Em Ctrl (Deluxe), SZA prova que é sempre possível melhorar

Capa do álbum CTRL (Deluxe): Uma imagem da cantora SZA, uma mulher negra, jovem e de cabelos pretos, encaracolados e longos. Ela está sentada com sua mão esquerda no chão atrás e outra em seu joelho.Está vestindo um body branco por baixo de uma jaqueta branca. Também tênis e meias brancas curtas. Ao fundo vemos um gramado e vários computadores velhos em volta dela.
Ctrl (Deluxe) foi lançado em comemoração ao 5° aniversário de seu debut [Foto: RCA Records]
Henrique Marinhos

No meio de 2022, antes de lançar o então recente SOS, Solána Rowe comemorou os 5 anos de Ctrl, seu potente trabalho de estreia. Em meio às festividades, SZA impressionou novamente ao lançar, em 9 de junho, a versão deluxe do CD, provando que mesmo em obras aclamadas ainda há como melhorar. Relembrando um dos melhores álbuns de 2017, sua nova versão é composta por mais sete faixas até então inéditas, trazendo uma completude ao álbum como se sempre estivessem ali, prolongando a melancólica experiência de R&B que deu tão certo meia década atrás.

Antes de liberar Ctrl, seu mais íntimo e primeiro disco, após o lançamento do EP Z (2014), SZA se distanciou das produções autorais para focar em seu trabalho como compositora, sendo co-escritora de Feeling Myself, parceria entre Beyoncé e Nicki Minaj, além de Consideration, escrita para Rihanna em 2016. No ano seguinte ao seu debut, o álbum conquistou cinco indicações ao Grammy, incluindo Melhor Álbum Urbano Contemporâneo e Melhor Artista Revelação. Pela faixa intitulada The Weekend, recebeu a indicação de Melhor Performance de R&B, e por Love Galore, canção com Travis Scott, a indicação de Melhor Performance de Rap/Sung. Supermodel, faixa de abertura de Ctrl, rendeu a indicação de Melhor Canção de R&B.

“Este é só um presente para o ‘camp’ Ctrl. Nada mais nada menos. Se você é da família você entende. 5 anos é muito tempo. Obrigado por mudar minha vida. Amo vocês. Feliz aniversário 🤍”

Foto da Cantora SZA, uma mulher negra, jovem com cabelos amarelos, lisos e longos. Ela está cantando com um microfone em sua mão esquerda e estendendo sua mão direita aberta ao público. Ao fundo, um telão de um palco com estrelas verdes e vermelhas.
Em 2018, SZA ganhou um prêmio na Billboard Music Awards como Melhor Artista Feminina R&B (Foto: Kevin Mazur)

É de um consenso absurdo a intimidade que Ctrl traz, das canções mais longas aos interlúdios. SZA realizou um trabalho completo, como se abrisse seu diário e seu coração a nós. Trazendo R&B, soul, Música Eletrônica, indie e hip-hop, seu debut não surpreende ao ter sido indicado a tantos prêmios, além de justificar plenamente sua permanência por 270 semanas na Billboard 200. Em entrevista à Apple Music, ela relatou que realizou um sonho de infância ao escrever Supermodel junto a Pharrell Williams, e celebrou sua finalização. A faixa é uma carta direta a alguém que ela precisa, revelando toda sua necessidade e apego em versos que dizem: “Por que não consigo ficar sozinha comigo mesma?/Queria estar confortável só comigo/Mas preciso de você”.

Já a segunda canção do disco, intitulada Love Galore, foi feita em parceria com Travis Scott, artista que SZA colaborou também em Power is Power, canção que integra o álbum For The Throne (Music Inspired by the HBO Series Game of Thrones). Na faixa de 2017, ela questiona seu amor sobre os motivos que o fazem recorrer a ela, já que possui outra mulher. Mas, além disso, suas letras conversam com a calma melodia e batidas clássicas do R&B sobre a importância de amar tanto quanto conseguimos: “Love long as we got”. Ao término, SZA finaliza com uma das várias interações que realiza com a mãe ao telefone, a alertando para falar por si mesma e não permitindo que a tomem como idiota.

Em entrevista ao The Guardian, a artista revelou que, devido a intimidade exposta nas letras de Ctrl, sua mãe provavelmente se sente mortificada, mas ainda assim a ama demais. Em comparação com o seu disco, ela completa com uma fala de sua mãe, referindo-se ao trabalho de Beyoncé: “Sinto-me nua ao ouvir o seu álbum. Sinto que há coisas que não se devem dizer ao mundo. Trata-se de um provável sentimento compartilhado com milhares de pessoas, e que, talvez, não expresse suas opiniões sobre o álbum da filha.

Na produção, SZA demonstra uma aberta e dolorosa experiência na qual revela que nunca esteve no controle e que precisa disso de maneira geral. Seu trabalho não é específico, mas sim uma carta aberta a todas as suas relações interpessoais. A cantora relaciona, em muitos momentos, a rigidez de seus pais e o controle que tiveram sobre si, além de crescer em uma família estritamente religiosa. Solana acrescenta que os progenitores eram rigorosos, mas que ela simplesmente não se importava pois “era descolada”, se distanciando de seu pai e de suas origens muçulmanas ainda na adolescência.

Imagem da cantora SZA, uma mulher negra, jovem de cabelos encaracolados e longos. Ao centro da imagem, a cantora está com a cabeça encostada ao ombro esquerdo segurando um microfone em sua mão direita. Está vestindo um top vermelho e azul com detalhes circulares e uma luva longa. Além de suspensórios que seguram sua calça. Ao seu lado estão duas mulheres negras, de cabelos presos em formato rabo de cavalo, estão vestidas de branco a altura do busto. Ao fundo várias plantas e luzes artificiais.
SZA é um acrônimo formado a partir das palavras Savior (salvador), Zigue-Zague (do conhecimento à sabedoria) e Alá, a partir do alfabeto supremo [Foto: SZA]
Na canção Drew Barrymore, a qual SZA revelou em entrevista ao USA Today que se tratava de uma referência a protagonista de Santa Clarita Diet (2017), há o escracho e a sensação de estar em uma festa desagradável na sua casa, repleta de pessoas que a deixam insegura. Como os papéis de Barrymore, a cantora vislumbra nessa garota mal interpretada e gentil que só quer ser amada. “Por que é tão difícil aceitar que a festa acabou?”, canta SZA na letra.

Seguindo em Doves In the Wind, colaboração com Kendrick Lamar lançada horas antes do álbum ser disponibilizado, a combinação dos artistas prova seu peso e relevância. O sucesso se repetiu um ano depois, em 2018, com a faixa All the Stars, que integrou a trilha sonora de Pantera Negra e alcançou dois certificados de platina nos Estados Unidos. Nesse terceiro single, a cantora rebate versos românticos com Kendrick e a produção de seu clipe oficial, por Cam O’bi, a faz flutuar no surrealismo de lutas ao estilo Mortal Kombat, potencializando as relações conturbadas que ela mostra ao longo do projeto.

Prom e The Weekend, por sua vez, mostram a cantora ainda dedicada ao amor, suplicando paciência e prometendo melhorar, tentando entender suas dores e atitudes, e calorosamente aceitando as condições impostas a ela. Nos populares versos da 6ª canção do disco, cinco vezes certificada como platina nos Estados Unidos, SZA entoa: “Meu homem é meu homem/É seu homem/Ouvi dizer que é o homem dela também/Terça e Quarta, Quinta e Sexta/Eu apenas o mantenho satisfeito durante o fim de semana.

Ctrl segue com a faixa Go Gina, se distanciando da premissa do resto do álbum – dessa vez por expor desejos e ambições que não necessariamente são verdadeiros. Admitindo culpa em Garden (Say It Like That), seu quinto e último single que, novamente, inclui um diálogo ao fim. Em Broken Clocks, SZA leva um dia de cada vez. “Que hoje seja melhor que ontem”, canta.

Uma imagem da cantora SZA, uma mulher negra, jovem e de cabelos pretos, encaracolados e longos. Ela está com duas mãos e um pé no chão de ponta cabeça. Seu sua outra perna está levantada acima de seu corpo.Está vestindo um body branco e sua jaqueta branca está jogada no chão. Em seus pés estão meias brancas. Ao fundo vemos um gramado e vários computadores velhos em volta dela. E o Sol refletindo na cantora.
No colegial, SZA era ginasta e não tinha planos de se tornar cantora (Foto: RCA Records)

Voltando a ter si mesma como foco e pensando se talvez em outra dimensão as coisas fossem diferentes, Anything traz uma lição, cantada no verso “Você sabe ao menos se eu estou viva?”. Wavy (Interlude) [feat. James Fauntleroy], o único interlúdio do álbum, mantém uma melodia animada, que contrasta com a brutal honestidade das letras: “Dê aquilo que você recebe/Perdoe tanto quanto você odeia/Ou dê o fora/Eu estive em um abrigo/Procurando uma saída.

Na sequência, SZA sonha em ser o tipo de garota que apresentariam aos pais e amigos: uma garota normal. Finalizando a primeira versão de seu álbum com calmas melodias, Pretty Little Birds (feat. Isaiah Rashad) e 20 Something se envolvem em versos sobre sua atual fase: uma mulher apaixonada, que como um “lindo passarinho” acerta a janela em algumas tentativas e deseja voar ao céu. Na canção, na verdade, SZA apresenta sua vulnerabilidade em uma das faixas mais sentimentais como compositora, considerando o falecimento de sua avó pouco tempo depois de seu lançamento. Novamente, finaliza com uma ligação entre ela e sua mãe.

Ao fim de sua primeira versão e com dificuldade de escolher entre 150 e 200 músicas, a artista só lançou Ctrl porque sua gravadora tirou seu HD, já que era tão criteriosa: “Eu faço freestyle em tudo, em todo processo. E eu escuto e penso, que merda é essa? E se algo estiver muito ruim eu não posso colocar meu dedo nisso, e eu penso, uau, isso é uma droga, então eu fico muito frustrada, e geralmente descarto a música”, disse a cantora em entrevista à Genius.

“Músicas inéditas de 2017 para celebrar 5… eu acho”

A versão Deluxe do álbum tem como primeira faixa adicional uma versão alternativa da faixa Love Galore, intitulada Love Galore (Alt Version). Basicamente, a cantora substitui os versos de Travis na canção original por outros versos autorais, mas ainda mantém sua voz em algumas partes da faixa. A substituição das linhas principais é abrupta, principalmente aos acostumados com a faixa original, mas de maneira alguma escapam da música em si, tanto em melodia quanto em sua letra. Vez que a visão que Travis encenava mostravam a partir de seu ponto de vista sexual sobre sua relação, enquanto os versos de SZA admitem que ela realmente o induziu e por isso o deixou seu ego inflar o deixando sair com os amigos. “Mas você fica excitado e eu amo isso/Então eu deixo você segurar um pouco/Saia com seus amigos, eleve seu ego’’.

Em seguida com 2AM, a cantora atribui totalmente o significado de sentimentos de madrugada aos versos e a desesperadora calma da melodia, explicitando a falta que seu parceiro faz na cama, toda a complexidade e pensamentos avulsos que facilmente se transformam em mensagens apagadas pela manhã. Confissões que logo deixarão de fazer sentido, mas que às 2 da manhã nos dominam completamente: “por que você  nunca vem me ver?”. A faixa também conta com uma segunda parte em outro ritmo, que a exonera da culpa de precisar dele e seguem em uma animada melodia de R&B que o questiona se ele a vê e precisa dela da mesma forma.

Uma imagem da cantora SZA, uma mulher negra, jovem e de cabelos verdes, lisos e longos. Ela está agaichada, com uma das mão em sua boca enquanto olha para baixo e apoia seu cotovelo em sua perna esquerda. Ela esta vestindo um tênis branco, calça preta e uma camiseta branca. Em sua mão direita, está apoiando um quadro no chão que contém o certificado de platina de seu álbum CTRL. A capa acima e um disco de vinil em platina abaixo.
Ctrl, além de uma tecla, significa controle, e é o que SZA admite não ter em seu álbum, seguindo uma trajetória de amadurecimento ao lidar com isso (Foto: SZA/RCA Records)

Ainda que não tenham “Interlude” no nome, como em Wavy (Interlude) [feat. James Fauntleroy], as faixas seguintes são as mais curtas entre as novas adicionadas. Em Miles, de 1:09 minutos, a cantora reflete novamente a decorrência do tempo sem sua vida, como fez em Broken Clocks, mas, dessa vez, associa sua maturidade ao passar do tempo. Ele não para, mas ela ainda tem medo de seguir em frente e continuar como ele, e gostaria de ser mais madura em relação a isso. A faixa é calma e introduz a próxima canção de maneira majestosa e paciente.

Em Percolator, outra faixa de curta duração, as coisas são diferentes de Miles. Com um tom parecido com Wavy, a canção segue ritmos mais agitados com os desejos de aproveitar o tempo com seu parceiro, com SZA ainda expressando que quer manter seu emocional seguro, não levando as coisas rápido demais mas mantendo a esperança. É notável que as letras do álbum começam a focar mais nas perspectivas, desejos e reflexões da artista, em vez de suas agonias e problemas. Com o tempo (ao decorrer do CD), sua sutil maturidade se desenvolve gradualmente, e, como também na vida real, pode regredir em algum momento.

Tratando da regressão, Tread Carefully começa com suas novas decisões e atitudes, aceitando novamente que as coisas estão fora de seu controle enquanto progridem. Com novas urgências e prioridades, SZA aponta os estranhamentos de seu parceiro quanto ao cenário que tinham se acostumado, e, mantendo o ritmo, logo volta ao que era anteriormente. Antes que possamos perceber, seus versos seguem de “Tenho diferentes urgências agora/Com medo de ver minha vida ir pelo ralo/Não posso deixar que esteja você no meu caminho, então eu ando com cuidado […]”, para estou vivendo e eu gosto disso/Estamos presos no sentimento/Nunca tendo ninguém”.

SZA admite que mesmo que as coisas mudem, tudo bem que haja recaídas; de certa forma, são inevitáveis, atestando novamente que a busca por controle é interminável. Mas, ao amadurecer, ainda que os problemas estejam fora de suas mãos, as mudanças que carregamos nos permitem lidar melhor, e, ao fim, aproveitar mais a vida.

Nela, tudo aquilo que se complica, que passa de uma amizade e, em algum momento, simplesmente fica estranho e desconfortável, é retratado. Seus versos dizem o que queremos dizer, mas que talvez não tenhamos coragem: “Vamos deixar estranho/Acho que estamos prontos pra isso/Sei que eu estou pronta/Ainda podemos nos amar?”. Tudo que SZA expressou emplaca naquilo que é o não dito. O desconfortável. É isso que torna o disco uma das obras mais pessoais e aclamadas do R&B. Assim como sua mãe, nos sentimos incomodados com tudo que é falado, mas, ainda assim, há uma sensação boa. A sinceridade de Ctrl (Deluxe) é libertadora.

Uma imagem da cantora SZA, uma mulher negra, jovem e de cabelos pretos, encaracolados e longos, com duas tranças a frente. Ela está sorrindo. Em seu rosto estão duas lágrimas douradas abaixo do seu olho esquerdo e em sua cabeça adereços que se assemelham a coroas angelicais e estrelas douradas. Ao fundo estão vários fotógrafos com câmeras apontadas para a cantora.
Após mais de 5 anos de espera, seus fãs criaram várias versões não oficiais do próximo trabalho da cantora, como os próximos álbuns sendo Alt e Del, como o atalho Ctrl + Alt + Del (Foto: Dia Dipasupil)

Por fim, Jodie encerra o álbum reafirmando a passagem de tempo que é a vida, com uma analogia à queima de um cigarro que um dia chega ao fim. “Dias ao vento/Árvores ao vento/Queime e passe. Injusta, a vida a faz questionar: “Por que eu?”. Sentimentos que talvez todos já tenhamos sentido, além da sensação de preferir estar presa do que começar mais uma semana, quando, na verdade, já estaria realmente presa em alguma rotina. Ao término, SZA também fala sobre não precisar de um namorado e ser bonita demais para isso. Ainda que se refira a outra pessoa, a mensagem se dirige à própria cantora e aos pensamentos racionais que tem. Mas, nem sempre consegue – ou conseguimos – segui-los.

Ctrl (Deluxe) representa uma das fases que SZA passou – agora marcada por seu segundo álbum, SOS -, e que todos passamos ao longo da vida. É sobre amadurecimento, reconhecimento do controle que não temos e aceitação, com regressões, aprendizados, lições e desejos. Representando uma trajetória que não podemos nos livrar: a síntese da própria vida.

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