Laís David
Foi impossível sair de 2019 sem escutar sobre Billie Eilish. A jovem dominou todas as paradas com seu álbum de estreia e conquistou uma legião de fãs em todo o mundo. Sua personalidade misteriosa, letras obscuras e energia magnética a colocaram como uma das maiores artistas dos últimos anos. Como um glorioso coming of age de Greta Gerwig, o documentário The World’s A Little Blurry detalha a ascensão de Billie Eilish de forma minuciosa e emocionante.
Sob as lentes precisas do premiado diretor americano R. J. Cutler, Billie revela suas principais dificuldades na própria carreira, entre performances explosivas e transformações que vieram com sua maioridade. Durante os anos de 2018 a 2020, o cineasta acompanhou a artista durante a criação de seu álbum de estreia WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO? e a turnê homônima, além de reunir gravações do arquivo pessoal da família.
Billie Eilish nasceu em um ambiente liberal e criativo. Livre das rédeas do sistema educacional americano, ela conseguiu desenvolver uma personalidade artística e cultural sendo educada em casa. Ela então se aventurou dentro da laboriosa dança competitiva, e, a pedido de seu instrutor, gravou uma música autoral para uma aula e a disponibilizou no Soundcloud. Organicamente viral, Ocean Eyes foi o sleeper hit que deu início à trajetória de Billie. Após uma ruptura em seu quadril cessar a curta carreira na dança, ela percebeu que os palcos eram seu verdadeiro lar.
Longe de grandes estúdios musicais, foi num quarto apertado nos subúrbios de Los Angeles que Finneas produziu a discografia completa da irmã. Sob microfones de qualidade discutível e synths gratuitos, eles conseguiram produzir um álbum completo em menos de um ano. A batalha entre a autenticidade de Billie e a necessidade de um hit mainstream dentro do futuro disco entram em choque no longa. Apesar de autêntica, Billie parece discordar das necessidades da indústria e é assertiva em sua escolha de produzir um álbum que transpareça sua individualidade.
Isso é provado quando um diretor tenta podar suas decisões: o conceito do videoclipe de when the party’s over foi totalmente desenvolvido pela jovem, mas não foi bem traduzido pelo diretor escolhido pela gravadora. Dali em diante, ela decide: ela mesmo produzirá os próprios videoclipes (e aconteceu, já que ela assina a direção de everything i wanted, xanny e Therefore I Am). É incrível enxergar tanta vontade em uma artista tão jovem – geralmente, cantoras da idade de Billie mal assinam composições, quem dirá produções audiovisuais. Seu controle criativo é impressionante.
A fama repentina pode ser perigosa. Artistas muito jovens geralmente não têm a maturidade emocional necessária para lidar com o sucesso de forma saudável, como ocorreu com Lindsay Lohan ou Demi Lovato. Com Billie, é o contrário: o ambiente de suporte familiar que ela se encontra é muito importante e decisivo para sua saúde mental. Cutler mostra isso ao destacar o monólogo de Maggie Bird, mãe de Billie, que destrincha a vulnerabilidade que ela enxerga em sua filha e como a depressão em jovens e crianças não deve ser menosprezada.
A influência da cultura da internet também é muito bem transmitida em The World’s A Little Blurry. A jovem parece planejar seus passos metricamente para evitar repercussões negativas de sua imagem na rede – é quase um olhar crítico sobre o impacto da cultura do cancelamento. Ela se questiona sobre não poder ter momentos ruins, já que sempre está sendo observada – um erro, como ser rude, cantar desafinado ou ignorar alguém na hora errada pode ser terrivelmente fatal para sua carreira.
O documentário também revela o lado menos conhecido da artista – sua pacata vida adolescente. Quando Billie não está cantando em shows esgotados ao redor do mundo, é quase estranho assisti-la agindo como uma jovem comum: chorando por causa de namorados, limpando o próprio quarto ou jantando junto a seus pais. Uma das cenas mais tocantes do longa é a crise de tiques que ela tem na frente das câmeras. Eilish é diagnosticada com a Síndrome de Tourette, um distúrbio neuropsiquiátrico que causa tiques e movimentos involuntários.
O que mais encanta é que, mesmo depois de anos de carreira e fama admirável, ela continua vivendo com seus pais na mesma casa que aprendeu a tocar violão. Sua independência iminente não conta com o distanciamento de sua família – pelo contrário – eles estão ali para comemorar todas as suas conquistas. A imagem célebre é desconstruída durante toda a obra, principalmente no momento em que a artista explode em lágrimas ao conhecer seu grande ídolo Justin Bieber.
A música de Eilish representa muito mais do que apenas tristeza ou obscuridade. Ela traduz a sua própria geração de forma magnífica – uma geração onde ansiedade, depressão e honestidade não são mais tabus e podem sim ser discutidos normalmente. Em tão pouco tempo, ela se tornou parte da própria cultura e soube administrar tudo de forma saudável e coesa. Billie se conecta com sua audiência de um jeito único e The World’s a Little Blurry é a prova que o futuro guarda ainda mais sucesso para a sua carreira.