Nathalia Franqlin
Ratched é a nova série de Ryan Murphy que chegou em setembro na Netflix, com uma primeira temporada que conta com 8 episódios. Estrelada por Sarah Paulson como a enfermeira Mildred Ratched, a produção traz a assinatura de Murphy em cada camada. Com figurinos e cenários impecáveis, extravagantes e coloridos, a trama se passa, majoritariamente, em um hospital psiquiátrico de luxo numa cidadezinha no litoral dos Estados Unidos, no final da década de 1940, após a Segunda Guerra Mundial. Aqueles que já conhecem o trabalho do produtor podem identificar elementos comuns com outras de suas obras, como American Horror Story e até mesmo Pose.
A trama se baseia no romance de Ken Kesey, Um Estranho No Ninho (1962), e no filme de mesmo título, dirigido por Milos Forman, lançado em 1975. Nessas obras, conta-se a história de Randle McMurphy – vivido no cinema por Jack Nicholson -, um homem de espírito livre que tenta se livrar da cadeia passando-se por um louco. Entretanto, ele entra em conflito com a enfermeira Mildred Ratched – interpretada por Louise Fletcher – que encabeça, de forma autoritária, o hospital psiquiátrico em que ele foi confinado. Na série de 2020, o foco agora é na enfermeira tirânica. A história se passa anos antes dos eventos de Um Estranho No Ninho, e pretende humanizar essa personagem que, por mais de 50 anos, se martirizou na cultura pop como um símbolo de crueldade e perversidade.
A atuação de Sarah Paulson está impecável, como já era de se esperar. A atriz vive esse projeto encontrando colegas de outros trabalhos, como o próprio Ryan Murphy e o Finn Wittrock, que interpreta o personagem Edmund Tolleson. Outras performances que merecem destaque são: a de Judy Davis, que vive a careta enfermeira-chefe Betsy Bucket; Sharon Stone, que está radiante no papel de Lenore Osgood, uma milionária excêntrica em busca de vingança; Jon Jon Briones, na pele do médico Richard Hanover; e Sophie Okonedo, que vive Charlotte Wells, uma paciente com transtorno de personalidade responsável por grandes reviravoltas.
A cromática da série vai para além da estética propriamente dita. Tantas cores vívidas tornam a perversidade e a violência explícita muito mais viscerais, levando uma sensação de mal-estar até mesmo para o público menos sensível. O jogo de cores em cada episódio de Ratched se torna um experimento de criatividade e interpretação para quem assiste. Apenas na primeira semana de lançamento, já foi possível encontrar pessoas em fandoms das redes sociais discutindo e especulando sobre os possíveis significados das intrigantes cores totais em algumas cenas. É interessante como a equipe de Ratched conseguiu dar um tom quase macabro para uma sequência tão colorida e viva.
Ao longo dos episódios somos apresentados a um mundo peculiar, com cenas de marionetes tétricas, fetiches sexuais bizarros e experimentos perversos, que subvertem o ser humano ao limite do que é, de fato, apenas o ser humano. O que mais incomoda, propositalmente, nesses elementos é a verossimilhança deles com o mundo, o realismo da produção faz com que o espectador atravesse para dentro da tela e sinta empatia pelos personagens. Isso acontece porque Ratched carrega críticas a comportamentos sociais que são componentes compartilhados entre a realidade e a trama ficcional, como o racismo sofrido por personagens não brancos, o machismo e a homofobia naturalizados em um ambiente conservador dos EUA na década de 1940, a exploração infantil carregada de perversidade que a protagonista sofreu, entre outros.
Como, infelizmente, nem tudo é perfeito, Ratched também tem seus pontos fracos. Começando pelo roteiro, que apresenta algumas falhas e, em alguns casos, parece que a direção de fotografia da série foi o foco da produção – porque ela é, de fato, impecável – e o texto ficou em segundo plano. Ao longo da trama, alguns tópicos são levantados e deixados em aberto, dando a sensação de descontinuidade e quebra de ritmo ao decorrer dos capítulos. Há cenas que poderiam simplesmente não existir, como, por exemplo, um telefonema entre Ratched e Lenore, que toma tempo dos episódios e faz com que não sobre para o desenvolvimento de outros conflitos, que acabam chegando em uma solução de maneira supérflua e mal resolvida.
Além do mais, há questionamentos sobre qual deveria, de fato, ser o episódio final da série. O sétimo cumpriria perfeitamente a função de fechar o enredo e dar abertura para uma nova temporada, já que o oitavo se esforçou para arrastar a história, na tentativa de criar um novo clímax e prender a audiência para o próximo ano. Mas, com isso, acabou pecando por excesso e criou um final desgarrado, pouco satisfatório, e que dá espaço para novos conflitos, mas que não encerra pendências apresentadas anteriormente.
Saindo dos problemas de roteiro, uma crítica comum entre os fãs do clássico Um Estranho no Ninho é a de que essa nova Ratched de Ryan Murphy é extremamente diferente da enfermeira maligna do filme de 1975, tanto em personalidade, como no próprio estilo da protagonista. Entretanto, esse é um defeito que ainda pode ser resolvido. Por ser uma história de origem já é esperado que a personagem tenha longos arcos de desenvolvimento até chegar na personalidade do tempo presente. Tudo depende de como será o andamento das próximas temporadas.
Apesar de tudo, tais problemas afetam pouco a qualidade da trama no geral. Ratched continua sendo uma obra instigante, com uma fotografia primorosa e que, ao final de cada episódio, deixa um gostinho de quero mais. Para os fãs carentes de American Horror Story, este é um presentinho de Ryan Murphy. Essa é a produção indicada para ser maratonada em um final de semana, por aqueles que tenham o estômago forte e gosto pelos clássicos. Até o momento, espera-se que a série seja renovada para quatro temporadas, amarrando o final com Um Estranho no Ninho, e dando o desfecho que todos os espectadores merecem.