Vitória Silva
O começo é o fim….
Um dos primeiros contatos do cinema com viagem no tempo foi na trilogia De Volta Para O Futuro, lançada em 1985, e, com o passar do tempo, novas produções como Efeito Borboleta, Donnie Darko e Vingadores: Ultimato foram surgindo. Essa temática pode ser considerada um dos assuntos mais utilizados em produções de ficção científica. Apesar das diferentes abordagens, a reviravolta em grande parte das narrativas parece ser sempre a mesma: provocar alterações no passado geram consequências no futuro. E, por muito tempo, pode ter se pensado que essa era uma das únicas maneiras de se criar histórias sobre viagem no tempo, até o surgimento de Dark.
Lançada em 2017 pela Netflix, a série alemã começa no sumiço do jovem Erik Obendorf (Paul Radom) na província da fictícia Winden. A partir deste acontecimento, um grupo de amigos composto por Jonas (Louis Hofmann), Bartosz (Paul Lux), Franziska (Gina Stiebitz), e os irmãos Martha (Lisa Vicari), Magnus (Moritz Jahn) e Mikkel (Daan Lennard) se reúnem na floresta para encontrar drogas escondidas pelo desaparecido. Nessa mesma noite, coisas estranhas acontecem e o pequeno Mikkel acaba sumindo também. Mas, o que parece ser apenas mais uma narrativa sobre mistérios, se torna algo muito maior.
“A diferença entre passado, presente e futuro é somente uma persistente ilusão” a citação de Albert Einstein, que dá início ao primeiro episódio da série, define de forma sutil todo o enredo da trama. Os criadores Baran bo Odar e Jantje Friese abandonam todas as convicções comuns que temos sobre viagens no tempo e, baseados no Paradoxo de Bootstrap, nos apresentam uma visão inovadora sobre o tema: o futuro também altera o passado.
Mesmo que de início aparente ser centrada na figura do personagem Jonas, Dark revela, ao longo de sua primeira temporada, seus verdadeiros protagonistas, que são as famílias Nielsen, Kahnwald, Tiedemann e Doppler. É em torno delas que os diversos acontecimentos envolvendo o presente, o passado e o futuro se dão, unindo-os numa espécie de “nó temporal” (como é chamado na própria série).
Do lado contrário destas famílias, temos o antagonista da série: o tempo. É ele o grande responsável por desenrolar acontecimentos que acabam travando uma luta entre aqueles que tentam o controlar, onde Adam (Dietrich Hollinderbäumer) e Claudia (Lisa Kreuzer) ocupam lados opostos. Em meio a esse conflito, também existe a tentativa de impedir (ou permitir) o apocalipse, que irá acontecer no dia 27 de junho de 2020.
…..e o fim é o começo.
Disponibilizada, curiosamente, no dia 27 de junho, a 3ª temporada se inicia segundos depois do apocalipse, quando nos deparamos com a entrada de uma “nova Martha” em cena. Como se viagens no tempo já não fossem o suficiente, Dark introduz agora a existência de um mundo alternativo.
Por mais que os primeiros episódios do novo ano sejam um tanto maçantes por apresentarem todos os acontecimentos paralelos nesse novo mundo, com constantes e variáveis na vida dos habitantes de Winden, todo esse desenvolvimento é necessário para unir as pontas da trama. E Baran bo Odar, que também é diretor da série, tem um cuidado especial com a fotografia, além de utilizar técnicas de espelhamento para que uma realidade possa se diferenciar da outra.
O desenvolvimento do início da temporada não apresenta muitas novidades para a narrativa, e se preocupa apenas em trazer respostas para histórias em aberto, como a origem da organização Sic Mundus, o nascimento de Agnes (Antje Traue) e Noah (Mark Waschke) e os pais de Charlotte (Karoline Eichhorn). O fechamento de todas essas tramas finalmente mostra a ligação entre as quatro famílias e a origem de todos os problemas temporais, que não poderia ter relação a outros personagens se não Jonas e Martha.
Com isso, o ano final da série conclui o ciclo desenvolvido em suas duas primeiras temporadas, se mantendo coerente com a relação estabelecida entre futuro e passado até o último capítulo. Por mais que algumas dessas conclusões já tenham sido previstas, Dark ainda consegue surpreender com seu desfecho e não subestima seus admiradores ao deixar algumas pontas em aberto para a criação de novas teorias.
Essa progressão não é vista apenas na narrativa em si, mas também em seus personagens. Além da escolha de elenco impecável, com atores extremamente parecidos com suas versões de outras épocas, a evolução dos componentes da trama ao longo das temporadas é notória, conseguimos entender suas motivações e estabelecer uma relação de empatia com suas histórias.
Aqueles que, de início, pareciam ser o foco principal dão lugar para outros. O romance já cansativo entre Jonas e Martha abre espaço para a relação entre Hanno (Max Schimmelpfennig) e Elisabeth (Carlotta von Falkenhayn), que protagoniza um dos momentos mais aflitos da série no episódio Vida e Morte. O arco de Mikkel já não é mais tão relevante, e somos apresentados à trajetória de outras personagens, como Hannah (Maja Schöne) e Katharina (Jördis Triebel), com ações cruciais para o desenrolar da trama.
O destaque da temporada, mais uma vez, fica a cargo de Claudia Tiedemann (Julika Jenkins). A viajante do tempo se concretiza, de fato, como a figura mais importante (e a mais inteligente) na “guerra contra o tempo”. Com camadas muito bem construídas e um objetivo definido, Claudia age de forma engenhosa e apresenta o maior plot da série, nos mobilizando a desejar nada mais que seu merecido final feliz.
Em seu último ano, Dark se consagra como um marco nas produções de ficção científica, além de dar um exemplo de narrativa bem trabalhada e que sabe a hora de parar. Não à toa foi eleita a melhor série original da Netflix em votação organizada pelo site Rotten Tomatoes (contabilizando 2,5 milhões de votos), ultrapassando nomes como Stranger Things, Black Mirror e Peaky Blinders.
A produção alemã inova na temática sobre viagem de tempo com uma história totalmente original, conseguindo unir o gênero a diversos simbolismos, questões filosóficas e referências bíblicas, que se mostram muito importantes para sua composição. A cena final da série é um alívio para aqueles que a acompanham, em que encerra todos os conflitos temporais da forma mais acolhedora e justa possível. Finalmente chegamos ao fim, que também é o início de algo novo. Chegamos ao paraíso.