Isabella Siqueira
Claustrofobia e mistério ajudam a definir a nova coprodução francesa e estadunidense da Netflix, Oxigênio (tradução de Oxygen). Ao mesclar o futuro da Terra com um confinamento tecnológico, o longa pode até ser entendido como um episódio alternativo para a pandemia do novo coronavírus. A personagem de Mélanie Laurent nem sabe seu próprio nome, muito menos um jeito de sair da cápsula criogênica de onde acordou de repente, isolada e sem memória.
A proposta de rodar um longa dentro de uma caixa/câmara não é única. Em 2010, foi lançado o filme Enterrado Vivo, e apesar do caixão onde Ryan Reynolds está preso ser menos avançado e chique do que o de Laurent, o sentimento de restrição é o mesmo. Inicialmente como uma ficção científica misturada com suspense, Alexandre Aja dirige uma trama cheia de camadas que discorre sobre a própria covid-19.
Ao despertar na câmara, Elizabeth Hansen exibe diversos sentimentos, mas, principalmente, desconforto e medo. Infelizmente seu nível de oxigênio apenas abaixa conforme ela chora, grita e se debate, com o passar do tempo, a personagem aprende que deve manter a calma e pensar logicamente para encontrar uma saída. Sem saber o que está por trás da situação ou o que existe além da cápsula, a protagonista só se comunica com MILO (Mathieu Amalric), o sistema que observa seus sinais vitais.
Com uma baixa porcentagem de oxigênio restante, Liz tenta acessar suas lembranças procurando pistas de como chegou aquela cápsula. Com acesso a fotos, vídeos, e até com a possibilidade de realizar ligações, parece fácil descobrir qual é a história da médica. Mas, é preciso notar que o lapso de memória da protagonista não é estranho para o público. Sua condição lembra muito aquela vaga sensação de lembrar de algo, mas não saber exatamente o que é, como se existisse uma recordação chave na ponta da língua.
Apenas ao sentir dor, se furando com agulhas e pressionando ferimentos, ela consegue pequenos resquícios de memórias. Assim, por meio de flashes, a protagonista elabora teorias para justificar a situação, buscando em vão um código ou ação que a liberte. Ao longo da narrativa, outros personagens também são inseridos para revelar pistas, mas o que Liz descobre com eles é a impossibilidade de poder confiar em outras pessoas.
Por se passar numa câmara criogênica, é impossível não mencionar a sensação claustrofóbica que o longa transmite. Aja escolhe ângulos que apenas endossam o desconforto do espectador. Filmado a partir das extremidades, de cima, e com closes insistentes no rosto da protagonista, que se contorce constantemente, a obra é inteligente em meio a tantas restrições.
Para ajudar, Elizabeth se encontra presa com cintos e tubos enfiados por todo seu corpo. Os recursos tecnológicos disponíveis são tudo, menos um alívio para a personagem. E, mesmo que os termos científicos sejam complicados e até exagerados, MILO ajuda a compor o dinamismo proposto por Oxigênio.
A correlação entre o filme e a pandemia é perceptível nos detalhes, em alguns flashbacks são vistos personagens usando máscaras, aludindo a um contexto muito atual. Ao final, a personagem descobre ser na verdade um clone da real Elizabeth. Assim como toda obra sci-fi, a Terra está chegando ao fim após a disseminação de um vírus catastrófico. E, a apenas duas gerações da extinção, a pesquisadora criou uma solução brilhante para preservar a raça humana: manter clones em câmaras no espaço em estado de hibernação. Mas, com muita sorte, Liz consegue acordar bem no meio do processo, e obviamente acaba indignada com a impossibilidade de sair de lá.
Apesar de não ter lembranças sólidas sobre quem era, Elizabeth acaba manifestando sentimentos por pessoas que nunca conheceu. Com as sensações afetivas de sua original, a personagem encontra em Léo (Malik Zidi) a saudade. Seu único objetivo se torna descobrir o que houve com o amado, a descoberta dessas emoções é transposta com maestria por Mélanie Laurent. A atriz, conhecida pela participação em Bastardos Inglórios, encara bem o papel de uma mulher confinada lutando contra o tempo e sua própria memória.
Oxigênio é um longa dramático e desconfortável não apenas por se passar numa câmara criogênica. As angústias e teorias sobre o passado de Elizabeth criam um clima trágico, que alinhado com uma trama de ficção científica bem construída, consegue entreter o público mesmo sem a diversificação de cenários ou personagens. Sem dúvidas, o futuro pessimista da humanidade gera medo, mas a falta de lembranças pode levar um indivíduo ao desespero absoluto.