Nathalia Tetzner
O ano era 1986 e Bon Jovi se deixava escorregar por lugares ainda não explorados com Slippery When Wet, o terceiro projeto em estúdio da banda. Marcadas pela sonoridade do hard rock, as 10 faixas transitam com malícia pela euforia e provocam a sensação de congelar o tempo, atos que explicam as 12 milhões de cópias certificadas pela Associação Americana da Indústria de Gravação (RIAA) e a presença na lista dos 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall Of Fame. Em 2022, 36 anos desde o seu lançamento, o disco prova a sua atemporalidade com as composições que se tornaram clássicas.
Se Runaway (1984), música de estreia, alavancou o quinteto ao estrelato, Slippery When Wet transformou a caminhada de Jon Bon Jovi, Richie Sambora, Tico Torres, David Bryan e Alec John Such em um andar sobre as águas do gênero que liderou as paradas musicais da época. Nos Estados Unidos, o verão da década de 80 foi dominado pelos cabelos esvoaçantes característicos do estilo irreverente e pelas letras dotadas de sentimentalismo. O estado febril da potência musical do conjunto também ecoou mundialmente, os shows de divulgação da Slippery When Wet Tour tomaram os palcos de diversos países durante um ano e meio.
O projeto soa como uma narrativa em que a figura feminina e a complexidade da paixão são as musas. Enquanto a guitarra procura uma cura para a infecção causada pelo amor em Social Disease, o vocal se rende em I’d Die For You. Segundo Jon, o nome do álbum (em tradução literal: Escorregadio Quando Molhado) surgiu após uma visita a um clube de strippers onde as mulheres se ensaboavam. A arte de capa original trazia uma ilustração, mas que foi censurada pela gravadora Mercury Records, preocupada com a rejeição do público ao explícito. Assim, o saco de lixo molhado com Slippery When Wet estampado ganhou as prateleiras das lojas.
A história principal é conhecida: Tommy trabalhava nas docas e Gina na lanchonete durante a presidência neoliberal de Ronald Reagan. Livin’ On A Prayer foi a segunda das quatro faixas enviadas para as rádios e uma das mais célebres músicas do Bon Jovi. Lado a lado, o gosto amargo do primeiro e último beijo de You Give Love A Bad Name, o cenário de faroeste em Wanted Dead Or Alive e a balada romântica Never Say Goodbye foram eternizadas. O sucesso comercial causou a impulsão do grupo de rock no mercado da Música e, consequentemente, na cultura popular.
Especialmente, o som sobre o casal de trabalhadores que se agarram à esperança de dias melhores é uma referência constante na indústria cultural. Em 2009, a canção foi imortalizada na despedida de Todo Mundo Odeia o Chris, sitcom da família comandada por Julius (Terry Crews) e Rochelle (Tichina Arnold), personagens com uma trajetória semelhante à vivida por Tommy e Gina. Recentemente, a diretora da série Ms. Marvel, Meera Menon, também quis incluir o sucesso do quinteto em sua produção. Ela afirmou que pediu autorização para o uso da canção por acreditar ser de extrema importância para o roteiro, orientado pela jovem heroína de família imigrante em Nova Jersey, cidade natal da banda.
Jon Bon Jovi é um artista precoce, criou a sua primeira banda, Raze, com apenas 7 anos de idade e participou de outros projetos antes de se juntar ao Bon Jovi, em 1983. Na formação original, eram o guitarrista Richie Sambora, o baterista Tico Torres, o tecladista David Bryan e o baixista Alec John Such, falecido em junho deste ano. A coletânea Cross Road foi a última contribuição de Alec, que deixou a vida pública após a sua saída do quinteto em 1994. Ao longo do tempo, o grupo sofreu com brigas e alterações de integrantes, principalmente quando o vocalista e o guitarrista lançaram as suas carreiras solos.
Ainda que o álbum Bon Jovi (1984) tenha feito um trabalho decente em divulgar o grupo e que 7800° Fahrenheit (1985) apresenta um jogo de palavras divertido no título, que alude ao ponto de fusão de uma rocha (rock em inglês), os dois primeiros projetos em estúdio não representam com fidelidade o conjunto que ainda estava se descobrindo musicalmente. Por isso, o advento do terceiro disco foi tão essencial para que o futuro do Bon Jovi contasse com New Jersey (1988), o sucessor que prova o achado de uma identidade, a crítica política e social de Keep The Faith (1992), Have a Nice Day (2005) e a dinâmica reluzente entre Jovi e Sambora, e 2020 (2020), disco que sofreu grande interferência do contexto pandêmico.
Para Slippery When Wet, os executivos da gravadora trouxeram o compositor Desmond Child, à época, mente geniosa por trás de Kiss, Cher e Bonnie Tyler. Junto de Jovi e Sambora na garagem da mãe do guitarrista, a influência de Child foi essencial para que o disco ganhasse a roupagem radiofônica. Já em Vancouver, no Canadá, a produção e a mixagem ficaram a cargo de Bruce Fairbairn e Bob Rock, que estruturaram as características essenciais de um hard rock escorregadio, sem amarras ou preso a um conceito datado de gênero. Nascia assim, uma sonoridade genuína e lisa para a malícia de Bon Jovi.
Responsável por abrir a série de canções, Let It Rock introduz o fervor e o entusiasmo nas veias de quem escuta, emoções que são retomadas nos minutos finais, quando Raise Your Hands e Wild In The Streets entram em cena acompanhadas de um coro de vozes de levitar qualquer um do chão. É também na segunda parte do álbum que as baladas românticas assumem o controle do coração dos ouvintes: Without Love carrega algo mágico e engata o sentimentalismo que, futuramente, passaria a ser parte da identidade da banda com Bed Of Roses (1992) e Always (1994).
Assoprando as velas do seu aniversário de 36 anos, Slippery When Wet mantém o posto de um dos melhores e mais notáveis discos da história. Em 1986, Bon Jovi assumiu a difícil missão de se consagrar em um gênero musical muitas vezes cruel com os artistas que tentam transgredir os seus paradigmas. Com apenas dois projetos concluídos e um sonho, o terceiro ato da banda construiu a ponte que faltava para ligar o seu som à cultura popular. Cuidado! É preciso de sinalização para o piso molhado deixado pelo grupo malicioso e pelo rock escorregadio que fez tantos deslizarem em uma das aventuras mais singulares da Música.