Giovanna Freisinger
“Eu tenho 76 anos e eu nunca aprendi uma lição em toda a minha vida”. Essa é uma fala de Larry David no último episódio da décima segunda temporada de Segura a Onda (Curb Your Enthusiasm, no original). Quando a série começou a passar na TV, em 2000, o cenário cultural dos Estados Unidos e do mundo era bem diferente. Desde então, os tempos mudaram, mas Larry não. A comédia concorre pela última vez ao Emmy 2024, em quatro categorias, inclusive a de Melhor Série de Comédia. Ela aparece consistentemente nas indicações da premiação desde o seu início, acumulando ao todo 55 indicações e – inexplicavelmente – apenas duas vitórias.
Após o hiatus de seis anos entre 2011 e 2017, a série voltou tão forte quanto era em suas primeiras temporadas, se provando atemporal e consolidando o criador Larry David como o melhor no que faz e, talvez, o único capaz de fazê-lo. É quase inacreditável uma obra como essa sobreviver ao teste do tempo. David conseguiu sustentar, por todos os anos que se manteve no ar, a prerrogativa de tocar em absolutamente qualquer assunto e tirar sarro de qualquer um. O humor ácido e satírico de ‘Curb’ atinge todos, não importa o quão sensível o tópico, nada está fora dos limites. Com isso, ele te obriga a enxergar o mundo com o mesmo cinismo do personagem, e a rir de tudo que é mais absurdo e terrível na existência humana. Somos ‘mesquinhos’ e cruéis, e a humanidade é hilária.
O criador, roteirista e protagonista consegue fazer isso e sair ileso por uma razão simples: não há nenhuma classe mais ridicularizada em Curb Your Enthusiasm do que os judeus estadunidenses da elite do desconexo mundo do showbusiness, ou seja, ele mesmo. A piada central da série é o personagem do Larry David, uma versão exagerada da pessoa real por trás da sua criação. Ainda que essa abordagem satírica não tenha se perdido na cultura, executar algo assim com a mesma audácia e sucesso hoje é raro. Com o fim da série, a Televisão se despede de uma grande figura da Comédia autêntica, uma das últimas de sua geração.
A premissa da série é, se você olhar além do cinismo, essencialmente humana. No fim, somos todos iguais… E péssimos. Nós nos conectamos por nossa inerente corrupção humana e David nos obriga a encarar isso através de cada um dos personagens da série. A crueldade, egoísmo e vaidade por trás dos pequenos momentos constrangedores do cotidiano é familiar até demais. Foi com essa sacada que ele construiu a sua carreira de mais de cinco décadas. Como co-criador da sitcom de sucesso Seinfeld, colocou um espelho diante de George Constanza: o personagem mais sem noção e difícil de conviver do grupo. O autor já disse em diversas ocasiões, inclusive, em episódios de ‘Curb’, que colocou muitas de suas próprias experiências no roteiro.
Larry David se recusa a se render à performance das interações sociais. Estamos tão acostumados a performar o tempo todo em nome da boa convivência e pelo desespero de evitar momentos constrangedores e desconfortáveis, que assistir alguém fazer exatamente o oposto disso nos pega desprevenidos. Ao quebrar todos os protocolos implícitos ao bom senso geral, David nos faz questioná-los. O personagem vê o mundo através das suas regras absurdas, expondo o quão submetidos estamos a outras regras tão arbitrárias quanto. Ora, o que resta de concreto quando tudo é levado ao ápice do ridículo?
A série é quase totalmente improvisada, com apenas um esqueleto de roteiro que leva cada episódio do início ao fim, criando uma estrutura básica para a trama da temporada. Como eles vão de um ponto a outro fica na mão dos atores e nenhum sabe o que cada um vai fazer em cena. É esse elemento que torna as interações da série tão autênticas e diferentes de tudo que vemos por aí. Mas, algo assim só funciona por conta do elenco. Todos os intérpretes que David reuniu são mestres em improvisação, treinados para construir e expandir a história sobre o que a outra pessoa te dá. Esse ano, Segura a Onda concorre ao troféu do Emmy de Melhor Direção de Elenco em Série de Comédia e Melhor Ator em Comédia para David, sua sétima indicação na categoria. Além do cast fixo, algumas das melhores cenas são interpretações de convidados.
O enredo da última temporada coloca um laço sobre tudo que foi construído até aqui. Larry David, de repente, é tido como um herói nacional após violar uma lei eleitoral, sem saber o que estava fazendo. Ele deixa a situação se estender para além do seu controle para não perder a admiração que vem com o status de ativista. Essa mesma superficialidade o levou a lugares estranhíssimos por todas as outras temporadas. E, claro, ao final, o protagonista consegue estragar todo o prestígio que conquistou por não conseguir ‘ir na onda’.
O encerramento da série não tenta ser algo grandioso, é apenas um ponto final, uma despedida. Com flashbacks de outros episódios, da vontade de imediatamente assistir tudo de novo desde o começo. Enquanto a fórmula poderia ter se tornado cansativa e maçante com o tempo, a comédia se manteve atual, engraçada e sempre muito afiada, assumindo novos riscos e melhorando as suas piadas. Após 24 anos, esse é o fim de uma era perfeita. Larry pode não acertar uma, mas Curb Your Enthusiasm acertou todas.