Black Mirror volta mais apática que em temporada anterior

Nova temporada, lançada no dia 29 de dezembro, volta com perspectivas cada vez mais pessimistas quanto ao uso da tecnologia

Guilherme Hansen

A quarta temporada de Black Mirror estreou no dia 29 de dezembro, a última sexta-feira de 2017. Naturalmente, as expectativas do público eram altas devido aos episódios de ótima qualidade apresentados nas temporadas anteriores. De cara, já é possível dizer que os novos episódios reiteram a visão negativa do uso da tecnologia pelo homem.

Embora o autor Charlie Brooker afirme que a proposta da série não é essa e se diga frustrado quando referem-se à série desta maneira, de robôs que se voltam contra humanos a pais que monitoram excessivamente os filhos, houve um predomínio de histórias nas quais o bônus de uma sociedade computadorizada não compensa o ônus de personagens prejudicadas pela evolução tecnológica.

Os aspectos visuais da série são de encher os olhos e na nova temporada não foi diferente. Isso é visto logo o primeiro episódio, “USS Callister”. Diretamente inspirada em Star Trek, Robert Daly, um gênio da computação cria um jogo de videogame no qual ele é o chefe da tripulação, através da coleta de DNA de seus colegas de trabalho. Só que como no mundo real ele é tratado com desdém, neste mundo paralelo, ele comanda seus empregados de maneira despótica. O episódio, que tem outras referências, pode se transformar em spin-off em um futuro próximo.

Referências a outras produções como Star Wars estão presentes em “USS Callister”. A cena em que Nanette Cole acorda no Callister remete à Rogue One, por meio de uma cena excluída do filme

Outro acerto é a trilha sonora. Black Mirror contém um excelente fundo musical, que transmite o suspense necessário para a obra. Um destaque vai para “Metalhead”. Nos momentos em que os protagonistas do episódio confrontam o cão destinado a matá-los, a expectativa de que algo ruim acontecerá a qualquer momento está presente. Em vários momentos, as músicas incidentais lembram as trilhas dos filmes de Alfred Hitchcock, sobretudo Psicose, o que é intensificado pelo episódio ser todo em preto e branco.

Aliás, não é segredo que a série se inspira em grandes obras que propõem um mundo distópico. Um exemplo é o clássico livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, isso porque o retrato da sociedade “perfeita” que não é ensinada a pensar e questionar o sistema aparece na série. Em “Hang the DJ”, Frank e Amy, ao perceberem que querem ser felizes juntos, burlam o sistema de pares perfeitos e decidem fugir do mundo de plástico que lhes era destinado. Vale ressaltar a estética do episódio, com uma paleta de cores que ajuda a contar a história do mesmo.

“Hang the DJ” apresenta parte do episódio com uma estrutura visual com tons azul e amarelo, indicando um ambiente solar, propício para que o Frank e Mia “se entendessem”

Se na terceira temporada vimos histórias com mais sutileza e capricho na apresentação da trama, nesta as histórias foram contadas muito mais rapidamente. Na maioria dos episódios, o espectador mal tem tempo para conhecer os protagonistas e entender o que acontecia com eles. Isso é uma perda, pois fica mais difícil ter empatia pelos personagens e se empolgar com os enredos. Episódios populares do terceiro ano como “Shut up and dance”, “Nosedive” e o aclamado “San Junipero” foram mais detalhistas na narração de suas histórias.

O que também prejudicou esta temporada de Black Mirror foram os próprios roteiros. Em “Arkangel”, dirigido por Jodie Foster, apesar da interessante crítica social para pais que superprotegem seus filhos, o desenvolvimento do episódio, além de muito previsível, é piegas em certos momentos – uma mãe pedindo para o namorado da filha terminar o namoro parece com uma daquelas milhares de histórias de novelas da Globo. Outro exemplo é “Crocodile”, que tem um enredo arrastado e com alguns clichês.

Dos seis episódios dessa temporada, vale destacar “Black Museum”. Ao flertar com o universo bizarro (ou não), este é um dos episódios “Black Mirror raiz” e um dos – senão o único – poucos da temporada que realmente contagia o público. Ao abordar conceitos como dor e prazer, tão presentes no ser humano, a apresentação gradual de Rolo Haynes explica porque ele merece ser vingado pelos danos que causou aos outros. Vale destacar as referências à própria série presentes no episódio, além de easter eggs vindos da própria temporada – portanto, realmente é recomendável deixá-lo para assistir por último.

Em Black Museum, há uma referência explícita a “White Bear”, através de uma estátua de cera do antagonista do episódio

Apesar de pontos positivos, a quarta temporada de Black Mirror deixou a desejar quanto à apresentação de histórias empolgantes, embora com bons paralelos ao que vemos na sociedade. Resta esperar que, no próximo ano, esses erros sejam corrigidos para que seus episódios mobilizem mais o público, já acostumado com um alto padrão nos roteiros.

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