Rafael Gomes
Em Julho de 1989, a NBC exibia o primeiro episódio de Seinfeld. No ar durante 9 anos, a série gerou um enorme impacto na Televisão e no humor, modificando como o gênero é apresentado e percebido pelos espectadores. O programa se tornou uma referência na Comédia situacional 35 anos atrás e se mantém relevante até os dias de hoje – em 2019, a Netflix pagou 500 milhões de dólares pelos direitos do programa.
Jerry Seinfeld começou sua carreira fazendo stand-up comedy em clubes nova-iorquinos, com um estilo observador e simples que chamava a atenção. Em 1981, participou do The Tonight Show Starring Johnny Carson, um dos programas mais populares dos Estados Unidos. Na ocasião, Seinfeld recebeu o aval de Carson, um gesto raro de aprovação do apresentador. O humorista, a partir desse momento, ganhou notoriedade e seguiu na carreira, realizando programas especiais como Jerry Seinfeld: Stand-up Confidential e aparições em grandes talk-shows como Tonight Show e Late Show.
A partir dessas apresentações, os executivos da NBC decidiram fazer um programa com Seinfeld. O comediante havia tido uma experiência prévia na série Benson (1979-1986), porém, foi demitido por não ser um bom ator. Por isso, Jerry Seinfeld só atuaria se fosse para fazer ele mesmo. Nessa época, o humorista fazia muitas apresentações em conjunto com seu amigo Larry David – juntos, tiveram a ideia de criar um programa sobre como um comediante cria sua piada. Originalmente, a produção seria um especial de 90 minutos, que iria contar a rotina de Jerry na busca de piadas, intercalando com cenas de shows. A NBC gostou da ideia e aprovou um episódio piloto de uma série.
O nome da série seria The Seinfeld Chronicles. Para a produção do piloto, a NBC contratou excelentes atores: Jason Alexander como George Constanza, e Michael Richards como Cosmo Kramer. O roteiro seria feito por Larry David e Jerry Seinfeld – que também estaria atuando como um personagem homônimo. O episódio foi produzido, porém, foi considerado fraco.
Mesmo com a avaliação ruim, alguns dos executivos da NBC apoiaram a ideia, por verem potencial em Jerry. O produtor Rick Ludwin foi o maior defensor da série dentro da empresa, chegando a cancelar especiais de comédia para poder produzir quatro novos episódios, com uma exigência: a série deveria ter uma personagem feminina. Assim, a atriz Julia Louis-Dreyfuss foi inserida na série, dando vida à personagem Elaine.
Esses quatros novos episódios foram exibidos depois da reprise da série Cheers (1982-1993), que fazia sucesso na época. Seinfeld manteve a audiência da reprise; dessa forma a NBC conseguiu financiar e encomendar mais 13 episódios – que se tornaram a segunda temporada. Durante as primeiras três temporadas, a série foi aclamada por críticos de televisão, mas não atingiu uma grande audiência. Os episódios lidavam com detalhes insignificantes do dia a dia como se perder no shopping, ficar esperando numa fila do restaurante ou não conseguir um lugar para estacionar um carro. Os atores, roteiristas e até mesmo o público, estava se habituando aos personagens.
A série decolou a partir da quarta temporada. Com o público habituado com os personagens, Seinfeld entrou no Top 30 da Nielsen Ratings. O quarto ano de exibição é responsável por The Contest, um dos episódios mais marcantes da série. O capítulo mostra uma aposta dos quatro protagonistas: quem conseguiria ficar mais tempo sem se masturbar. A palavra ‘masturbação’ não foi usada nenhuma vez durante o episódio, sendo substituída por outras referências. The Contest ganhou o Emmy de Melhor Roteiro em Série de Comédia em 1993. Nesse mesmo ano, a sitcom ainda foi premiada na categoria de Melhor Série de Comédia.
Seinfeld foi inspirada em experiências cotidianas de quatro amigos que vivem em Nova York. O ‘nada’ é o grande tema da série. Sem ter um assunto ou trama, a Comédia aborda o dia a dia de maneira leve e permeada de um humor cirúrgico, com situações absurdas e condenáveis. Diferentemente do que ocorria até a década de 1980, os protagonistas da série não são o que chamamos de bons cidadãos – ao contrário, eles são egoístas, exibidos, invejosos, entre outras características não muito agradáveis. Tudo que Seinfeld não queria passar era lições de moral, não importa o dano causado, o quarteto nunca aprende com a experiência.
O que faz Seinfeld ser tão especial são seus personagens. As figuras de Jerry Seinfeld – em uma versão fictícia de si mesmo –; George Constanza – como uma recriação do roteirista Larry David, o amigo de infância, explosivo, rabugento, um cidadão difícil de lidar –; Elaine Benes – a ex-namorada que se tornou amiga –; Cosmo Kramer – seu vizinho excêntrico. Seus personagens tão icônicos são onde está a piada, as situações do dia a dia, somadas às maluquices que cada um desses personagens, geram situações extremamente engraçadas.
Seinfeld quebrou convenções da Televisão mainstream. Ela se destacou dentre as comédias familiares e de amigos da época. As sitcoms eram centradas em um único tema ou situações cômicas restritas, enquanto Seinfeld focava em incidentes do cotidiano, como ficar numa fila de cinema, sair para jantar, comprar um terno, lidar com as amargas injustiças da vida. Esse ponto de vista apresentado na série é da filosofia do niilismo, na ideia de que a vida não tem sentido. Foi a primeira série de TV desde Monty Python’s Flying Circus (1969) a ser denominada como pós-moderna.
Seinfeld revolucionou ao combinar a utilização do formato multicâmera com takes de câmera única, abrindo novos caminhos no então formato engessado dos programas de TV. Essa técnica foi usada em séries como Breaking Bad (2008) e Louie (2010). Sua principal inovação vem na linguagem e no formato que foi feito em alguns de seus episódios. Produzir um episódio de 22 minutos, em que os personagens estão apenas esperando para sentar em uma mesa em um restaurante era algo peculiar para 1991. Utilizou-se microcenas, amarradas por piadas em mini-esquetes. O episódio The Chinese Restaurant mudou como se entendia a Comédia televisiva, levando Seinfeld para outro patamar.
A partir desse episódio, os produtores de Seinfeld investiram no que entendiam ser o futuro da TV: por meio da inclusão de dezenas de cenas em um só episódio, a narrativa adquire mais dinamismo e velocidade – , algo que é feito por todos hoje em dia. O episódio The Betrayal, na última temporada da série, foi inspirado na peça teatral homônima, em que a história é contada de trás para a frente – algo que seria visto no cinema anos mais tarde, como, por exemplo, no filme AMNÉSIA (2000).
No dia 14 de Maio de 1998, a NBC exibiu The Finale Part 2. Havia cerca de 80 milhões de espectadores estadunidenses esperando para assistirem ao último episódio de Seinfeld. O valor de 30 segundos de espaço publicitário foi mais caro que os comerciais no Super Bowl daquele ano. A recepção por parte da crítica não foi das melhores – com muitas das avaliações descrevendo o final como “mão-pesada” e “sem graça”.
Seinfeld se tornou referência para a Televisão norte-americana, e séries como Friends e Big Bang Theory não existiriam sem ela. O programa é indiscutivelmente um dos mais importantes e relevantes da história da Comédia, e se mostra rentável para os envolvidos até hoje. Até 2015, o seriado arrecadou U$3,1 bilhões com a venda dos direitos de reprise apenas nos EUA.
Mesmo após 35 anos da estreia da série e mais de 25 anos de seu último episódio, Seinfeld ainda funciona. Ainda que conte com algumas situações datadas, a essência do carisma dos personagens e as situações que eles se submetem continua intacta. A obra pavimentou tudo que vimos posteriormente em sitcoms como Duas Garotas em Apuros e How I met your Mother. Mesmo havendo episódios inteiros em que todo o plot seria encerrado com uma mensagem no celular, o cerne da série não está nessas situações e, sim, em seus personagens marcantes e únicos. Seinfeld, Elaine, George e Kramer são atemporais.