Vitor Evangelista
Os anos da adolescência são responsáveis pelo florescer dos mais ardentes sentimentos, para o bem e para o mal. Numa França utópica dos anos oitenta, Alexis (papel do travesso Félix Lefebvre) conhece David (Benjamin Voisin), e o resto é história. História essa contada no danado Verão de 85, filme dirigido por François Ozon e presente na reta final do Festival do Rio 2021.
Sem conseguir discernir com certeza a linha tênue entre a amizade e o amor romântico, o longa francês abusa das sutilezas e dos extravasos, funcionando em picos de adrenalina e tensão. No estopim de uma abertura vertiginosa, Verão de 85 passa de romance à thriller nos mostrando que, como os bons poetas insistem em dizer, tudo que é bom dura pouco.
As seis semanas compartilhadas na intimidade dos garotos logo se evaporam, quentes como fósforo que acabou de queimar. Mas, para transmitir com exatidão o fulgor do amor juvenil, o diretor adapta livremente o livro Dance on My Grave, lançamento original de Aidan Chambers em 1982, um marco para a literatura gay, mandando sinais precavidos e deliciosos ao seu espectador. Como audiência cativa, esperamos atentamente o desenrolar desse caso escondido, confeccionado sem qualquer nível de vergonha, constrangimento ou preconceito.
A utopia dessa estação do ano, tão calorosa nas praias quanto nos lençóis, é pano de fundo para uma jornada de autodescobrimento do protagonista. Alexis vira Alex nos polposos lábios de David, dando total liberdade para que Benjamin Voisin, o intérprete do sensível badboy, brinque, também, com o nosso coração. Nas armadilhas deixadas pelo olhar sensorial do diretor e roteirista, Verão de 85 nos coloca no conflito: não queremos que Alex se machuque, mas sabemos que esse baque é inevitável.
Premeditando o pior, os cem minutos de rodagem primeiro se inflam do doce ato de se apaixonar. A viagem de moto, que atenciosamente estampa o pôster, nada mais é que a realização de um sonho multifacetado. Para Alex e David, naquele microcosmo mágico e envelopado no veraneio adolescente, e para quem assiste e se identifica, uma comunidade há muito privada da liberdade de amar.
A virada da chave de Été 85, e que distancia a obra do eco de nomes repetidos e pêssegos deflorados, é a pegada de suspense que François Ozon injeta no longa. Passado e presente se conflitam no semblante de Alexis e em seus olhos, ora vivos e fogosos, ora tristes e melancólicos. O jovem ator é vitrine da emboscada em que se meteu. Onde já se viu esperar algo bom do ato de se apaixonar por alguém tão volátil e metamórfico quanto o jovem que o salvou de um naufrágio, sem mais nem menos? Mais perigoso ainda: onde já se viu se apaixonar?
Algo muito errado e drástico tomou parte no sombrio setembro de oitenta e cinco. Promessas são feitas, choros escorregadios quebram o silêncio da noite e até um romance é escrito. A luxúria chega rápido e logo parte. O Verão de 85 é marcante por ser doloroso e aniquilador. Se você soubesse o tamanho do rombo de um coração partido, se entregaria mesmo assim? Se soubesse quão profunda seria a queda, cederia suas vulnerabilidades da mesma maneira? A resposta certa não existe, mas os inconsequentes floreios do amor podem ser investigados naquela bendita praia de Normandia e naquele agridoce (porém abençoado) verão de 1985.