Persona Especial – Representatividade LGTBQIA+

Em 2024, o Persona alcançou a marca dois mil textos e seguidores (Texto de Abertura: Jamily Rigonatto / Artes: Henrique Marinhos)

Entender a si mesmo como uma pessoa LGBTQIA+ é, muitas vezes, uma tarefa difícil. Isso pode ser ainda mais intenso na adolescência, quando a pressão externa para ser igual a todo mundo – ou até melhor – te empurra a ser exatamente como esperam que você seja. Nesse contexto, coisas simples podem ganhar um significado imenso. Mas afinal, como a representatividade na mídia importa?

Em um momento de descoberta, dar de cara com um livro, filme, clipe ou até comercial que te faça sentir inteiro pode mudar muito sua jornada de auto aceitação. Encontrar casais sáficos, gays, pessoas trans e demais letras da comunidade existindo e sendo de verdade – mesmo que na ficção – nas linhas de algum produto é o tipo de coisa que te mostra que está tudo bem ser assim, não é um desvio de caráter e, muito menos, uma exclusividade azarada. 

Fechando mais um Mês do Orgulho, alguns membros da nossa Editoria compartilham como o contato com produções queer na adolescência fez diferença e, de certa forma, acompanha suas vidas até hoje. Levantando a bandeira de um jornalismo cultural que preza pelo respeito e acolhimento da diversidade, o Persona agradece por mais essa cobertura. Amar e existir são atos de resistência lindos. 


Capa ilustrada da hq Jovens Titãs: Renascimento. O cenário é de um mar com o fundo de prédios e um prédio em forma de T, a central dos Titãs. Ao centro está Aqualad, um jovem negro de cabelos loiros com tatuagens brilhantes em seu braço. Ele está golpeando a água com uma lança feita de água. Ao seu lado direito está Mutano, um golfinho verde. A direita está Kid Flash, um garoto negro com traje amarelo que corre sobre a água. Logo acima está Estelar, uma alienígena de pele laranja, olhos verdes e trajes e cabelos rosas. À esquerda está Robin, um garoto de 13 anos com traje de luta amarelo, verde e vermelho e preto, como sua máscara. Logo ao lado está um demônio vermelho com asas de morcego e corpo de cachorro. E abaixo Ravena, uma mulher de cabelos roxos e sobretudo azul-escuro com uma capa que simula penas de corvos.
Ao contar ao seu pai que era gay, Aqualad é atravessado pela lança da indiferença: você fala como se estivesse me fazendo uma pergunta, acha que me importo? Somos apenas carne (Foto: DC Comics)

Jovens Titãs Renascimento: A Ascensão de Aqualad

Aos 15 anos, em 2017, ser gay não parecia grande coisa no ensino médio. Então, o mundo exterior com meus colegas e amigos foi a parte fácil. Desde a série animada dos Jovens Titãs, que marcou gerações com uma gótica, um ciborgue, o emburrado filho do Batman, uma alienígena e um vegano, as histórias de heróis sempre me fascinaram, não pelos poderes, mas pelos arranjos de equipes e aceitação no mundo, como em X-Men.

No quadrinho Jovens Titãs Renascimento: A Ascensão de Aqualad (2017), o herói filho do Arraia Negra – vilão dos filmes de Aquaman acusado de assassinato, roubo, conspiração e terrorismo – enfrenta um inimigo diferente dessa vez, seu relacionamento com seus pais e o medo da rejeição. Por ser um garoto que consegue controlar a água e criar objetos a partir dela, tem tatuagens brilhantes e não querer seguir o caminho maléfico do pai? Não. Por ser gay e descolorir o cabelo.

“Você já nasceu com uma marca em você, a que todos chamam de tatuagem, agora você acrescentou esse cabelo branqueado. E garotos. Por que está tentando tanto ser diferente?”                                                           
“Não estou tentando, mãe. Eu sou.”

Não é novidade que o universo de HQs e animações da DC está, politicamente, anos-luz à frente da Marvel. E fez muito mais em duas edições de quadrinhos que uma saga inteira de Vingadores no que diz respeito a representatividade queer, quando uma mãe amorosa o questiona de uma forma tão ríspida e um pai ausente como o Arraia Negra o trata como se isso sequer fizesse diferença, o desenvolvimento de sua identidade e lore nas próximas edições da HQ me guiou por um caminho mais leve e acolhedor. – Henrique Marinhos


Gabriel e Leonardo, dois adolescentes, estão sentados em um quarto iluminado pela luz do dia que entra pela janela. Gabriel, à esquerda, com cabelo cacheado e vestindo o uniforme da escola, uma camiseta cinza com detalhes azuis e um pequeno bordado de coruja no peito, sorri levemente enquanto olha para Leonardo. Leonardo, à direita, também veste o uniforme, uma camiseta cinza com detalhes azuis e segura um caderno no colo, sorrindo enquanto lê. No quarto, há uma luminária de mesa, um prato e um copo sobre a mesa ao lado de Leonardo, e cortinas bege pendem na janela.
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho captura minuciosamente a ingenuidade entres dois adolescentes se conhecendo (Foto: Lacuna Filmes)

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

Desde a minha infância, tinha consciência de que não era igual aos outros meninos. Por conta disso, ser gay nunca foi uma questão de crise de identidade, além de ter tido o privilégio de conviver em uma escola onde podia expressar minha sexualidade abertamente sem preconceitos. A virada de chave aconteceu quando me apaixonei pela primeira vez aos 14 anos – pelo meu melhor amigo hétero, quem nunca? – e percebi como aquilo era real e iria me acompanhar pelo resto da minha vida. 

Foi então que assisti o filme Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, que me mostrou da forma mais doce possível que meninos como eu poderiam ter histórias felizes de amor. Ao contrário das versões caricatas de homossexuais representadas em outras produções, eu conseguia me relacionar com os traços introvertidos de Leonardo. Ao mesmo tempo que a figura de Gabriel me dava esperança de que um dia encontraria alguém tão extrovertido e livre como ele. 

A maneira como o longa representa de forma tão inocente a adolescência, as relações de amizade, o autodescobrimento e como é se apaixonar sem perceber por alguém pela primeira vez foi muito importante para mim, e acredito que para muitas outras pessoas. Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é uma pérola do Cinema nacional e definitivamente entra no panteão de obras LGBTQIAPN+ que marcaram uma geração. – Arthur Caires


Primeiro contato sáfico de uma geração, Girls Like Girls ganhou uma versão literária em 2023 (Foto: VEVO)

Girls Like Girls – Hayley Kiyoko

Ao subir o clipe de Girls Like Girls no Youtube em meados de 2015, Hayley Kiyoko mudou os caminhos de muitas garotinhas que navegavam pelo site em busca de hits do pop. Em um momento que se entender diferente fazia as cores de um mundo particular parecerem absolutamente acinzentadas, encontrar a imagem doce de duas garotas se beijando fez tudo ter tanto sentido, que os monstros definitivamente ficaram menores.

O retrato suave, delicado e completamente encantador traduziu em imagens os anseios de quem era apaixonada pela melhor amiga sem sequer entender o que aquilo significava. Nas linhas de uma narrativa em que as personagens parecem tão confusas quanto quem está assistindo pela primeira vez, o misto de sentimentos chegava a uma única conclusão: você não está quebrada! 

Sendo sincera, se naquela época os apps fizessem algum tipo de retrospectiva, aquele clipe com certeza seria o mais ouvido do meu ano e com uma quantidade de visualizações questionável – em minha defesa, era parte de um trabalho investigativo sobre quem eu sou.  Brincadeiras à parte, cantar “girls like girls like boys do, nothing new” em alto e bom som, fez uma adolescente de 14 anos se sentir abraçada quando tudo parecia prestes a desmoronar.  – Jamily Rigonatto 

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