Davi Marcelgo e Guilherme Machado Leal
Na música pop, artistas femininas são colocadas a prova a cada trabalho que realizam. Criam-se rivalidades entre cantoras, de Madonna à Gaga até Taylor Swift e Katy Perry. Seja pela sonoridade, pelos vocais ou pela composição, as mulheres do gênero musical precisam se esforçar duas vezes mais se comparadas aos cantores masculinos. Com Dua Lipa, a situação não foi diferente: desde a sua estreia, com o álbum homônimo, mesmo com números exorbitantes – a exemplo o clipe de New Rules, que possui mais de três bilhões de visualizações no Youtube –, a cantora não ficou ilesa das críticas devido aos seguintes questionamentos: ‘ela vai aprender a dançar?” e ‘ela irá superar o primeiro trabalho?’. Após o lançamento do Future Nostalgia, em 2020, a britânica provou que, daqui 40 anos, vamos sentir saudades do seu dance-pop.
Agora, iniciando a sua terceira era, Radical Optimism, a artista se afasta da sonoridade que abordou durante os três anos do seu segundo disco. No lançamento de Dance The Night para Barbie (2023) e os três singles, o público quis testar a albanesa ao apontar que o novo projeto seria uma coleção de descartes do FN. Porém, desde Houdini, a influência de Kevin Parker (Tame Impala) com os arranjos de sintetizadores e pianos elétricos, deixaram claro a pegada psicodélica do mais recente trabalho, distanciando-se dos laços com as pistas de danças da década de 1990. Mas será que com as diferenças, o mergulho de Dua Lipa entre tubarões é tão profundo e memorável quanto seu antecessor?
A resposta é um misto de sentimentos. É difícil não compará-lo com Future Nostalgia, que foi a sensação da pandemia e não parou de tocar nas rádios. Sucesso foi tanto, que a cantora lançou duas novas versões, The Moonlight Edition e Club Future Nostalgia. Com tanta energia, a expectativa era de que Radical Optimism fosse melhor. No entanto, ele não precisa. Não no sentido de que Lipa pode lançar faixas medíocres só por ter um álbum essencial na carreira, mas porque este novo tem outras ambições, histórias e ritmos. Ele não quer ser um projeto energético e dançante – mesmo que os três singles apontem para essa direção.
Houdini, Training Season e Illusion soam como uma transição de uma era para outra. Como se fosse um aviso da artista para os fãs não se assustarem com uma mudança brusca. O álbum aposta em coros de fundo, uma balada que altera seu ritmo pela metade e French Exit, faixa que remete a um pop francês, como Fever (2020), com a francesa Angèle. Escolher lançar primeiro as músicas mais animadas é, sem dúvidas, uma decisão de mercado, que vai atrair os ouvintes do FN para uma fase tão enérgica quanto a última.
Após o primeiro contato com o terceiro disco, a sensação agridoce é a que fica ao término dos 37 minutos de Radical Optimism. Isso porque, diferente do Future Nostalgia, o conceito formulado pela cantora não se faz tão claro nas letras do projeto. No entanto, sonoramente, os instrumentos utilizados por Kevin Parker em faixas como Training Season e Whatcha Doing, podem ser apreciados pelos fãs da artista. Além disso, embora Houdini seja, no mínimo, uma das cinco melhores canções de Dua Lipa, a era otimista e radical da albanesa não possui um hit instantâneo.
Em uma era marcada por TikTok e músicas rápidas, a cantora segue na contramão. Quando disponibilizou os três singles que antecederam o lançamento do álbum, Lipa deu aos fãs versões estendidas e instrumentais das canções. Assim, ela valorizou não só o trabalho de composição da nova era, mas também o ponto mais alto do novo disco: as produções dele. Além disso, também é notável o amadurecimento da cantora enquanto pessoa para esse novo momento de sua carreira. Em entrevista concedida a Zane Lowe, a artista mostrou um pouco mais do livro de letras que inspiraram o Radical Optimism. A canção Illusion, por exemplo, foi a primeira escrita para o projeto e ditou, visualmente, o que a compositora pretendia passar para o público.
Proporcional a uma aula de natação, em que não é no primeiro mergulho que se aprende a nadar, não é em apenas um play que as intenções de Dua Lipa ficam cristalinas. Se, em seus outros discos, a cantora cantava sobre corpo, prazer e sexo em faixas como Begging, Physical e Lost In Your Light, o terceiro projeto propõe a historia de um eu lírico que está a vontade com um término, mas que, aos poucos, descobre que a situação não é tão otimista assim e que é preciso se esforçar para aceitar as mudanças.
A primeira faixa End Of An Era anuncia que a artista deixará para trás o estilo de vida boêmio e cairá nos braços de alguém que acredita ser o seu ‘felizes para sempre’, contudo, no fim, acaba sendo um ciclo de desilusões. Já em These Walls, a albanesa personifica as paredes de um quarto que, se pudessem falar, deixariam claro que o relacionamento entre duas pessoas já está na hora de terminar. Com cordas de guitarra e um coro de fundo animado, a cantora transforma a música em um delírio trivial contagiante. Nesta canção, a compositora concorda com os apontamentos das paredes, mas não quer ser “aquela que termina tudo”.
Por esse lado, na faixa Whatcha Doing, a artista canta sobre um futuro possível relacionamento que desconcerta os seus sentimentos. Com um pré-refrão viciante, a canção, produzida por Kevin Parker, soma-se às outras do Radical Optimism que dão um toque mais dançante ao álbum. Além disso, Falling Forever, por exemplo, contém um dos melhores vocais gravados por Dua Lipa. A letra é simples: a britânica pede ao amado que se apaixone por ela todos os dias de sua vida, sendo um ótimo exemplo de como o eu lírico amoroso vivido pela albanesa se conecta com a sua alma pop e radiofônica.
A última canção, Happy For You, escancara essa força de querer ser otimista. Após querer se livrar de situações de forma discreta e passar por desilusões, a cantora diz estar feliz que seu amado esteja com outra pessoa. Seu conforto com a situação é tão gritante que ela não sente ira ou sofrimento; “Eu devo ter te amado mais do que um dia imaginei”, canta no refrão. A faixa é acompanhada de acordes agridoces e sons ambientes (vento e pássaros), reforçando essa felicidade acompanhada de uma tristeza.
Ao final, as músicas apresentam uma coerência, há uma história sendo contada: alguém que faz de tudo para manter o amor durante dez faixas do álbum mas, na sua décima primeira faixa, aceita o fim. A intercalação de canções mais tristes e felizes dão essa sensação de que a cantora leva suas emoções ao extremo para se sentir feliz. Diferente do FN, em que há sequências de músicas animadas e coesas, o terceiro projeto não é tão certeiro nessa unidade sonora. Porém, a clareza do conceito fica transparente depois de mergulhar junto com Lipa e ouvir o disco mais vezes, o que faz as ideias dele fazerem sentido junto com a sua sonoridade.
Em relação aos visuais, a era Radical Optimism reafirma a versatilidade e evolução da musicista. O clipe de Houdini, por exemplo, se assemelha ao de Hung Up da cantora Madonna. Dua Lipa está em um estúdio de dança, ao lado de seus dançarinos e com o cabelo vermelho, que conferiu ao terceiro disco a identidade visual da artista. Mais uma vez, é possível ver o talento da albanesa a partir da forma com que o seu estilo se altera a cada trabalho novo. Já no clipe de Illusion, referências claras aos clipes das faixas Body Language e Aphrodite da australiana Kylie Minogue. As duas veteranas, inclusive, colaboraram com a novata na era Future Nostalgia; Madonna apareceu no remix de Levitating, também com a presença de Missy Elliot, enquanto Kylie Minogue cantou a música Real Groove com Lipa no especial Studio 54, projeto em que a artista entregou versões ao vivo dos hits do segundo disco.
Não foi apenas a identidade visual da musicista que evoluiu ao longo dos anos. No começo de sua carreira, Dua Lipa foi extremamente criticada por uma performance que fez da música One Kiss. Na época, a cantora não se sentia confortável em dançar e o público prontamente percebeu após a apresentação. No entanto, as críticas se tornaram uma meta para a cantora: quando iniciou a era Future Nostalgia, ao se apresentar no MTV Europe Music Awards (EMA), a albanesa arrancou elogios da platéia. Em 2024, na performance de Training Season realizada no BRIT Awards, a voz de Don’t Start Now mostrou mais uma vez o seu empenho em se tornar uma artista pop. Com movimentos ágeis e breakdance no meio do show, a ruiva divulgou o Radical Optimism com sangue nos olhos.
Superar um álbum estrondoso nem sempre é possível, ainda mais se o projeto anterior for o Future Nostalgia. Entretanto, Dua Lipa parece saber bem o caminho que irá seguir na Música pop. Hoje, ela canta sobre a sua vida amorosa e evolução pessoal, não se importando com a ‘caixinha’ que irão colocá-la. O terceiro disco da artista não é fraco, muito pelo contrário, ele a consolida como uma cantora essencialmente popular, que sabe utilizar referências e, a partir delas, cria a sua própria história. Além disso, o Radical Optimism não soa como o trabalho que veio antes, tampouco é inferior. Os dois são diferentes e conversam a respeito de momentos específicos da carreira da britânica, comprovando, mais uma vez, o seu talento em passear por diferentes sentimentos e sonoridades em uma canção.
Uma das críticas que cercam o trabalho de Lipa é a associação de suas músicas a meros sons de fundo de lojas de departamento. No entanto, resumir o trabalho da artista a canções descompromissadas com a realidade é um erro, uma vez que sua voz e as referências que ela utiliza são singulares e incomparáveis com outras divas do pop. O futuro da cantora é incerto, os gêneros que irá trabalhar daqui quatro anos é um mistério, mas uma coisa é certa: o público precisará segurar o fôlego para mergulhar junto com a britânica e, até mesmo, estudar mais estilos musicais que ela esteja disposta a homenagear. Com seu britpop, Dua Lipa nada em direção à sua própria evolução em Radical Optimism.