e a solidão não são experiências individuais. Se a Finlândia foi eleita o país mais feliz do mundo, o cenário em que as vidas de Ansa e Holappa se cruzam são tudo, menos repletas de felicidade. Na verdade, a ânsia de ambos por conexão ultrapassa o limite da tela e contamina o espectador, rendendo risadas a partir de diálogos absurdos, que nem de longe seriam ideias para dois protagonistas interessados um no outro. O afeto não existe, muito menos a paixão, mas a vontade de que o casal ache alento em meio a um cotidiano cinza prevalece.
Nisso, Alma Pöysti e Jussi Vatanen têm grande parte. O casal protagonista encara o marasmo do dia a dia sem um sorriso no rosto e demonstra interesse um pelo outro em gestos quase despercebidos. Em alguns momentos, como quando Holappa está em coma no hospital e acorda sem sequer mudar de expressão após um beijo de Ansa, é possível sentir o humor despontando da ausência e do distanciamento. Se os finlandeses são conhecidos pela racionalidade e frieza, Folhas de Outono parece zombar disso, mas sem fazer nada para mudar essa percepção.
Inclusive, além da atuação, é a junção da direção e do roteiro do veterano Aki Kaurismäki com a fotografia de Timo Salminen que extrai o cômico do rotineiro. Desde a técnica sóbria do filme, destacando cenários cinzentos e repletos de outras pessoas igualmente solitárias, até a falta de expressividade e dureza na entrega das falas dos atores, toda a aura da obra corrobora com o ar de desesperança. Curiosamente, é o absurdo do contraste entre essa frieza à necessidade de quebrá-la que rendem os momentos mais encantadores e, para uma sessão lotada da 47ª Mostra de São Paulo, altas risadas.
Ao final, Fallen Leaves mostra que o romance, assim como a comédia, vem do corriqueiro. Se o dia a dia é repetitivo, o longa aproveita dessa constância para crescer nos momentos de quebra de rotina e expectativa, arrancando, no mínimo, surpresa. Abocanhando cinco indicações no European Film Awards, importante premiação do Cinema europeu, a obra caminha na direção oposta da dramaticidade e destitui da paixão o que ela realmente é: busca por conexão.