Raquel Freire
O que você faria se uma estrela de Hollywood entrasse em sua vida enquanto estivesse cumprindo sua simples rotina? Você se exaltaria ou agiria normalmente e até tentaria fazer uma brincadeira casual, sabendo que provavelmente nunca mais se encontrariam? Quando William Thacker (Hugh Grant), dono de uma pequena livraria em Londres, olha através da caixa registradora e vê que a superestrela do Cinema norte-americano, Anna Scott (Julia Roberts), está procurando por livros de viagem, ele não pensa duas vezes antes de escolher a segunda opção. É assim que Um Lugar Chamado Notting Hill começa a ficar interessante.
O filme se aproveita da fórmula ‘boy finds girl’, recorrendo a um encontro improvável para dar início a um relacionamento um tanto quanto problemático. No entanto, esse é um método que funciona. Afinal, como esses dois personagens, tão diferentes entre si e com realidades completamente opostas, poderiam se encontrar? Para além disso, como eles seriam capazes de descobrir uma maneira de se ajustar um ao outro? O roteiro cuidadoso de Richard Curtis deixa a resposta escancarada: suas personalidades.
Os personagens de Hugh Grant e Julia Roberts compartilham uma conexão intelectual marcada por tentativas e neuroses. Essa característica os afasta do cenário atual em que se encontram as comédias românticas, todas marcadas por um mesmo script superficial, além de ser a responsável por despertar o interesse do público no longa. De fato, há algo inefável do final da década de 1990 na noção dos protagonistas como sex symbols, especialmente em uma obra que venera tão servilmente cada detalhe do rosto da atriz. Em parte, isso está presente nos visuais, que voltaram a estar na moda – ela com óculos escuros em formato de azeitona e blusas com decote midi, e ele com camisas com babados artísticos –, mas, dessa vez, concentrado mais em suas essências.
Anna Scott é vista não apenas como uma mulher desejável, como também uma pessoa complexa, com questões pessoais que atuam como obstáculos para atingir um estado de felicidade plena. Há momentos no longa que levam o público àquele tipo de silêncio abafado que ocorre quando uma verdade é proclamada em voz alta. Um deles acontece quando ela brinca que o preço de sua beleza se resume a procedimentos estéticos, apontando silenciosamente para seu nariz e seu queixo. Ainda que aqui se trate de uma estrela do Cinema que só existe na ficção, as entrelinhas dessa cena revelam uma problemática extremamente atual, o que traz a sensação de que não há distância alguma entre os anos de 1990 e 2020.
William Thacker, por outro lado, se destaca ao incorporar o ideal britânico de masculinidade refinada da época. O personagem de Grant é sensível, gentil e acessível, mas corajoso o suficiente para tirar satisfação com um grupo que desrespeita seu par romântico na mesa ao lado em um restaurante. Ele divide a diferença entre o adorável tímido – ao continuar gaguejando mesmo após o terceiro encontro, o que chega a ser um pouco irritante – e um tipo de herói moderno, disposto a contrariar os padrões da sociedade por uma paixão.
Para além dos dois pombinhos, Um Lugar Chamado Notting Hill encanta com seu elenco composto por grandes nomes: Rhys Ifans, Gina McKee, Hugh Bonneville, Tim McInnerny e Emma Chambers. Juntos, eles formam o grupo de amigos do personagem de Hugh Grant, que, dia após dia, passam também a acompanhar a protagonista de Roberts. A relação construída por eles é uma fiel representação do que amizade e companheirismo significam, resultando em conversas profundas, jantares repletos de risadas e uma carona totalmente caótica para conquistar o final feliz – o principal ingrediente de uma boa comédia romântica.
Outro ponto positivo do longa são as belas paisagens londrinas. As locações em Notting Hill foram uma jogada astuta: tinham classe, eram elegantes e pitorescas. Em alto e bom som, essa escolha do diretor Roger Michell e do produtor Duncan Kenworthy fez com que características do bairro e da capital inglesa fossem apresentadas para o público mundial sem precisar apelar para estereótipos, permitindo o acesso a pontos turísticos conhecidos de forma natural.
Notting Hill (no original) é composto por clichês do início ao fim. Porém, esse não é um fato que incomoda. Essa é uma daquelas histórias que todos sabem como vai terminar; o que faz valer a pena é o divertido caminho até o desfecho. Julia Roberts, Hugh Grant e Richard Curtis fazem parecer que a combinação de atores competentes e de boa aparência com piadas de efeito é o segredo para o sucesso, mas sabemos que essa fórmula não vem funcionando muito bem. A comédia romântica sem rodeios e com o coração na manga se tornou uma raridade fora de moda, e é por isso que esse clássico de mais de duas décadas não falha.