Vitória Lopes Gomez
Em uma época em que os slashers já estavam mais do que consolidados, Pânico se tornou um clássico por um motivo: o filme de Wes Craven revitalizou o subgênero ao se aproveitar das próprias convenções e regras e subvertê-las a seu favor. As fórmulas e os clichês viraram brincadeira nas mãos do diretor e do roteirista Kevin Williamson. Com muita referência, metalinguagem e, acima de tudo, autoconsciência, Pânico deu um jeito de satirizar o Terror ao mesmo tempo que se tornava um dos maiores clássicos do gênero.
Como a franquia de filmes apontou, “eles sempre voltam”. E assim foi: alguns anos e algumas sequências depois, a MTV resolveu dar continuidade às obras no formato televisivo. Afinal, “adolescentes” era basicamente o carro-chefe da emissora e, contanto que as vítimas agissem como a idealização das pessoas da idade, até um assassino à solta renderia conteúdo. O primeiro desafio veio, justamente, em adaptar os 120 minutos dos longas para os 10 episódios da primeira temporada de Scream. O próprio Noah avisou no piloto: slashers não duram muito tempo.
Assim como no primeiro Pânico, em Scream, uma cidadezinha é abalada quando adolescentes locais são brutalmente assassinados. De Woodsboro para Lakewood, até a jogada inicial permaneceu: no filme de 1996, a jovem estrela Drew Barrymore é morta em poucos minutos de filme; na série, Bella Thorne, a única cara conhecida da produção, também encerra sua participação logo na abertura.
As referências diretas são animadoras, claro, mas tentar replicar o clássico seria ou pretensioso, ou iludido demais. Felizmente, Scream se coloca em seu lugar, se atém a uma ou outra menção e acerta em ser sua própria produção. O nome de peso coloca a série no radar dos fãs e a responsabilidade de se associar aos filmes, surpreendentemente, dá certo.
Na temporada de estreia, após um crime chocar a quieta Lakewood, a jovem Emma Duval (Willa Fitzgerald) começa a ser perseguida pelo assassino mascarado. Enquanto segredos, intrigas e mais corpos vêm à tona, a protagonista e os amigos viram o alvo e ela descobre ter mais em comum com o passado sombrio da cidade do que imaginava.
Na pele do elenco desconhecido, como na franquia cinematográfica, os estereótipos característicos do slasher se misturam ao das séries teen. Ainda que mais apática e sonsa que a lendária Sidney Prescott, Emma é a mocinha. Inocente, simpática, virgem (óbvio), a cara da final girl. Entre as amizades dela, a melhor amiga mimada e popular, Brooke (Carlson Young), o namorado atleta e o amigo mulherengo são o clássico grupinho descolado. Do outro lado, os melhores amigos Audrey (Bex-Taylor Klaus) e Noah (John Karna), o nerd fã de serial killers, são os ‘excluídos’ – portanto, obrigatoriamente os mais interessantes.
Desafio superado, Scream se adaptou às telas da TV. Se nos filmes do subgênero não há tempo para os personagens e eles acabam se limitando aos rótulos, a série aproveitou a duração do formato televisivo para desenvolvê-los, assim como as relações entre eles. Envolvimentos amorosos ou parentes secretos, as conexões desconhecidas entre personagens são o que mais prendem a atenção e surpreendem, isso desde Pânico. No caso da série, o passado não resolvido gira em torno da figura misteriosa de Brandon James.
Em mais um jeito de tornar a premissa envolvente, fisgar o espectador e manter o segredo ao longo dos dez episódios, Scream volta no tempo. Anos antes dos acontecimentos da temporada, Brandon, um menino desfigurado, resolveu se vingar e matar todos que já caçoaram dele. O caso teve seu desfecho, até que, de volta ao agora, um assassino usando a mesma máscara cirúrgica que ele usava cavucou e trouxe à tona os eventos obscuros da cidade. Emma, procurando entender por quê virou alvo das ameaças, irá descobrir mais sobre sua própria ligação com os crimes enquanto tenta sobreviver.
Além de novos elementos e formas de execução (e uma máscara diferente), a série atualizou alguns temas. Misturando o slasher e o Terror ao teen da MTV, Scream introduziu uma discussão mais aberta de assuntos como sexualidade, saúde mental e bullying, além de levar o assassino às redes sociais e à internet para mostrar o poder e as consequências destas. E claro, teve o drama e os romances adolescentes também.
Diferente de Pânico, Scream se leva um pouco mais à sério. A metalinguagem tem só participação especial, por conta do divertido e carismático Noah, as referências são mais tímidas e as sátiras ficam de fora. Isso em comparação com a franquia do Cinema, já que a série realmente sabe melhor do que tentar um remake televisivo e só sucede por se contentar em ser sua própria produção.
Entre corredores de escola, pistas de boliche e festas adolescentes, a ambientação escura e sombria cria uma atmosfera de tensão que não precisa recorrer aos sustos ou à violência explícita para ser assustadora – apesar de, por vezes, fazer isso também. As histórias de fundo do universo de Lakewood, as rivalidades e os romances entre personagens são combustível para tramas paralelas e para mais enigmas, intrigas e conexões.
A série se manteve fiel aos slashers (e ao teen da MTV) mesmo sem conseguir escapar de alguns dos clichês que Pânico tirou sarro – por mais que o nerd avise, sempre tem alguém que solta um “eu já volto”. A primeira temporada concilia a matança ao desenvolvimentos dos personagens e suas histórias ao ponto de nos apegarmos a eles, e, em uma condução envolvente e cheia de suspense, não entrega o segredo do assassino até o momento certo. Ao final, a estreia de Scream prova que, ao contrário do que Noah achava, talvez o subgênero dê certo na TV.