Isabela Cristina Barbosa de Oliveira e Larissa Vieira
Apesar de nunca ter dado a devida atenção, em setembro de 2019 a Netflix estreou uma de suas originais mais satíricas possíveis: The Politician. Debutando com sua primeira produção no streaming, Ryan Murphy trouxe a sua principal e brilhante característica: a habilidade articular um humor ácido a fim de fazer críticas aos costumes estadunidenses. Mas, além do renomado produtor, Ben Platt, o sucesso dos teatros, também estava à frente da comédia dramática como o grande protagonista, fazendo então com que as expectativas da produção fossem lá em cima.
The Politician conta a história de Payton Hobart (Platt), um adolescente rico que vive por suas aspirações políticas. A cada temporada, a série promete mostrar essa ambição em diferentes fases da vida do protagonista. A estreia, em 2019, começa apenas com o político fazendo sua campanha para se tornar o presidente do grêmio estudantil de sua escola em Santa Barbara, o que garantiria uma vaga na renomada Harvard, que no futuro seriam as portas de entrada para sua carreira no senado estadunidense, ou até mesmo, na Casa Branca.
No decorrer dos episódios, podemos ver o protagonista fazendo de tudo para garantir sua eleição, o que gera uma série de conflitos bizarros, mas que fazem muito sentido quando postos no contexto político. Além disso, Payton, assim como qualquer adolescente, tem que lidar com alguns dramas em sua vida pessoal, de um modo meio jogado na série, mas que ainda assim acabam prejudicando sua corrida eleitoral. O elenco é composto por Gwyneth Paltrow, Jessica Lange, Zoey Deutch, Lucy Boynton, Bob Balaban, David Corenswet, Julia Schlaepfer, Laura Dreyfuss, Theo Germaine, Rahne Jones e Benjamin Barrett, que ajudam a construir o cenário da vida ambiciosa do político.
Na segunda temporada, que concorre ao Emmy 2021, a série salta para uma nova fase política de Payton: sua corrida eleitoral para o senado de Nova York, dessa vez contra a veterana e popular candidata Dede Standish (Judith Light). Mais tarde nesse ano, o protagonista, mesmo com o fracasso da campanha anterior, acaba reunindo seu time em busca da vitória. A nova fase pretende não só mostrar um novo cenário para o personagem de Ben Platt como prometido, mas também trazer sua evolução perante os anos de fracasso anteriores. Assim, podemos ver não só como ele lidou com a derrota, mas também como ele pretende ganhar dessa vez, talvez com mais ou menos ambição (nem ele sabe, afinal, vai descobrindo a cada novo movimento).
Esse movimento ambicioso é logo retratado na abertura da série, onde Payton é endeusado como um manequim, dotado de um coração petrificado e falas premeditadas, criado e movido apenas pela sua ambição, iniciando, assim, uma série de sátiras à política americana. Logo no início da corrida eleitoral, após avaliar que estava perdendo nas pesquisas, o protagonista decide fazer da luta contra as mudanças climáticas o seu caminho para a vitória a fim de conquistar os jovens eleitores. Mas ao se promover com a causa de forma fútil, tendo como única proposta a proibição de canudos plásticos, e mesmo assim sendo apoiado pelo seu eleitorado jovem, é possível observar claramente a crítica à figura política superficial e ao pseudo engajamento do ativismo virtual.
Como em outras produções de Murphy, várias pautas atuais são expostas com o objetivo de levar o espectador a fazer uma reflexão e, dentre elas, está a cultura do cancelamento. Após Payton ganhar significativo apoio dos internautas, uma foto sua vestido de nativo americano é vazada e, em poucos segundos, se inicia um grande linchamento virtual, mostrando, assim, o lado do “cancelado”. De fato, a apropriação cultural indevida deve ser criticada. Mas será mesmo que cancelar é o melhor caminho para que casos como esse não voltem a acontecer? Horas após o ocorrido, vemos que todo esse tumulto não trouxe efeito algum, visto que Payton escolheu repetir seu ato apenas para usar como uma jogada política contra sua adversária Dede.
Já no brilhante episódio 5, As Eleitoras, a série muda o foco da narrativa ao mostrar o dia da eleição sob a perspectiva de uma adolescente (Susannah Perkins), eleitora de Payton, e de sua mãe (Robin Weigert), eleitora de Dede. Logo no início vemos as duas discutindo severamente para defender suas convicções políticas, a filha, por um lado, afirma que Payton é melhor por se preocupar com o meio ambiente, já sua mãe, por outro, afirma que apoia Dede por esta ter feito bons atos voltados para outras áreas. Essa cena é só mais uma que expõe com clareza a questão do conflito entre gerações e a forma diferente com que jovens e adultos chegam à suas conclusões, e provoca uma reflexão à juventude focada em defender apenas uma única pauta, se esquecendo de outras tão relevantes quanto, como educação, economia e saúde.
Trazendo ainda mais uma mensagem aos jovens, a obra enfatiza a importância da adesão e do engajamento desse grupo à política para que seus interesses sejam, de fato, ouvidos. Pois, após um recorde histórico de participação da juventude nas urnas, Payton recebeu o maior número de votos e se tornou o vencedor, mesmo começando sua corrida eleitoral com 30 pontos atrás de sua concorrente, e, em cenas futuras, vemos que diversos projetos ambientais foram realmente implementados.
Mas não só contente com a vitória do jovem, que já muda o cenário político conservador americano, a série ainda constrói seu caminho a fim de destruir a imagem perfeita da candidata queridinha da maioria adulta votante do país. Envolvida em um trisal, que é mais tarde revelado pela própria Dede publicamente, ao longo dos episódios, vemos cada vez mais uma crítica a essas imagens perfeitas. O parecer ainda reflete se seu relacionamento interfere de alguma forma na política. E mesmo provado o contrário, os regressistas estadunidenses vão à loucura com essa “novidade” da vida pessoal de candidatos que estão à anos no poder, o que dá espaço para ascensão do ideal de novos rostos nas cadeiras do senado, independente da forma que seja seu jogo político; o que sabemos que na maioria das vezes é algo sujo, como a produção trata de evidenciar.
A construção da série como uma sátira, abrange até mesmo a caracterização de seus personagens, uma vez que muitos deles foram construídos como figuras caricatas. O maior dos exemplos é o próprio protagonista, visto que ele esteve disposto a mentir, forjar e, até mesmo, acobertar uma fraude eleitoral para que conseguisse alcançar à sua tão sonhada vitória, se mostrando como um fiel estereótipo dos políticos americanos: falso, desonesto e calculista.
A essa sátira da caracterização dos personagens, agora de maneira literal, foi o que garantiu à produção da Netflix a indicação ao Emmy 2021, concorrendo nas categorias Melhor Figurino Contemporâneo, Melhor Penteado Contemporâneo e Melhor Maquiagem Contemporânea (Não-Prostética), com o primeiro e o penúltimo episódio da segunda temporada. Logo na estreia da fase mais madura, em Mudança de Estratégia?, foi onde os caros ternos coloridos, com o estilo fun, ganharam força e deixaram se de ser um visual exagerado para um estudante concorrendo ao grêmio estudantil como no ano anterior. Já os penteados e maquiagem, foram aqueles que no 6º episódio, A urna, passaram o ar refinado da elite na disputa pelo poder, mas ainda assim caracterizados de maneira sátira e, em alguns momentos, exagerada, que é o que passa a mensagem irônica criada por Murphy.
Os cabelos, acumulados de gel e muito bem arrumados, somente como a alta classe poderia, segundo eles. Além disso, ainda há o contraponto do estilo mais despojado, mas ainda assim respeitável para o senado, digno de jovem “empreendedor” que é Payton, sempre em contradição aos clássicos terninhos da candidata já consolidada no posto.
No entanto, a indicação apenas em categorias técnicas, desponta do ano anterior em que a produção somou, não só nas parte de figurinos e penteados, mas também ao time de indicados para Atriz Convidada em Série de Comédia. Com a atuação imbatível da braço direito de Dede, Hadassah (Bette Midler) garantiu a maior indicação da série à premiação, mas no entanto acabou perdendo para Maya Rudolph, no Saturday Night Live, que também, ironicamente, representou uma figura política, em sua interpretação da então Senadora Kamala Harris.
A série ainda percorre um caminho incerto para uma terceira temporada, mas soube muito bem se consolidar com sua ironia em meio às produções do streaming. Além disso, a indicação à maior premiação da Televisão, ainda que em categorias técnicas, eleva seu patamar para a Netflix, além de ser mais um marco na carreira do renomado produtor, Ryan Murphy.
The Politician sabe muito bem como abordar sua temática, isso porque carrega uma sátira inacabável e ainda é uma série estadunidense criticando a postura do americano ideal, jovem ou adulto. Além disso, os roteiros são bem construídos, de maneira que a todo momento você entende o que está sendo criticado ou até mesmo exacerbado para o espectador.