Letícia Depiro
Quando Jorge, personagem de Leandro Hassum, acorda no dia 24 de dezembro de 2010, tudo parece errado para ele, que se levanta e passa o dia resolvendo todas as pendências para a festa de Natal daquela noite, enfrentando calor, trânsito e lugares lotados. Depois de uma introdução em que o protagonista expõe toda sua complicada relação com a festa, que coincide com seu aniversário, o filme faz um bom trabalho em apresentar o conflito entre Jorge, a data e as relações familiares que o permeiam. Tudo Bem no Natal Que Vem é um filme que mistura todos os clichês natalinos com a típica comemoração brasileira.
O filme é uma narrativa cíclica dos natais de Jorge e sua família através do tempo, todos os anos ele acorda no dia 24 de dezembro sem se lembrar de nenhum outro dia do ano, vivendo em sequência seu próprio pesadelo natalino. O cinema brasileiro é muito conhecido por suas comédias, como Minha Mãe é uma Peça e Se Eu Fosse Você, e Tudo Bem no Natal que Vem, dirigido por Roberto Santucci, se coloca como mais um desses bons filmes nacionais. Com um tom leve e divertido ao longo de todo o longa, nos fazendo rir das peripécias do protagonista e nos envolvendo com seus dramas e aprendizados pessoais.
Durante a narrativa, nós acompanhamos Jorge através de um único dia do ano que se repete em saltos temporais, descobrindo junto com ele todas as mudanças de sua vida. Essa fórmula é muito conhecida de produções como Click, protagonizada por Adam Sandler e Feitiço do Tempo. Utilizando de todas as características da celebração do Natal no Brasil e, fugindo dos clichês hollywoodianos, o roteiro de Paulo Cursino nos apresenta duas versões de um mesmo personagem que, todo dia 24 de dezembro, é obrigado a viver as consequências de todos os atos de seu alter ego.
Jorge é o que podemos chamar de o verdadeiro Grinch. Desde criança ele desenvolve uma antipatia pelo Natal que tira dele a única data que podemos chamar de nossa: o aniversário, tendo que dividi-la com a maior celebração do mundo. Logo que isso é apresentado, fica claro a principal falha que move o personagem. Ele é um cara comum, com uma vida comum, numa família comum que não apresenta nada de especial, é apenas mais um na multidão.
No decorrer de Tudo Bem no Natal que Vem vamos entendendo o universo do protagonista de forma sútil. Em um dos Natais, descobrimos que numa tentativa de fugir da mesmice de sua vida, Jorge se envolve num relacionamento extraconjugal com Márcia (Danielle Winits). O seu “eu” alheio a todos os acontecimentos dos últimos 365 dias, que tem como última lembrança o Natal anterior, ainda mantém fresco o amor pela sua família e busca retomar o controle de sua vida através dessa única janela temporal.
Com uma mulher, Laura (Elisa Pinheiro), entusiasta da data, toda a família é levada a comemorar ano após ano da maneira mais tradicional possível. O filme usa e abusa das tradições e piadas de fim de ano, da famosa brincadeira de amigo secreto à piada do pavê que todos conhecemos, mas dentre todos esses detalhes que constroem o modo brasileiro de celebrar a data, será que ainda sentimos o verdadeiro significado do Natal?
Um filme que nos prometia fazer rir, também nos faz derramar lágrimas ao acompanhar todo o drama vivido por Jorge. Ele não acompanha o crescimento dos filhos e nem se dá conta da verdadeira importância da família quando perde todos os seus grandes momentos. Tudo Bem no Natal que Vem que resgata o sentido da celebração: estar perto das pessoas que amamos, repensar nossas atitudes e fazer planos para sermos melhores e mais felizes no próximo ano, a magia do Natal está presente em pequenos momentos da trama.
E aqui descobrimos que Leandro Hassum, além de saber nos fazer rir, também prova que pode nos emocionar e nos fazer chorar. Tudo Bem no Natal que Vem é mais do que apenas mais uma comédia de fim de ano, ele nos leva a refletir sobre nossas escolhas e nosso modo de ver a vida.
Apesar da excelente representação do clima brasileiro, Tudo Bem no Natal que Vem apresenta algumas inconstâncias em relação a ambientação, como o fato de Aninha, filha de Jorge, aparecer usando pijamas de inverno em pleno verão carioca, e a forte fotografia amarelada que acentua de forma exagerada o calor já tão conhecido da cidade. Mas, apesar de alguns exageros de Hassum e da direção, o longa entrega um bom entretenimento com uma linda mensagem final, algo que não pode faltar em longas natalinos.
Tudo Bem no Natal que Vem é um filme para toda a família, que traz originalidade em um tema extremamente clichê, provocando uma importante identificação para o povo brasileiro, se desenvolvendo de forma leve, sutil e emocionante como o gênero pede. Foi uma aposta inteligente, com elenco de tirar o fôlego que trouxe um pouco da magia nacional para o fim de ano e ganhou destaque, ficando no top 10 não apenas no Brasil, mas em países como Portugal, Alemanha e Suíça. O sucesso internacional do filme é motivo de comemoração. Apesar do preconceito que o cinema brasileiro enfrenta dentro do próprio país, por falta de investimento e visibilidade, ter um produto tão cultural sendo reconhecido dentro da plataforma é uma conquista gigante para nossa indústria cinematográfica.