Descrever Ludmilla em termos simplistas e centralizados é uma tarefa cada vez mais difícil, afinal, a cantora está “Do funk ao pagode, dominando tudo”, com uma maestria que a MC Beyoncé – primeiro vulgo da artista – provavelmente não imaginava. Em faixas envolventes e dignas de serem chamadas de Arte, o trabalho mais recente da cantora, Numanice #3 (Ao Vivo), é um deleite para as mulheres que amam suas mulheres, as minas de periferia e, é claro, os apaixonados por sunsets e bons pagodes.
Com 18 faixas e sete parcerias, o disco gravado ao vivo materializa a brisa quente de uma tarde de domingo em volta da churrasqueira. Na multiplicidade de influências rítmicas que se juntam ao pagode, a sensação de improviso acertado das milenares rodas de samba se intensificam. Apesar de calculado, o mérito de Numanice #3 (Ao Vivo)está na facilidade com a qual conversa com diferentes manifestações musicais e seus públicos.
O ato de ouvir Música se tornou tão imprescindível que pode até ser confundido com uma banalidade. Banal não no sentido ruim, mas sim de algo tão essencial, que, por assumir uma parcela gigantesca de nossas vidas, à medida que cresce em escala, não consegue acompanhar o tamanho em definição. Chega um momento em que ele se torna apenas… ouvir Música. Para não cair nesse limbo chamado lugar comum, o Persona retorna com sua já tradicional lista de Melhores Discos.
Se 2023 nos reservou um retorno ao início do século graças à Saltburne Todos Menos Você, aqui focamos essencialmente no que foi criado no ano que passou e, assim como os grandes players da indústria, deixamos o TikTok de lado para embarcar no ato arcaico de se ouvir um álbum de cabo a rabo. O resultado foram 93 produtos que embalaram e deram sentido para o ano.
Não podemos negar que foi o ano de Taylor Swift. Mesmo sem um trabalho de inéditas, o pomposo Speak Now (Taylor’s Version), o agora litorâneo na mesma medida que cosmopolita 1989(Taylor’s Version) e os resquícios de insônia de Midnights – claro, aliados a gigantesca The Eras Tour – serviram para ecoar o sucesso estrondoso que ela calcou. Ainda na ditadura loira do pop, sua pupila Sabrina Carpenter apareceu para o mundo também com obras repaginadas: primeiro, enviando os anexos que esqueceu no corpo do e-mail e, no fim do ano, trazendo um pouco de malícia para o Natal.
Quem retornou de forma inédita foi a rival de Carpenter, Olivia Rodrigo. Após a acidez de SOUR, a artista volta a expor seus sentimentos de uma forma nada ortodoxa: arrancando suas entranhas. O sentimentalismo, dessa vez mais bonito, mas igualmente doloroso, está presente no alinhamento estelar das boygenius, ao mesmo tempo que Mitski declamava todo seu amor para as paredes de um galpão vazio.
Ao longo das 93 obras, temas conversam entre si, mas a homogeneidade é proibida. Troye Sivan e Pabllo Vittar querem festejar, mas enquanto um é a efervescência do durante, a outra é o desejo do pós. Os latinos KAROL G e Bad Bunny falam sobre o amanhã de formas diferentes: ela com esperança, ele com incerteza. Letrux abordava o reino animal e Ana Frango Elétrico se transmuta em feline. Marina Sena se viciava na selva de pedra enquanto Chappel Roan se assustava com os prédios. Jão quer ser cada vez mais superlativo, à medida que Post Malone se recolhe em suas origens. Metallica sente a passagem de tempo, diferente de Kylie Minogue, que nem o vê passar.
Tal cenário só é possível pois a Música e toda sua imensidão atuam como um espaço de diversidade e liberdade, no sentido mais amplo das palavras. E nada mais justo do que celebrá-las no ano de passagem da Padroeira da Liberdade. O Melhores Discos de 2023 é por Rita Lee, que é gente fina na Música e na eternidade.