Letícia Depiro
Sam (Jared Padalecki) e Dean (Jensen Ackles) Winchester são filhos de uma tragédia. Após a misteriosa morte de Mary (Samantha Smith), o pai dos garotos passa a buscar vingança contra as forças do Mal que mataram sua esposa. Vinte anos depois, Sam, que parece determinado a não seguir os negócios da família, não vê outra escolha a não ser se juntar a seu irmão na jornada em busca de seu pai John (Jeffrey Dean Morgan), que está desaparecido, dando início ao primeiro ano de Supernatural.
Ao longo das 5 primeiras temporadas, temos muito claro os objetivos que movem os irmãos e essa primeira fase, idealizada pelo criador Eric Kripke, que cria laços que se fecham perfeitamente com a trajetória dos personagens traçada até então. Desde a caçada ao pai desaparecido, a busca por vingança de Azazel, o demônio que matou sua mãe, até a introdução, de fato, de anjos, demônios e presságios bíblicos, Sam e Dean confrontam seu destino. Eles se prendem aos seus próprios valores e às suas escolhas, ou não escolhas, para deter o Apocalipse iminente enquanto tentam salvar um ao outro.
Em seu Impala 67, os irmãos viajam pelo território estadunidense resolvendo casos sobrenaturais e salvando vidas. Esse é o verdadeiro legado que eles carregam ao longo dos 5 primeiros anos. No episódio 20 da segunda temporada, Apenas um sonho, Sam e Dean vivem uma vida normal, em que o primeiro está noivo e cursando a faculdade de direito e o segundo é casado com a mulher de seus sonhos. A grande sacada é que todas as pessoas que eles salvaram até então estão mortas, e nós podemos, pela primeira vez, entender a dimensão da jornada dos irmãos Winchester. Eles são heróis movidos unicamente pelo propósito de salvar vidas e salvar um ao outro.
Enquanto Sam é o filho rebelde e questionador que se opõe ao pai, Dean é o irmão obediente que, desde criança, aprendeu a ser responsável, cresceu cedo demais e carrega o peso da responsabilidade pela vida do irmão mais novo. Essa dualidade entre eles se reflete nos caminhos que percorrem. Sam, movido por uma sede de justiça e por suas próprias crenças, encara escolhas difíceis e toma decisões que mudam o rumo da história, ele percorre caminhos controversos acreditando fielmente nos resultados. Já Dean, sempre confrontado com a inevitabilidade de suas escolhas, é levado ao limite e se desvia de seus valores apenas quando as circunstâncias não lhe deixam outra saída. Eles não poderiam ser mais diferentes, mas o amor que os une é sempre maior do que qualquer desavença.
O interessante de se observar é que esse contraste entre os dois é uma das bases narrativas usadas pelo roteiro para traçar a inevitável jornada dos personagens. A dualidade entre os irmãos, entre o certo e o errado, culmina no destino que eles enfrentam no final da quinta temporada. Sam é o receptáculo de Lúcifer, o filho que se rebela contra o pai e é expulso do Paraíso, Dean está predestinado à Miguel, o filho obediente que se coloca contra o próprio irmão pelas vontades do pai, e, assim, eles devem cumprir o presságio bíblico da batalha entre os Arcanjos. Seus destinos são bíblicos e irrevogáveis, e dessa forma eles se cumprem.
Explorando dramas familiares e lendas urbanas, o roteirista Eric Kripke criou uma trama que funcionou perfeitamente ao longo das 5 primeiras temporadas, culminando em um final épico e digno dos personagens. E encerrou da forma como desejava com o gran finale do episódio Canção do Cisne.
Ao deter o Diabo Lúcifer e impedir o Apocalipse, Sam e Dean atingem o auge de sua jornada, eles alcançam aquilo que vem buscando desde o começo: salvar o mundo. E finalmente se veem livres da carga heroica que se coloca sobre eles, e é justamente nesse ponto da narrativa que muitos fãs acreditam que a série deveria ter parado. Eric Kripke sabia o que Supernatural deveria ser, os seus sucessores nem tanto.
A sexta temporada é, de fato, um novo recomeço. Ao deixar para trás toda a carga emocional do ano anterior, os roteiristas, agora sem Kripke, optaram por voltar às origens da velha rotina de caçadas enquanto desenvolvem a pouco emocionante trama central de Sam ter retornado da jaula de Lúcifer, após o confronto entre os anjos, sem alma.
Essa nova fase se mostra um pouco repetitiva, numa tentativa sem sucesso de se igualar com a anterior. Os irmãos já haviam atingido o auge, chegando no limite que poderiam ser levados. Sam já tinha feito todas as escolhas erradas possíveis e se arrependido delas, e Dean confrontou seus extremos diante das inevitáveis decisões impostas a ele. Ambos enfrentaram o pior cenário e lutaram a maior batalha, e o que vem depois apresenta muita dificuldade de se equiparar. E, assim, se seguem as próximas temporadas.
Apesar da crítica dos fãs, e dos altos e baixos da série após a saída de Kripke, Supernatural se mantém fiel ao entregar aventuras e uma dose extra de amor fraterno que prende os espectadores dentro da rotina dos personagens. A cada nova trajetória, a noção de família se fortalece ao mesmo passo que muda. Sam e Dean se relacionam com outros personagens, novas famílias surgem, e eles, que se viam sozinhos, encontram pessoas em seus caminhos que ressignificam o sentido do amor. Supernatural se aprofunda na história dos Winchester e reforça os laços com coadjuvantes, que são introduzidos ao longo da série.
Depois de 15 anos e 15 temporadas, a série, que tinha tudo para ser só mais um procedural no estilo Arquivo X, acabou se tornando algo muito mais complexo. E, apesar dessa polêmica com a segunda fase da produção a partir da sexta temporada, ela não decepcionou ao entregar alguns momentos épicos de personagens marcantes, além de novos rostos que conquistaram o público.
É nessa segunda fase que o roteiro se concentra no amadurecimento de Bobby (Jim Beaver). O personagem ganha uma nova camada, tendo sua alma vendida ao demônio Crowley. O caçador tem um episódio praticamente próprio na tentativa de salvar seu destino e passa a ser visto como alguém com seus próprios problemas, e não apenas como um suporte para Sam e Dean, e a relação familiar entre eles se estreita ainda mais. Bobby é a primeira noção de família que os irmãos têm depois da morte do pai, ele se torna a figura paterna que supre uma carência dos meninos.
Essa carência é algo presente durante Supernatural. Diante de todas as dificuldades enfrentadas, Sam e Dean se mostram muito carentes de pessoas em que podem confiar, e, quando essa relação de confiança se estabelece, independente do que a pessoa representa ou de seu passado, eles a têm como parte da família. Isso acontece com os vilões como Ruby (Katie Cassidy/Genevieve Padalecki), Crowley (Mark Sheppard) e Rowena (Ruth Connell), que, no final das contas, passam a fazer parte do círculo familiar dos irmãos Winchester, ganhando espaço relevante no arco deles.
Supernatural estranhamente faz os espectadores gostarem dos vilões. Ela nos apresenta anjos trapaceiros e demônios bonzinhos, inverte totalmente os papéis impostos pela sociedade, e, por isso, conquistou tanto o público. Essa inversão de estereótipos traz uma carga de veracidade a série, por mais sobrenatural que a criatura seja há algo de humano nela, e, ironicamente, o ponto alto do enredo é o foco nas relações e reações naturais dos personagens.
Assim, acabamos revisitando o drama, que é o amor entre os personagens, as esperanças, os sonhos, as promessas e as decepções. Esse lado humano é reforçado na resolução final do programa, quando o roteirista Andrew Dabb optou por dar a Sam e Dean uma morte mais humana. O encerramento da 15ª temporada nos traz um sentimento mais agridoce, é um desfecho muito digno e coerente com o que a narrativa se tornou depois da saída de Kripke. E trouxe até uma sensação do 5º ano naquilo tudo, com os irmãos lutando contra o vilão Chuck (Rob Benedict), agora no papel de Deus, em uma batalha simples, mas uma cena épica, cheia de significados, referências e nostalgia, é um final que vale a pena pela emoção.
O desenrolar da décima quinta temporada é uma espécie de crise existencial para Sam e Dean, que vão questionar a real missão deles na Terra. Chuck, o Profeta do Senhor, que eles inconscientemente trouxeram para dentro da família, é agora um Deus impiedoso e destrutivo digno do Velho Testamento, e que, com um brilho nos olhos, brinca com o destino e a vida dos irmãos apenas porque pode, tirando todo o mito de herói que os permeia desde a primeira temporada.
A última temporada nos proporcionou momentos fortes entre os personagens. Eles mantêm uma boa química e Castiel (Misha Collins) finalmente faz a declaração tão esperada pelos fãs quando, depois de anos de construção, escancara seus sentimentos por Dean ao dizer que o ama, “tornando o shipp canônico“, como disse o próprio ator. Mas, infelizmente, a história do anjo termina de forma trágica com sua morte logo após se colocar como um personagem LBTGQIA+, e essa escolha do roteiro não agradou os fãs.
Depois de 15 anos, a CW nos entrega um final satisfatório para Supernatural, apesar da banalização de alguns personagens fortes da mitologia bíblica, como a Morte, Lúcifer e Miguel. E traz o único desfecho minimamente aceitável da morte dos protagonistas de forma digna como a trajetória construída pede, apesar do contraste do encerramento épico da quinta temporada. Supernatural teve, ao todo, mais de 300 episódios, divididos em 15 temporadas repletas de conflitos, e trouxe toda a emoção da despedida de personagens tão queridos que acompanhamos por tantos anos.