É possível que um mortal se torne messias? Sendo este o posto dado a Kendrick Lamar pelo hip-hop, a mensagem que fica ao subir no palco do Grammy para receber seu terceiro gramofone de Melhor Álbum de Rap, em Fevereiro de 2023, é que ele é indubitavelmente humano. Depois um longo hiato, em seu quinto projeto de estúdio, Mr. Morale & The Big Steppers, o artista se apossa desse complexo para mergulhar no mais oculto de seus traumas e, assim, celebrar a beleza de suas imperfeições.
A Música é o tom indispensável da vida. No amor, na alegria, na tristeza, na solidão, as canções preenchem playlists embalando a vida e refletindo a alma. As composições são o espelho de como artista e ouvinte enxergam a existência, fazendo com as mudanças sejam necessárias e novidades refresquem o imaginário auditivo de quem aguarda ansiosamente por um single, quiçá um disco de seu intérprete favorito. É impossível me conformar com a potência transformadora da Música. Assim como é inevitável usar tanto floreio para introduzir esse que reúne o melhor do que foi feito em 2022.
Com o formato de vendas modificado pelas plataformas digitais, os álbuns se tornam cada vez mais inviáveis para cantores inseridos na indústria, que coage produções única e exclusivamente voltadas a músicas virais para o TikTok. Quebrando aquilo que parece ter virado regra, o Persona emerge os ossos do ofício e abocanha 73 produções que marcaram o ano na Música.
Dominando a tarefa de trazer um novo fôlego para sua arte, The Weeknd lançou a rádio Dawn FM, vislumbrando dias melhores. Coroando o topo dos rankings, ROSALÍA acelerou com muita autenticidade sua MOTOMAMI. Ao lado da catalã, montada em seu cavalo prata, a musa-mor do pop renasceu. Kendrick Lamar ficou entre a cruz e a espada, SZA pediu socorro, Björk celebrou os recomeços, Sabrina Carpenter finalmente enviou seus e-mails, Florence and the Machine renovou seu nome na lista das netas das bruxas e a loirinha mais querida cantou seus terrores noturnos.
A música haitiana foi lembrada em notas do Topical Dancer. Cruzando o oceano, no mundinho do k-pop, enquanto 2022 serviu para SEVENTEEN se consolidar de vez como uma das maiores boybands da Coreia, artistas de outros grupos tão grandes quanto embarcaram em viagem solo, com novas perspectivas, sonoridades exuberantes e trabalhos coesos que entregam turbilhões de sentimentos. No território russo a boa surpresa veio do metal vampiresco da dupla IC3PEAK.
Em solo brasileiro Acorda, Pedrinho caiu na boca do povo, Bala Desejo ganhou o grande público, Ludmilla mais uma vez provou que nasceu para interpretar pagode, Maria Rita cantou para Xangô, e os calos de Alaíde Costa a fizerem – merecidamente – a cantora nacional mais citada nos rankings. Em meio a isso, o amargo das perdas imperaram no território com os álbuns póstumos de Marilia Mendonça e Elza Soares, o adeus a Erasmo Carlos, e aquela que foi a despedida mais cruel do ano, Gal Costa, a Doce Bárbara, se encantou.
O Melhores Discos de 2022 é dedicado a Gal Costa. Coisas sagradas permanecem!