Vitória Silva
Em 2014, o início da Operação Lava Jato balançou as estruturas do país. A maior iniciativa de combate à corrupção e lavagem de dinheiro levou, e ainda leva, para a cadeia uma série de personalidades de altos cargos do meio político e econômico. No entanto, pouco se fala sobre os outros personagens que, inocentemente, faziam parte dessa cadeia de esquemas ilegais. Qual foi o destino das famílias desses corruptos? E de seus funcionários?
A cineasta Sandra Kogut parte desse olhar para contar a história de seu filme mais recente. Três Verões se ambienta na mansão da família de Edgar (Otávio Muller), um grande empresário. Entre sua equipe de funcionários, está a caseira Madá, interpretada pela brilhante Regina Casé. A funcionária é ‘quase parte da família’, sempre se virando nos 30 para agradar ao desejo dos patrões e ainda conseguir um sustento extra, mas sem perceber as tramóias que rolam por debaixo dos panos.
Edgar é preso após se envolver em um esquema de corrupção. De imediato, sua esposa Marta (Gisele Fróes) e o seu filho Luca (Daniel Rangel) viajam para os Estados Unidos, deixando a casa à mercê dos funcionários. Estes, que se tornam praticamente invisíveis, deixando de receber o salário e qualquer atualização sobre os patrões. E é assim que a revolta do proletariado começa. Quase como um Parasita à brasileira, Três Verões se transforma em uma narrativa sobre saber improvisar com os problemas da vida provocados pela burguesia.
Madá é a grande mente para contornar a situação. A empregada carismática inventa desde um bazar para vender os itens da mansão, até um passeio de lancha turístico para mostrar as casas dos corruptos do Rio de Janeiro. A personagem ainda flerta com outras domésticas vividas por Casé: passa por um arco narrativo semelhante ao de Val em Que Horas Ela Volta?, e mostra o mesmo alto astral e papel materno de Lurdes em Amor de Mãe. Em entrevista ao G1, a atriz comemorou o fato de interpretar mais uma empregada: “No Brasil, tem mais patroas ou empregadas? É incomparável o número de empregadas. Então, o que estava errado é que elas não tivessem esse protagonismo”.
Kogut fez muito bem ao trazer um grande acontecimento para um nicho específico da sociedade, dando abertura para reflexões até sobre a luta de classes. E sem vitimizar seus personagens marginalizados, que lidam com muito bom-humor e destreza com a situação que os ricos lhes deixaram. Madá é o maior exemplo dessa sentença, por não abaixar a cabeça em nenhum momento, nem mesmo para o seu Lira (Rogério Fróes), patriarca da família e pai de Edgar, que acabou largado às traças junto com os funcionários.
O título do filme dita a sua linha temporal. A história se passa durante três verões consecutivos, entre 2015 e 2017, mais especificamente no período das festas de fim de ano. A luxuosa mansão acaba por se tornar personagem da narrativa, definhando no mesmo passo da vida da família de Edgar. No primeiro verão, vemos uma casa cheia de pessoas felizes, com muita festa e celebração. No último, a moradia está quase vazia, triste, com sua realidade refletida na própria boia de pato inflável na piscina ou no tempo que parece cada vez mais nublado.
Três Verões não se preocupa, em nenhum momento, em mostrar o desenrolar da narrativa fora desse período. E, por tratar de uma produção que se relaciona com acontecimentos da realidade, não é necessário que o faça. As dificuldades vividas pelo empresário corrupto na prisão, ou a triste vida de sua família refugiada no exterior, são dispensáveis aqui, por serem assuntos que já foram tão abordados pela grande mídia. O roteiro de Sandra Kogut e Iana Cossoy Paro busca falar de personagens esquecidos e invisibilizados, que sofrem consequências diretas da irresponsabilidade e imoralidade dos mais ricos.
E o mundo das aparências não fica de fora das grandes lições que a narrativa de Kogut nos oferece. A exaltação de Marta por obras de arte caríssimas, mas que aparentam não ter sentido algum, se torna motivo de piada para Madá. As redes sociais também vem à tona em diversos momentos, e funcionam como um radar dos funcionários para encontrar seus chefes. Ironicamente, até o Instagram acaba recebendo mais atualizações que eles próprios sobre a vida dos patrões.
Nos 45 do segundo tempo, o que parecia ser uma simples comédia nacional, assume outro tom. Em um breve monólogo, Regina Casé faz uma cena arrebatadora. Sua atuação é tão poderosa que nos faz questionar se suas palavras são verdadeiras ou se é apenas Madá pregando uma peça no espectador. O rosto que exalava felicidade, se esvazia, e vemos que, por trás de suas camadas, há uma história de perda e muita dor. E ela acaba por transparecer a mensagem de todo o filme: enquanto os mais pobres têm suas vidas destruídas por ações que não cabem a eles próprios, os ricos roubam milhões da sociedade e mal são punidos.
Três Verões traz a beleza do cinema nacional na sua mais pura forma. É uma história sobre o povo brasileiro para o povo brasileiro. Uma pena que o filme não tenha conseguido chegar às salas de cinema. Poder ver nosso retrato na telona, e rir da nossa própria desgraça, é uma tarefa que nenhuma produção hollywoodiana conseguiria cumprir. Mas, diferente da realidade que vivemos, o filme traz uma mensagem de esperança, algo que há tempos buscamos. Se os Três Verões se passaram, dias melhores virão.