Bruno Andrade
É comum ouvir dizer que Alex Turner interpreta um personagem diferente em cada álbum, e que isso pode ser visto de forma mais visceral em Tranquility Base Hotel & Casino (2018) – o mais recente trabalho do Arctic Monkeys –, no qual ele realmente transforma-se em uma persona. Mas em Suck It and See, quarto álbum de estúdio do grupo, que completou 10 anos em junho deste ano, não é somente Turner que assume uma nova identidade. No disco, o quarteto inglês assumiu a influência do rock estadunidense – principalmente dos anos 1960 –, e deixou transcorrer por todas as faixas suas referências, dando ao projeto um ar de álbum conceitual.
O que consolidou o grupo e os alçou às paradas de sucesso é visível desde os primeiros discos, porém ganha um enfoque gradual em Suck It and See: as letras ágeis de Alex Turner, a cozinha muito bem trabalhada de Matt Helders (bateria) e Nick O’Malley (baixo), e a guitarra espalhafatosa de Jamie Cook. Gravado no icônico estúdio Sound City, famoso pelo lançamento de Nevermind (1991) do Nirvana, e produzido por James Ford – parceiro de Turner e Miles Kane em The Last Shadow Puppets –, o álbum dá voz ao estilo provocativo, colocando no centro das interpretações a própria irreverência, cuja capa do projeto também reivindica esse tipo de insolência.
Apesar do título ser uma provocação mal interpretada, algo que soaria como “dê uma chance” ou “tente algo novo” na gíria inglesa (e não o que a tradução literal pode sugerir), não deixa de ser uma polêmica premedita. O simples escrito Suck It and See em um fundo creme levou o disco a ser censurado em algumas lojas de departamentos nos Estados Unidos – “lojas das grandes”, segundo Alex Turner –, sendo coberto com uma faixa preta.
O fato é que o Arctic Monkeys cresceu rápido demais. Seu álbum de estreia, o prolixo Whatever People Say I Am, That’s What I Am Not (2006), chegou ao topo das paradas como uma avalanche, sendo, até hoje, o disco estreante mais vendido da história do Reino Unido – título que o Oasis carregava anteriormente, com Definitely Maybe (1994). Posteriormente, com Favourite Worst Nightmare (2007), clássicos como Fluorescent Adolescent e Do Me a Favour surgiram, já apontando para o lado mais sentimental que encontramos nas letras mais à frente.
Porém, desde 2009, com o lançamento de Humbug, a banda deixou as versões rápidas e passou a apostar em canções mais lentas e expansivas, e nem por isso menos ruidosas. Além de parecer a trilha sonora de um conto de Edgar Allan Poe, Humbug também marcou o início da colaboração de Josh Homme, do Queens of the Stone Age – uma das principais influências dos Monkeys – nos trabalhos do grupo. Todavia, Suck It and See aposta em algumas canções mais psicodélicas, com ecos de guitarra se encontrando ao fundo, com uma boa dose de humor sombrio.
É o caso, por exemplo, de The Hellcat Spangled Shalalala, canção que, mesmo com um refrão inventado – “shalalala” –, consegue nos manter imersos em sua sonoridade desde o começo. Também é interessante contrapor as músicas I Bet You Look Good on the Dancefloor, do álbum de estreia, com a canção That’s Where You’re Wrong. Além do fato de serem, possivelmente, duas das melhores canções dos respectivos álbuns, elas são, essencialmente, faixas que mantém uma espécie de ruído de guitarra; entretanto, enquanto a primeira está mais próxima de versões pesadas de Black Sabbath, a segunda aproxima-se do ruído melódico, e não do caos total. Há uma expansão, ocasionada pelas notas soltas da guitarra base de Cook, elevando a música a um tom mais espiritual do que pesado.
Outra alusão que dá sustentação a ideia de um álbum conceitual são as referências do disco aos filmes de faroeste norte-americanos, declaradas pelo próprio Alex Turner, cujas insinuações perpassam, inclusive, os videoclipes de algumas músicas (todos protagonizados pelo baterista Matt Helders). Os clipes de Black Treacle, Suck It and See e de sua canção b-side, Evil Twin, formam uma trilogia, na qual Helders dá vida a um motoqueiro estadunidense, procurado pela polícia após fugir da prisão.
Curiosamente, o primeiro single lançado para o projeto foi Brick By Brick, faixa cantada inteiramente pelo próprio Helders. Como primeiro contato do público com a obra, esse fato incomum deixou em evidência que este não seria um álbum para provar nada a ninguém – a não ser para os próprios integrantes, que deixaram o CD repleto de piadas internas ao longo de suas 12 canções.
Outra influência silenciosa no disco é Nick Cave & The Bad Seeds, uma espécie de aura que caminha pela sonoridade específica de Suck It and See. O próprio Nick Cave, mesmo sendo australiano, carrega a forte influência do rock estadunidense, principalmente Lou Reed e Iggy Pop. É verdade que os membros do Arctic Monkeys vieram de um subúrbio de Sheffield, na Inglaterra. Porém, neste álbum, essas características transformam o disco dos ingleses em uma bela peça de rock referencial aos anos 1960, visível em canções como All My Own Stunts, que ecoa um misto de The Velvet Underground e Johnny Cash desde o início.
Também é curioso saber que, 10 anos depois, Suck It and See segue como um dos álbuns menos vendidos do grupo, pelo menos em números absolutos. Quando se emplaca um recorde logo na estreia, desbancando os gigantes do Oasis, naturalmente cria-se um nível muito alto a ser batido. Mas esse disco em específico parece dialogar com muitas questões pertinentes na indústria musical, como, por exemplo, a soberania de canções provenientes dos Estados Unidos no topo das paradas e premiações.
Essa parece ser a gênese de toda a sátira interessante que o grupo expôs no álbum. No próprio clipe de Evil Twin, em seus segundos iniciais, Matt Helders desfila com uma camiseta do Arctic Monkeys que carrega a bandeira dos EUA. O título e a censura que o disco recebeu no país também apontam para esse dialogismo, pois, mesmo sendo a mesma língua, pequenas nuances e gírias não compreendidas colocam em evidência que não há somente um predomínio da cultura de língua inglesa, mas da cultura estadunidense, especificamente.
De qualquer forma, sendo o melhor álbum do grupo ou não, Suck It and See marca o amadurecimento de seus quatro integrantes, trazendo um projeto mais coeso e entrosado entre voz e instrumentos, sem a típica sobreposição ruidosa de alguns singles que marcaram seus anos de formação. No fim, é por isso que soa como um álbum conceitual: trata-se de uma enorme piada do que aconteceria se o Arctic Monkeys fosse uma banda de rock estadunidense.