Clara Sganzerla
Se você ver Jenna Ortega na tela do cinema, é muito provável que ela estará coberta de sangue. Batalhando por relevância no mundo hollywoodiano desde 2012 – e não demorando muito tempo para conquistá-la -, a norte-americana mostrou ser uma brilhante scream queen e atuou em papéis de grandes sucessos em 2022, sendo muito elogiada por Pânico 5 e X – A Marca da Morte. Sem decepcionar, a atriz guardou o melhor para o final e protagonizou uma das maiores produções da Netflix: Wandinha.
Latinos, excêntricos e com gostos mais do que peculiares, a Família Addams cativa admiradores por décadas – e é assim que descobrimos a nossa estranha adoração pelo esquisito. Gomez, Mortícia, Wandinha, Feioso, Tio Chico, Vovó Bruxa e o mordomo Tropeço foram criados pelo cartunista Charles Addams na década de 30 e, desde então, colecionam filmes, séries, quadrinhos e musicais sobre a linhagem mais famosa da cultura pop. Dessa vez, temos o privilégio de acompanhar a primogênita da família em uma jornada aterrorizante para qualquer adolescente: o Ensino Médio em uma nova escola.
Na primeira temporada de Wandinha, após vingar seu irmão Feioso (Isaac Ordonez) dos valentões de seu colégio e ser expulsa, a protagonista de Ortega é levada para a antiga escola de seus pais, a Academia Nevermore. Apesar de ser um local fora dos moldes tradicionais e feita especialmente para sereias, lobisomens, vampiros e górgonas, a instituição não deixa a desejar quanto aos clichês – que lembram as dinâmicas de outro lugar muito famoso do cinema, Hogwarts. A competição de corrida de barcos “Copa Poe” nos traz a mesma energia dos Torneios de Quadribol, enquanto a atmosfera sombria dos sangrentos assassinatos que contornam a protagonista e até mesmo as aulas de botânica nos relembram a fórmula da maior franquia do universo pop, Harry Potter.
Se há clichês, há romances adolescentes. Não podemos culpar Tyler Galphin (Hunter Doohan) por ficar obcecado pela protagonista – nós também ficamos. Além da beleza, da inteligência e da sagacidade invejável, a filha mais velha dos Addams é um combo perigoso: ela é escritora de romances policiais, excelente esgrimista, conhecedora de algumas técnicas de tortura, dona de um humor ácido que desmonta qualquer um e possui notáveis habilidades de dança, principalmente ao som de The Cramps. Mesmo Wandinha tentando camuflar seu aspecto teen em uma atmosfera sombria, não há ninguém que resista a um baile da escola.
Porém, apesar de todas as qualidades, um dos defeitos da protagonista continua sendo a sinceridade extrema, que acaba a afastando de interações sociais normais. A sorte de Wandinha é Enid Sinclair (Emma Myers), sua colega de quarto que, sendo o oposto da personagem, consegue equilibrar as energias e cativar dos vivos aos mortos, incluindo Mãozinha. Adicionando Eugene Otinger (Moosa Mostafa) à equação, o quarteto torna-se decisivo na solução dos assassinatos que inquietam a escola, principalmente quando a avidez e o egoísmo da estrela entram no caminho das investigações.
Essa personalidade vem, com certeza, de sua criação. Nesse spin-off dos Addams, há uma grande diferença na relação entre Mortícia (Catherine Zeta-Jones) e sua filha, amplamente mais explorada que nas obras anteriores. Aos 15 anos, já é difícil ter autoconhecimento o suficiente para assumir sua própria personalidade com confiança, e até mesmo Wandinha, que sempre sabe onde está pisando, encontrou dificuldades para consolidar-se em um lugar cercado pelos fantasmas de sua mãe, uma das alunas notáveis de Nevermore. Além disso, a personagem teve de lidar com uma herança complicada de sua genitora, mas contou com suas antepassadas para desvendar as obscuridades da primeira temporada através de seu mais novo dom: as visões do futuro.
É esse background que dá o toque especial a Wandinha: temos a chance de conhecer com profundidade uma figura que, mesmo sendo secundária nos filmes e séries, marcou uma geração. A jogada de mestre de Alfred Gough e Miles Millar foi enxergar na primogênita uma figura modelo, uma história para além do romance entre seus pais Gomez (Luis Guzmán) e Mortícia, das torturas com seu irmão e da afetuosa relação com seu querido Tio Chico (Fred Armisen). Aqui, ela retorna para relembrar a Geração Z que não há problema em ser a ovelha negra da família.
Não há ninguém melhor para ser a esquisita da história do que Jenna Ortega. Vivendo a personagem em uma idade nunca antes vista, a atriz consegue desenhar sua versão da filha mais velha dos Addams em uma folha em branco, sem vestígios de suas antecessoras ou até mesmo de seus trabalhos anteriores. Conseguimos enxergar a criação de um novo conceito para a protagonista, uma nova Wandinha que surge para fazer sua marca jovem na posteridade – quem sabe ela não cria até um Twitter?
E todo o mistério que rodeia Evermore desde o início da série é meticulosamente construído pela direção de Tim Burton, responsável pelos quatro primeiros episódios da trama. Sem medo de usar sangue ou florestas macabras, com forte predominância de tons frios e cenários gravados na sinistra Romênia, o diretor conseguiu captar notavelmente a essência mórbida de Wandinha, entregando cenas aos moldes da Família Addams e elevando a obra para uma perspectiva jovial, mas sem perder seu legado. Os episódios Quem Planta Desgosto, Colhe? e Toma Lá, Não dá Cá ficaram na direção de uma estadunidense bem brasileira, Gandja Monteiro, enquanto os dois últimos, Se Não me Conhece Ainda? e Confrontando Desgostos, foram dirigidos por James Marshall.
Provando que, no fundo, nada mudou tanto assim, temos a volta de Christina Ricci, a intérprete de Wandinha nos filmes dos anos 1990, para produções da Família Addams – mas não como esperávamos. Agora, seu papel é como a professora de botânica Marilyn Thornhill, uma personagem que teve um surpreendente desenvolvimento e tornou-se peça chave para o desenrolar da trama. Sua participação é de tom extremamente simbólico, negando a desnecessária comparação levantada entre as duas versões e mesclando incrivelmente bem a tradição e a modernidade.
Mesmo alguns meses após seu lançamento, ainda não conseguimos parar de falar sobre Wandinha. Além de virar trend no TikTok, o spin-off conseguiu chegar nas passarelas e até marcar presença em um dos maiores festivais de cultura pop do mundo, a CCXP 2022. O sucesso da obra serviu também para levantar as sérias acusações envolvendo o ator Percy Hynes White (intérprete do personagem Xavier Thorpe), que virou um dos assuntos mais comentados no Twitter e levou a hashtag #CancelPercy nos Trending Topics.
Se você maratonou os oito episódios da trama e sentiu-se desolado após seu fim, fique tranquilo, uma segunda temporada está mais do que confirmada. A verdade é que a produção, apesar de não ter vencido a estatueta do Globo de Ouro por suas indicações em Melhor Série de Comédia e Melhor Atriz em Série de Comédia, para Jenna Ortega, ganhou nosso coração. Wandinha nos relembrou o quanto amamos a Família Addams e mal podemos esperar para encontrar conforto na estranheza novamente.
ótimo textoooo!!!!!