Guilherme Machado Leal
Estrelas de Hollywood e o incrível percurso de uma montanha-russa são o combo perfeito para se estudar a trajetória da carreira de um ator. Todos, sem exceção alguma, possuem seus altos e baixos, períodos em que são muito requisitados e tempos sombrios nos quais são esquecidos. Tal caminho, inerente à fama, também encontrou a atriz Jennifer Lawrence (Jogos Vorazes). A nossa eterna Katniss Everdeen, que já foi o talento mais bem pago por dois anos seguidos, se afastou dos holofotes para se concentrar na maternidade. No entanto, após ler o roteiro de um certo filme, a ganhadora do Oscar decidiu retornar ao mundo da atuação. Afinal, o que em Que Horas Eu Te Pego? a colocaria de volta às telonas?
Dirigido por Gene Stupnitsky (Good Boys), No Hard Feelings conta a história de Maddie Barker (Lawrence), uma mulher de 32 anos com múltiplos trabalhos que, vivendo em uma situação de desespero, opta por aceitar um emprego inusitado. Ela precisa namorar Percy Becker (Andrew Barth Feldman), um garoto de 19 anos, introvertido e socialmente desajeitado. À primeira vista, é de se pensar que a trama é só mais uma comédia de dois protagonistas com vivências antagônicas e, por um lado, é. Entretanto, atores de alto escalão não se aventuram mais no gênero. Aquele longa, estrelado por um nome conhecido da indústria, com uma sinopse básica e uma história previsível, não é feito mais hoje em dia. Talvez seja por isso – e outros bons motivos – que o projeto reacendeu a chama da veterana.
Vivendo na zona de conforto e envolvido pela bolha social criada pelos seus pais, o jovem – recém aceito em Princeton – nunca passou pelas seguintes experiências: ser convidado para uma festa, ter um amplo grupo de amigos e, o “mais importante” nessa época da vida, beijar. Todos esses fatos sobre Percy fazem com que o trabalho de Maddie seja ainda mais desafiador, pois ela precisa transformá-lo em alguém descolado em um curto período de tempo. É importante lembrar que a tarefa foi encaminhada pelos pais do garoto, o que deixa a trama ainda mais cômica.
No melhor estilo do clássico “I’m a virgin who can’t drive”, Andrew Barth, em seu primeiro papel como protagonista, nos entrega um nerd carinhoso – um dos arquétipos mais conhecidos do ambiente escolar. Aqui, mesmo com apenas a ponta do pé na vida adulta, ele, diferente dos jovens de sua idade, é responsável com os sentimentos daqueles que o cercam e prefere ter conexões no lugar do sexo casual. O prodígio da família Becker se importa com os outros e, junto ao carisma do ator que o interpreta, fica fácil se apaixonar pelo personagem nos minutos iniciais.
É nesse ponto, aliás, que se dá a dinâmica entre Percy e Maddie, já que, para obterem o que precisam, ambos devem criar um vínculo. Ela foi paga para torná-lo um homem atraente e popular na faculdade, enquanto o CDF se pergunta constantemente o que aquele mulherão quer com um simples calouro. A casa da solteirona, em Montauk – cidade do estado de Nova York, marcada pelas belas praias e um bom refúgio da caótica rotina nova iorquina -, está para ser leiloada e as suas contas estão vencidas há tempos, fazendo com que o projeto ‘Percy Garanhão’ seja a sua última chance.
O uso da música Maneater (devoradora de homens, no bom português), de Daryl Hall e John Oates, serve não só como uma caracterização da personagem de Lawrence, mas também possui o papel de recurso narrativo do filme. Nos versos “Oh, lá vem ela” e “Cuidado, garoto, ela vai te mastigar”, o objetivo está mais claro do que nunca: ela fará de tudo para realizá-lo sexualmente. Mas, encantador como é, Que Horas Eu Te Pego? subverte o tom da canção, em uma das cenas mais carinhosas da trama. A inesperada camada que Maddie acessa ao longo dos 103 minutos assistidos só pode ser entendida a partir da análise da letra e os diferentes subtextos que ela adquire.
Não é à toa que o roteiro, assinado pelo diretor e John Philips (Dirty Grandpa), foi o principal fator para o retorno de Jennifer Lawrence. Como dito anteriormente, o longa é recheado de clichês do universo besteirol, porém a sua escrita o torna um sorvete delicioso em meio às altas temperaturas de Montauk. Isso só reflete a importância dos roteiristas no processo de criação de uma obra cinematográfica, pois é nos diálogos, feito por pessoas (e não inteligências artificiais!), que se tem a síntese do que os envolvidos naquela produção querem mostrar ao público.
Voltando para Percy e Maddie, há uma identificação entre os dois personagens: o sentimento de estagnação. Ele está parado no tempo quanto às convenções sociais praticadas pela sua geração, já ela, no sentido físico da palavra. Ambos, com o amadurecimento de seu vínculo, sustentados pelo elevado tom de comédia, aos poucos se despedem dos seus antigos ‘eus’ e crescem juntos em tela. Nesse sentido, a divertida relação dos atores na vida real apenas ressalta a química de seus respectivos papéis.
Seria um erro falar sobre No Hard Feelings sem dar o crédito à ela, que já fez de tudo no mundo hollywoodiano: Jennifer Lawrence. Vencedora do prêmio Oscar aos 22 anos, por O Lado Bom da Vida, a exploradora dos mais variados gêneros do cinema – a exemplo do drama Passagem e o suspense psicológico Mãe! – obtém na comédia um de seus maiores feitos. A atriz, naturalmente engraçada e “queridinha da Academia”, realiza aqui um obstáculo trabalhoso: fazer o público rir. O gênero dramático tem a facilidade – se comparado ao humor – de arrancar o choro do espectador, mas é na comicidade que um bom ator mostra a que veio.
Piadas são subjetivas, pois necessitam de um conhecimento de mundo prévio daquele que assiste. Todavia, por conta de um excelente texto, Lawrence se destaca – algo redundante, mais uma vez – por nunca ter sido protagonista em uma comédia. É válido reconhecer que estamos falando de uma obra puramente engraçada, pois ela já fez uma sátira política, mas o seu último filme é leal ao que se propõe: tratar de assuntos pesados – como o bullying e o sexo – de maneira exclusivamente cômica.
No geral, é sempre bom ver um excelente ator se divertindo genuinamente em um longa-metragem. Aqui não é diferente: com dois talentos afiadíssimos em seus papéis, a forma estadunidense de se ver o humor ganha mais uma pedra preciosa. Ao lado de Missão Madrinha de Casamento e Gente Grande, apenas dois de um compilado de obras icônicas marcadas pelo riso, a história comandada por Stupnitsky deixa o espectador mais alegre no final da sua experiência do que quando entrou.
Que Horas Eu Te Pego? possui a desafiadora tarefa de, ao mesmo tempo, evidenciar o talento indiscutível de Jennifer Lawrence e apresentar Andrew Barth Feldman ao estrelato. Os objetivos, no final das contas, são atingidos e dão um gostinho de quero mais. Respondendo ao título do filme, não há como saber – ou pelo menos não pode ser contado. Apesar disso, a hora de pegar um tempo para se entreter assistindo uma das tramas mais engraçadas do ano é agora. Desliguem os seus celulares e tenham uma ótima sessão.